Yes, nós somos Millennials
PublishNews, André Bacil*, 13/08/2018
O 'millennial' André Bacil, diretor da Bibliomundi, escreve artigo ao PublishNews no qual defende que livrarias e editoras deem mais atenção aos seus leitores

Que o Brasil está mal não é novidade pra ninguém. Estamos em crise e esse é, sem dúvida, o pior momento político e econômico visto por quem era muito pequeno para lembrar do Collor na presidência. A atual crise no Brasil, no entanto, não é a primeira justificativa para o caos do nosso mercado editorial. A situação de dois de nossos maiores players, por exemplo, já estava escrita tempos antes da crise financeira no início dos anos 10 ou do golpe em 2016. Quem está chegando agora enxerga isso e está vindo pra fazer diferente.

Nos EUA, a Barnes & Noble perdeu o trem do digital e quando foi correr atrás, o mercado online já tinha nome, endereço e entrega por drone. Aqui, a Livraria Cultura, embora tenha comprado o Estante Virtual e a FNAC, está enxugando suas operações e espera concentrar 80% de saída de títulos via internet. A Saraiva além de não pagar os fornecedores, optou por não incluir seu tradicional estande gigante na Bienal do Livro de São Paulo. Como enfatizou Raquel Menezes, presidente da Liga Brasileira de Editoras (Libre), na mesa sobre Bibliodiversidade que ocorreu na Bienal no último dia 3, “não sei o que isto significa, mas quer dizer alguma coisa”.

Confesso que também não sei o que isto profetiza, mas, sem dúvida, demonstra que os dois gigantes não estão vendendo muitos livros. Embora a posição destas lojas seja definitiva para vários setores do mercado, a banda toca e a marcha segue com ou sem eles, como bem revelou a experiência de quem foi a Flip 2018. Falando de livrarias, enquanto as grandes redes estão perdidas no meio do vendaval das dívidas, as independentes, como a Blooks, pequena de tamanho, proporcionalmente, mas expressiva em sua curadoria, está abrindo uma loja online para a venda de livros independentes, o Indie Blooks. Seria esse o caminho da reinvenção? Ou seja, enquanto Cultura e Saraiva estão recuando em seus ofícios, as livrarias independentes dão um passo a frente ao apostar em um catálogo diversificado e que dá mais abertura para deixar brotar naturalmente o que público realmente quer ler.

Numa outra perspectiva, o que temos visto é que tem muita gente fazendo coisa muito boa e que dá certo. É uma questão de mindset. Dou um exemplo mais próximo: de volta à Flip, assistimos na Casa Santa Rita da Cássia, o evento SexTou cuja abertura foi uma mesa composta por mulheres debatendo sexualidade na literatura (e a força da literatura erótica para o movimento feminista). À mesa estava a jovem Bella Prudêncio, que com apenas 20 anos tem mais de duas milhões de leituras de seu livro 505 na plataforma Wattpad (nem adianta, o livro já foi fisgado pela Jaguatirica), e, sentada ao seu lado, Bia Alves, que lançou “essa alta literatura do alto da escada!”. Estamos cansados de ouvir sobre ela! #pelamordedeus! Vamos libertar o livro dos grilhões da academia de uma vez por todas. Livro bom é livro que vende, já que se vende é porque está sendo lido e recomendado; dialoga com a sociedade, provoca catarse e transformação. Isso pode chocar alguns, mas os números revelam: nem todo mundo quer ler Lobo Antunes ou livro do Porta dos Fundos. Enquanto isso, a desconhecida Bella Prudêncio tem passagem entre os mais baixados na Kobo, Amazon e na Google Play. Bella escreve romances eróticos. Em tempo, a frase da Bia viajou de boca a boca e uma semana depois de Paraty foi repetida em São Paulo, durante a bienal. Com sorte, em outubro ouviremos ela de novo Frankfurt.

É isso, as editoras precisam ter uma curadoria que dialogue com o público. Não tem saída, tem que escutar. Porque tentar a sorte chamando youtuber pra escrever livro provavelmente não era o que Luiz Schwarcz tinha em mente quando abriu a Companhia das Letras. Não seria isso um forte sinal de mato sem cachorro? Vamos escutar as discussões que tão rolando por aí, prestar atenção nos assuntos que as pessoas querem comentar e nos livros que querem ler, assim ajudamos a circulação de ideias, fortalecemos um mercado que tem ido escada abaixo e, no final das contas, vendemos mais livros, que meio que é the whole point do que todo mundo está tentando fazer agora. Tem muita gente boa MESMO disposta a trabalhar junto, na Bibliomundi por exemplo, estamos mostrando que o e-book germina melhor fora dessa velha lógica; a TAG, que ganhou o prêmio Jovens Talentos no ano passado, faz um trabalho fantástico escolhendo livros todo mês para um público que confia no tato da empresa; a Ubook, indicada ao prêmio inovação na Feira de Londres, está ressignificando o conceito de audiolivro no Brasil; a Poeme-se, talvez a mais revolucionária de nós, está imprimindo livros em camisetas!

Cadê um “Cultura Indica” levando livros selecionados pra casa das pessoas? Cadê os produtos personalizados do Seu Saraiva? Essas são coisas que o mercado tradicional poderia ter pensado dez anos atrás e agora não vai ser surpresa pra ninguém se uma dessas gigantes quebrar. Ainda dá tempo de chegar mais junto, ouvir e observar, vamos conversar que vocês tem muito o que aprender. A Flip ouviu e está se reinventando, a festa de Paraty deste ano foi mais democrática do que nunca e o público mostrou que estava lá para ver de tudo. Como a festa foi coladinha no calendário à Bienal, teremos um bom parâmetro legal pra dizer qual foi a mais bacana.

Yes, nós somos millennials, e aos 30 e poucos anos estamos aqui para dizer que temos a maturidade e a ousadia para levar o mercado do livro em uma direção que concorde com o tempo atual (e aqui não falo nem da inevitabilidade do livro digital). Somos bichas, trans, mulheres negros e tantos outros, falamos estranho e queremos remodelar a família tradicional brasileira. Somos um tanto arrogantes, sim, mas estamos bancando, na atitude e no investimento de jovens empresários, o valor daquilo que acreditamos. O resultado está aí. Todo leitor de Bernard Cornwell conhece a máxima: o destino é inexorável, ou você dança sua dança ou está fora. Ninguém controla a direção pra onde o mundo está indo, só podemos acompanhar. Então vem dançar no nosso compasso, ver de perto o que a gente está fazendo, tem espaço no salão pra todo mundo. Não sei você, mas eu não quero dançar.


*André Bacil tem 30 anos e trabalha com livros a oito. Formado em Produção editorial pela UFRJ, largou a filosofia por amor a literatura e desde 2012 levanta a bandeira dos livros digitais. Atualmente é Diretor de Contas na Bibliomundi.


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[13/08/2018 09:00:00]