Na condição de presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov recebeu, durante todo o dia de ontem (1º) livreiros e editores para a 28ª Convenção Nacional de Livrarias, no Hotel Unique, em São Paulo. Ele deu uma pausa no seu papel de anfitrião para conversar com o PublishNews. Na entrevista, o livreiro falou sobre a atual crise, criticou a hiperconcentração do setor livreiro, enalteceu a Amazon e ironizou o fato de não ter sido chamado para reunião que Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) tiveram com presidente Michel Temer. Clique no Leia Mais para ter acesso à íntegra da entrevista que o dirigente teve com o PublishNews.
PublishNews (PN) - Estamos aqui na Convenção da Associação Nacional de Livrarias. Os livreiros que vieram até aqui, vão sair com uma luz no fim do túnel?
Bernardo Gurbanov (BG) - Estamos num momento muito crítico do nosso ecossistema e precisamos mesmo fazer uma pausa para revisar as estratégias e sobretudo as relações entre as partes que compõem esse ecossistema que é um ecossistema de negócios, no qual, se não tiver lucro, não vai sobreviver. A temática proposta visa exatamente aprofundar essa reflexão, mesmo que toque em conflitos como, por exemplo a gestão da consignação.
PN - Você acha que a consignação é um modelo que não funciona mais?
BG – Não! Acho que funciona, sim. E mais, a consignação não é nenhuma novidade no mercado. Andei pesquisando e encontrei escritos do século 16 que fazem referência à consignação a o que na época era a Nova Espanha, hoje o México. O começo das livrarias, a chegada do comércio no Novo Continente. Eu resgato muito essas histórias porque o que eu percebo investigando o passado é que podemos encontrar repaginações para o futuro. As propostas que hoje temos nas livrarias de promotores de eventos culturais, de estimulo à leitura, na verdade, são adaptações aos novos tempos e não uma novidade. A consignação faz parte desse negócio. Sempre teve um mix entre consignação e compra-venda mercantil propriamente dita. O que acontece é que a gestão hoje, diante das dificuldades econômico-financeiras, torna uma situação em que o capital de giro desaparece como uma espuma de chope.
PN - Você falou em queda de vendas. As duas pesquisas que a gente tem, uma delas inclusive feita em parceria com a ANL não apontam para uma queda de vendas...
BG - Tem que ver em que período a gente está vendo. Que período da economia do país estamos analisando. Vamos ver o que acontecia antes, vamos ver os patamares de venda e de rentabilidade que tínhamos 10 anos atrás, 15 anos atrás. O processo de hiperconcentração econômica tem tirado protagonistas desse mesmo palco. As formas de alcançar o consumidor são diferentes. Apesar de, a curto prazo demonstrar uma tênue recuperação, estamos muito, muito abaixo de uma situação que seria próxima de um ideal de vendas. O que consideramos um best-seller? Quando vende 20 mil, 30 mil? Isso num país de 220 milhões de habitantes não é nada. Então, temos que ir com calma na análise dessas pesquisas. Precisam ser sempre vistas na perspectiva. Eu acho que ainda vamos ter muita dificuldade.
PN - Você sabe me dizer se tem alguém da Saraiva e da Cultura aqui, que são as duas livrarias em que se tornou mais evidente essa crise, já que elas estão renegociando prazos de pagamento. Elas estão participando da convenção?
BG - Não, elas não estão participando. Em artigo que eu fiz há algum tempo para o PublishNews eu já mencionava a questão de como a hiperconcentração iria afetar o mercado. Não que eu tivesse uma bola de cristal. Era evidente que, na medida em que se concentram os processos e os canais de vendas ou de negócios, eles ficam, por um lado fortalecidos, mas por outro, com menos opções. E quando a água sobe, inevitavelmente, vão sofrer. A água vai chegar, como chegou e arrasta o mercado inteiro e hoje, entre as duas empresas, somam 40% das vendas aproximadamente. Se juntam a esse número as empresas intermediárias, chegamos a 50% em mãos de quantas empresas? Pouquíssimas! Qual é a perspectiva que nós temos? Até onde vai essa hiperconcentração?
PN - E você acha que essa crise que Saraiva e Cultura têm enfrentado pode favorecer, de certa forma, as livrarias médias e pequenas que hoje são representadas pela ANL? Ou, em outras palavras, houve maior interesse por parte dos editores estarem aqui já que precisam abrir novos canais uma vez que não podem mais depender tanto de A e de B?
BG - Sem dúvidas que precisa diversificar e aumentar a capilaridade do mercado. Não podemos nos esquecer que ainda tem tanto por fazer. Está demonstrado por pesquisas que temos menos de 30% dos municípios com livrarias. As livrarias são pouquíssimas no país e altamente concentradas. Essa fragmentação do mercado, ao meu ver, é positiva. Não só positiva por apresentar mais canais de vendas, mas também por aumentar a oferta de bibliodiversidade nas prateleiras das livrarias.
PN - Esses dias, estavam Marcos Pereira [presidente do SNEL] e Torelli [CBL] lá com o Temer. A pauta de discussão era justamente a crise das livrarias. A ANL não estava presente por alguma razão?
BG - Não fomos convidados. Só fiquei sabendo no dia da reunião e só por isso, se não, teríamos ido.
PN - Uma outra notícia de Brasília é que o Ministério da Cultura anunciou recentemente que compôs um Grupo de Trabalho (GT) que vai debater a situação do mercado editorial e livreiro. A ANL foi convidada a compor esse grupo?
BG - Também não. Talvez os Correios não estejam funcionando muito bem, por isso, esses convites de Brasília não têm chegado até a nós.
PN - Amazon está presente pela primeira vez na convenção da ANL como apoiadora. Ela deixou de ser o bicho papão?
BG - Aquilo que se percebia da Amazon, como um elemento ameaçador, acabou se revelando o contrário. A Amazon tornou-se um grande parceiro das editoras. Pelo simples fato de que compra e paga os seus fornecedores. Hoje, não vejo que a Amazon esteja fazendo um trabalho predador. Os pequenos livreiros não têm condições de competir com eles. É verdade, mas também não tem condições de concorrer com nenhum dos players on line. A Amazon é um protagonista do mercado do livro. Uma das maiores fortunas do mundo está na mão de um cara que começou como um livreiro. Não podemos deixar uma empresa desse porte de lado só por que achamos que é uma empresa ameaçadora.
PN - A Amazon entra na convenção como apoiadora, mas já se associou à ANL?
BG - Não. Ainda não, mas estamos esperando que eles façam parte do corpo de associados da ANL logo.