No Dia Nacional do Livreiro, presidente da ANL oficializa sua saída
PublishNews, Leonardo Neto, 14/03/2016
Entre as justificativas de sua renúncia, Afonso Martin fala de discordâncias com a Lei do Preço Fixo, que tramita no Congresso

O dia 14 de março é o Dia Nacional do Livreiro. E foi a data também na qual Afonso Martin, diretor-presidente da Associação Nacional das Livrarias, escolheu para apresentar a sua carta de renúncia.

No documento, que pode ser lido na íntegra no fim desta matéria, Afonso explica que deixa a entidade depois do fechamento de sua livraria. “O encerramento das atividades de uma das fundadoras da ANL (...) me impede moralmente de continuar assumindo um papel coletivo da mais alta responsabilidade sócio cultural”.

Além disso, Afonso questiona na carta a “participação de pessoas que nem sequer associados ou mesmo livreiros são”. Procurado pelo PublishNews, Afonso preferiu não se manifestar além do que deixou escrito no documento.

Outro ponto de discordância de Afonso foi com a condução do Projeto de Lei 49/2015, que tem como missão estabelecer uma regulamentação do varejo do livro no Brasil.

Pela proposta atual, os didáticos, ficariam de fora da regulação, permitindo que editoras os comercializem diretamente às escolas. Esse, na opinião de Afonso, sempre foi um dos calcanhares de Aquiles das livrarias.

A renúncia, diz a carta é uma “recusa em endossar uma modificação (...) orquestrada em Fórum de Entidades dominado por sindicato industrial, que ignora solenemente a única coletividade de livrarias presente”. Afonso chama a exclusão dos livros didáticos e escolares do âmbito da lei de “miopia de curto prazo” e conclui que, do jeito que está, a lei “reforça o bárbaro feudalismo editorial”.

A assembleia para escolha de nova diretoria acontece nesta terça-feira (15), às 14h, na sede da ANL (Rua Marquês de Itu, 408 – 7.º andar). A chapa única que concorre é a encabeçada por Bernardo Gurbanov, conforme o PublishNews já havia noticiado na semana passada.


São Paulo, 14 de março de 2016.

À Associação Nacional de Livrarias,

Aos colegas diretores, associados e livreiros, aos profissionais do livro e colegas institucionais.

Comunico neste momento a minha renúncia como Diretor-Presidente, e o imediato desligamento como associado desta entidade.

Este não é um ato de desistência, mas sim um ato de recusa. Um ato de liberdade que prima pela preservação de posições e valores pessoais sem o quais não me sentiria mais digno da posição e nem das responsabilidades implícitas a uma liderança coletiva. Mas também de liberdade para esta entidade, para uma oportunidade de reflexão institucional.

O encerramento das atividades de uma das fundadoras da ANL, depois de 51 anos de serviços prestados a sua comunidade, deixando-a órfão de livrarias, me impede moralmente de continuar assumindo um papel coletivo da mais alta responsabilidade sócio cultural. Assim como a impossibilidade financeira me proíbe a continuidade no quadro associativo. Não seria capaz de representar uma coletividade sem que pudesse reunir as características, não apenas pragmáticas, mas que legitimam uma voz institucional.

A data não foi escolhida ao acaso. Esta também é uma recusa em participar de momento onde valores sérios serão relativizados por pessoas que primam o fim mais do que os meios. Há valores inegociáveis, assim como o da integridade. Me assusta que a entidade seja permissiva a participação de pessoas que nem sequer associados ou mesmo livreiros são, e que ainda assim (pareçam ser favoráveis, até) a eventuais possibilidades de modificações estatutárias com claros interesses de sobrevivência, quando a própria entidade luta por sua subsistência. Surpreende posições que em que pesem demonstrarem-se como incisivas possam parecer, ao mesmo tempo, objeto de flexibilização e negociação sobre pontos essenciais e configuradores do papel do comercio livreiro na difusão da cultura. Me estranha que alguns poucos, mas influentes associados tenham posições tão incisivas, mas tão facilmente negociáveis.

É também uma recusa em endossar uma modificação em projeto de lei destinado ao varejo, e ao equilíbrio de forças num mercado altamente regulamentado pelo Estado. Modificação orquestrada em Fórum de Entidades dominado por sindicato industrial, que ignora solenemente a única coletividade de livrarias presente. Num ato de benevolência rasa, já que mantém intocável segmento comercial responsável desde a década de 70 pelo desdobramento para o papel pedagógico da escola como instituição de cultura inclinando-a ao perfil comercial que lhe é tradicionalmente estranho com consequente e inevitável comprometimento do papel pedagógico da escola, do professor e da formação do leitor. Que no âmbito democrático será o futuro cidadão, e no empresarial: o futuro leitor e consumidor.

Numa miopia de curto prazo, aprovado da maneira que exclui de regulamentação necessária o varejo de livros escolares e didáticos. A lei que já reforça o bárbaro feudalismo editorial, mantém condições jurídicas para o funcionamento de um mercado que hoje vive cada vez mais do controle, apesar de falsos discursos neoliberais. Editoras que controlam o preço, a oferta e a demanda, ferem todos os conceitos da livre concorrência, da lisura, da ética e da cidadania. Mas tudo parece passível diante da sobrevivência de quem produz.

A mesma política que se diz primar pelo cidadão, ou mesmo pelo trabalhador, sustentou a indústria sendo o segundo maior comprador de livros do mundo, mantendo o mercado refém de 50% de todo seu faturamento em nome do acesso ao livro. Acesso que não se faz por simbiose, o investimento não deve ser no objeto, mas nas suas possibilidades humanas.

Essa política de acesso resulta hoje num fracasso social: 50% das crianças com 8 anos são analfabetas, 38% dos acadêmicos formados são incapazes de compreender um texto e mais recentemente divulgado pelo Ministério da Educação, 92% dos brasileiros não dominam o seu próprio idioma.

Depois de um duro e longo período de luto, recebo dos bons e sinceros amigos o indicativo de que a noite realmente parece mais escura antes do amanhecer.

“Nunca declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado.”

Vejo que o momento também é de possibilidades e de futuro. Rogo para que a reflexão seja feita à luz da maturidade coletiva, democrática e cidadã. Que se deixe as necessidades individuais e particulares na intimidade e não se contamine a esfera do que sempre foi e deve continuar sendo público.

Por isso renuncio,

No dia do profissional do livro e da liberdade do poeta.

Afonso Maximino Krücken Martin

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[14/03/2016 14:30:03]