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CBL 70 anos e o restabelecimento de fatos
PublishNews, Felipe Lindoso, 12/12/2016
Em sua coluna, Felipe Lindoso, comenta a festa dos 70 anos da CBL e esclarece alguns fatos a respeito da desoneração dos PIS / COFINS PASEP conquistada pelas editoras em 2004

A CBL comemorou seu aniversário de 70 anos com um evento no Teatro Frei Caneca, um show do Pedro Camargo Mariano e coquetel. Uma boa quantidade de representantes do mercado editorial esteve presente. Nem vou comentar algumas ausências significativas, talvez devidas à multiplicidade de entidades e disputa entre as muitas que existem no setor.

O secretário de Cultura de São Paulo, José Roberto Sadek esteve lá, representando o governador; Danilo Santos de Miranda, diretor regional do SESC foi outra presença significativa. Cristian Santos, o novo diretor da área do MinC também se fez presente.

Dos sete últimos presidentes, seis estavam presentes: Alfredo Weiszflog, Ary Benclovicz, Armando Antongini, Raul Wassermann, Oswaldo Siciliano, Rosely Boschini e Karine Pansa, além do atual, é claro. Faltou o Altair Brasil, já falecido.

Depois dos discursos protocolares, o show do Pedro Mariano, filho do César Camargo e da Elis, foi muito aplaudido pelos segmentos mais jovens da plateia (eu preferia os pais, mas a mãe, infelizmente, não está mais disponível), e um coquetel bem servido.

Mas quero comentar o vídeo que foi exibido, em particular as entrevistas dos ex-presidentes.

Cada um buscou ressaltar o que considerava aspectos importantes da sua gestão.

Qual minha surpresa quando vi e ouvi o Sr. Oswaldo Siciliano afirmar que ele e sua diretoria “fizeram gestões junto ao senador José Sarney” para conseguir a desoneração do PIS / PASEP COFINS, que “complementaria a imunidade já concedida ao livro pela Constituição”.

É certo que a desoneração aconteceu quando o Sr. Oswaldo Siciliano era presidente da CBL.

Só que não foi fruto de nenhuma gestão dele nem de sua diretoria.

Eis os fatos, que posso relatar porque deles sou efetivamente um dos protagonistas e testemunha.

Em 2004, fui contratado pelo CERLALC – Centro Regional para o Livro e Leitura na América Latina e Caribe, para assessorar Galeno Amorim, que coordenava a ampliação dos programas de livros, inspirado no refrão “Fome Zero”, do presidente Lula.

Como faço regularmente quando presto esse tipo de serviços, estava muito atento às medidas governamentais a respeito do setor, e notei, ainda no primeiro semestre de 2004, uma iniciativa da Receita Federal de dispensar a cobrança de PIS / PASEP-CONFINS incidentes sobre importação e comercialização de livros considerados como “técnico-científicos”.

Imediatamente fui atrás de confirmar o que já intuía. Livro, como classificação tributária, está incluído na chamada Nomenclatura Comum do Mercosul, que por sua vez tem como base o SH (Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias). É uma definição de cada tipo de produto para efeitos tributários e fiscais. Seria, portanto, obrigatoriamente usado pelos fiscais da Receita para definir o “livro técnico-científico”.

Os livros estão classificados na rubrica “NCM 4901 – Livros, brochuras e impressos semelhantes, mesmo em folhas soltas”. Seguem-se classificações análogas até a NCM 49019900. A NCM 4902 define jornais e periódicos, e assim por diante.

Como se pode observar, a classificação não diz respeito ao conteúdo dos livros. Só a suas características físicas. Disso decorria que, para “definir” o que seriam livros técnico-científicos os fiscais da Receita deveriam examinar seu conteúdo.

Ora, exame de conteúdo para efeitos de classificação (qualquer que seja ela) é simplesmente análogo à censura. E censura é expressamente proibida pela Constituição Federal (quando a CF vale para alguma coisa).

Mostrei a situação ao Galeno, assinalando que a própria Receita abria uma porta para a desoneração. Esses tributos incidiam em 4% a 9% da receita bruta das editoras e livrarias, dependendo de seu regime fiscal. Era uma boa grana.

A partir daí, Galeno Amorim, que havia sido secretário de Cultura do então ministro da Fazenda, Palocci, quando este era prefeito de Ribeirão Preto, passou a articular a possibilidade da desoneração. Desenvolvi, junto com o Galeno, a ideia de que, em troca dessa desoneração, os beneficiados (editoras e livrarias) passariam a dar uma contribuição de 1% do faturamento para um fundo para o financiamento de bibliotecas e programas de leitura, a ser gerido – na minha proposta – por uma instituição assemelhada ao “Sistema S”, com a inclusão em seu Conselho de representantes das cadeias produtiva, criadora e mediadora (editores e livreiros, escritores e agentes de mediação, como bibliotecários, etc.), mais representantes do governo.

Palocci, que sempre foi um defensor do livro, comprou a ideia e passou a articular junto à Casa Civil da Presidência (José Dirceu), o modo de executar essa desoneração.

Como decorrência dessa articulação, foi envolvido o senador José Sarney, que propôs apresentar uma emenda a uma das Medidas Provisórias já em tramitação, dessas que acabam virando “bonde” para um monte de coisas. Essa, em particular, tratava de portos, e acabou incluindo a desoneração para editoras e livrarias. Ainda ponderei que seria preferível um projeto mais global que já incluísse a cobrança da contribuição de 1% e sua gestão. Mas a argumentação vencedora foi de que a emenda a ser apresentada pelo senador Sarney teria a tramitação mais rápida e já incluiria a desoneração.

Nessas alturas, tanto eu como o Galeno procuramos as entidades do livro – SNEL, Abrelivros, ANL, e CBL - para propor a “troca”: desoneração de 4% a 9% dessas contribuições pela contribuição de 1% para o Fundo. Todas aplaudiram e se comprometeram com a ideia, ansiosos para ver a desoneração passar, como passou.

No dia da sanção, o Sr. Oswaldo Siciliano foi escolhido, pelos demais presidentes de entidades, para discursar em nome de todos, enaltecendo a medida. O que ele fez.

Sendo assim, a desoneração do PIS / PASEP-COFINS foi realmente fruto da articulação do Galeno Amorim, com o apoio decisivo do Palocci, que cuidava da Receita, e a contribuição do Sarney na apresentação da emenda. Evidentemente, o apoio final do presidente Lula definiu a situação.

Muito longe da versão apresentada pelo Sr. Oswaldo Siciliano como grande destaque de sua gestão.

Até hoje o fundo não foi criado, mas isso já é fruto da incompetência do Ministério da Cultura, e sua articulação com a Fazenda e a Casa Civil, para chegar a um formato aceitável por todos.

Mais tarde, os editores criaram o IPL – Instituto Pro-Livro, já como uma medida “compensatória” para a desoneração. A contribuição que o IPL recebe de algumas editoras nem de longe se compara ao que seria o fundo. O IPL, sejamos justos, faz o que pode e, entre suas inciativas importantes, está a continuidade da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cujo protótipo foi feito em 1999 / 2000 por iniciativa da CBL (gestões Altair Brasil e Raul Wassermann), com o patrocínio da BRACELPA, o órgão dos produtores de papel e celulose.

Não sei que tipo de imaginação criativa levou o Sr. Oswaldo Siciliano a dizer que a medida se devia a sua gestão.

Não costumo fazer, e não gosto, de anunciar o que faço no exercício de minhas atribuições funcionais quando contratado por entidades, e esse era o caso. Simplesmente cumpri com minhas obrigações. Mas acredito também que essa manipulação de fatos não pode passar em branco. Por respeito às instituições e pessoas envolvidas no caso.

Fora isso, a festa dos 70 anos da CBL foi ótima.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tags: CBL
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