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A Amazon é amiga ou inimiga?
PublishNews, 10/04/2015
É inegável que a Amazon mudou a indústria editorial, mas, afinal é amiga ou inimiga?

Fui convidado para me unir a uma discussão chamada “Amazon: Amiga ou Inimiga” (no caso “para as editoras”) bancada pelo Digital Media Group da Honorável Companhia de Impressores (só na Inglaterra!) e que vai acontecer em Londres no próximo dia 13. Acho que a resposta deve ser “as duas coisas”, e tenho a suspeita de que meus companheiros de discussão — Fionnuala Duggan, que já foi da Random House e da CourseSmart; Michael Ross, da Enciclopédia Britânica, e Philip Walters, o moderador da conversa, vão concordar. É uma questão simples com muitas respostas complicadas. Tenho certeza de que Fionnuala, Michael e Philip vão apresentar algumas perspectivas que não tratarei aqui.

Os primeiros pensamentos que a pergunta traz para mim são as três formas pela qual a Amazon mudou profundamente a indústria.

Apesar de que quase toda editora tem dores de cabeça ao negociar com a Amazon, poucas poderiam negar que ela é a conta mais lucrativa, se levarem em consideração volume de vendas, retornos e o custo dos serviços. Este fato quase nunca é reconhecido e, portanto, pode ser classificado como um dos pequenos segredos da indústria. Como está consolidada entre a audiência que compra livros online e entrega com extraordinária eficiência, a Amazon deve achar que está totalmente justificada em ser dura nos descontos; afinal são a conta mais lucrativa de todas as editoras! Mas como estão realmente substituindo muitas outras contas robustas, a lucratividade que acrescentam coloca um preço alto na estabilidade e confiabilidade do negócio editorial, que se sente muito mais confortável com uma quantidade maior de contas. As editoras resistem bravamente às exigências da Amazon para mais margem, parcialmente porque não sabem até onde irão estas exigências.

Também é verdade que a Amazon criou quase sozinha o negócio do e-book. Sim, ele existia antes da criação do Kindle, em novembro de 2007, mas era insignificante. Foi preciso a combinação que somente a Amazon poderia juntar para fazer com que o mercado realmente surgisse. Eles criaram um aparelho de leitura com conectividade interna para download direto (o que, naquele tempo pré-wifi, exigia correr o risco real de que os preços de conexão pudessem matar a margem). Eles tinham o poder para persuadir as editoras a colocar mais livros, especialmente novos títulos, disponíveis como e-books. E tiveram a atenção e a lealdade de uma porcentagem significativa de leitores de livros para defender os e-books. Com tudo isso e a disposição de investir em um mercado que não existia, a Amazon criou algo do zero. Tudo que aconteceu desde então – Nook, Apple, Google e Kobo – não teria funcionado se a Amazon não tivesse aberto o caminho. Na verdade, eles poderiam nem ter tentado! Steve Jobs desdenhou completamente os e-books como negócio antes de a Amazon ter demonstrado que eram downloads pelos quais muita gente estava disposta a pagar.

A outra grande mudança na indústria que é significativa, mas poderia não ter acontecido sem a Amazon é a autopublicação. O sucesso do Kindle gerou facilidades e barateou a forma para chegar a uma porção significativa da audiência que compra livros com preços baixos e margens altas. A Amazon também contribuiu com a criação de uma interface fácil de usar e um autosserviço eficiente. Novamente, outras empresas seguiram o caminho, incluindo a Smashwords. Mas quase todas as editoras de autopublicação que conseguiram sucesso comercial devem agradecer à Amazon. Parece que, pelo menos no espaço do e-book, as autopublicações vendem tantas unidades quanto algumas editoras das Cinco Grandes e, em ficção, até ultrapassam. Sem a Amazon, isso não poderia ter acontecido.

Então, destas três maneiras a Amazon realmente mudou a indústria - consolidando o grosso dos compradores de livros online, criando o negócio do e-book e permitindo que a autopublicação se tornasse viável comercialmente – as editoras teriam que falar que as duas primeiras foram benéficas (amiga) e a última seria melhor não ter acontecido (inimiga).

A segunda grande questão para esta discussão da Amazon tem a ver com a assimetria entre o que a Amazon conhece da indústria e o que a indústria conhece da Amazon. Dados sobre a indústria editorial são notórios por serem pouco conhecidos e por causa do grande número de audiência e modelos comerciais no “negócio do livro”, que são difíceis de interpretar de forma inteligente. A Amazon, por outro lado, tem sua própria forma de tornar as coisas opacas ao não compartilhar informações.

A primeira indicação disso é que a Amazon não usa o número ISBN que é padrão da indústria; eles têm seu próprio número chamado ASIN. Então enquanto a indústria tem uma contagem total de títulos através das agências de ISBN que exige um grau próprio de interpretação, os títulos publicados exclusivamente pela Amazon, que só possuem ASINs e não ISBNs, são um “buraco negro” total. Ninguém, exceto a Amazon, sabe quantos existem e em que categorias podem ser colocados.

Outra parte do negócio da Amazon que possui uma relevância crítica para o resto da indústria, mas está totalmente escondida é seu negócio de livros usados. Há uma discussão a ser feita de que o mercado de livros usados que a Amazon alimenta na verdade ajuda as editoras a vender seus livros novos com preços mais altos dando aos consumidores uma forma de recuperar seu dinheiro. Mas também é verdade que as pessoas estão comprando cópias usadas de livros que, em outra situação, teriam comprado novos, com a escolha usada mais barata sendo oferecida para eles já quando o livro é publicado. Poderíamos assumir intuitivamente que o efeito se torna cada vez mais corrosivo com títulos mais antigos e o suprimento de cópias usadas continua aumentando com a queda na demanda do livro, fazendo com que o preço dos livros usados caia. Mas ninguém fora da Amazon sabe algo sobre isso, incluindo o tamanho do mercado.

E da mesma forma, não temos ideia de qual é o tamanho do negócio de livros proprietários da Amazon: os títulos que somente eles publicam. Além de não saber quantos há ou em que categorias estão, nós não podemos interpretar como as vendas dos títulos publicados pela Amazon poderiam afetar as perspectivas para títulos que uma editora poderia ter contratado. Só a Amazon possui essa perspectiva para informar sobre seus títulos, seu merchandising, e medir a extensão de sua capacidade de alavancar vendas nas negociações com editoras.

Voltando à pergunta original, exceto pela possibilidade de que as vendas de algum novo livro ocorram porque o comprador confia na possibilidade de revender, isso é tudo parte do inimigo!

Em retrospectiva, é claro que a grande vantagem da Amazon foi que eles sempre tiveram a intenção de usar o negócio do livro como um trampolim para uma jogada maior; nunca viram os livros como um fim em si mesmo. Isso foi uma antecipação do futuro que ninguém dentro do negócio do livro entendeu quando estava acontecendo, nem foi imitado por outros participantes que somente estão dentro do negócio dos livros. Mas foi a chave da economia da Amazon. Eles não precisavam ganhar muita margem nos livros; estavam concentrados no “valor do cliente eterno” e viram muitas formas de conquistá-lo. Google e Apple têm a mesma realidade: livros para eles estão a serviços de propósitos maiores. Mas começaram com propósitos maiores e, por esta e outras razões, nunca conseguiram ser tão bons quanto a Amazon com livros. (Uma grande deficiência das ofertas da Google e da Apple é que são apenas digitais; eles não imprimem livros.) E a B&N e a Waterstone’s nunca pensaram além de livros; parece que a Waterstone’s nunca pensou muito além das lojas físicas!

Mas pode ser que a Amazon esteja se aproximando dos limites de sua parte do mercado de livros. O que eles trabalharam no mundo de língua inglesa – para livros impressos há duas décadas e e-books há quase uma década – porque foram os primeiros e foram capazes de agregar um enorme case de clientes antes da existência de qualquer desafio sério. Não vai ser tão fácil dominar novos mercados hoje, especialmente aqueles que têm regras que dificultam a competição de preços. Diferenças de linguagem significam que mercados de livros vão permanecer “locais” por um bom tempo e será difícil para a Amazon deslocar os fortes atores locais.

A Amazon tem poderosas ferramentas para manter seus clientes. Prime é a mais eficiente: quando os clientes pagam uma taxa substancial para envios gratuitos, é pouco provável que comprem em outro lugar. O Kindle é outro. Os aparelhos e os apps possuem ampla distribuição e, por causa da autopublicação, Kindle continua a livraria com a maior seleção.

O mercado está mudando, claro. A grande vantagem da Amazon é ter a maior seleção de livros impressos e digitais em um único lugar. Todos sabem há décadas que este é o melhor ímã para atrair compradores de livros. Mas agora muitos livros estão sendo lidos sem a compra nas livrarias como antes. Estamos no começo de uma era de “distribuição distribuída”. Muitas ofertas tecnológicas diferentes — Aerbook, Bluefire, De Marque, Page Foundry e Tizra entre elas — podem facilitar a vida das editoras para a venda direta de e-books (e a Aerbook permite também a promoção nas redes sociais). Os serviços de assinatura Scribd, Oyster, 24Symbols e Bookmate (assim como o próprio Kindle Unlimited da Amazon) estão afastando os clientes da compra de e-books à la carte, e Finitiv e Impelsys facilitam que qualquer entidade ofereça leitura digital por assinatura. Todas essas vendas, exceto Kindle Unlimited, diminuem a participação da Amazon, já que é a principal livraria hoje em dia. As editoras no geral veem esta dispersão de mercado como uma coisa boa, apesar de que alguns dos problemas de falta de transparência começam a surgir e, na verdade, os grandes serviços de assinatura geral são um novo grupo de intermediários potencialmente perturbadores que agora estão ganhando poder.

Para o futuro próximo – nos próximos anos – a Amazon vai continuar dominante na maior parte do mundo como o local central onde podemos comprar livros online à la carte porque eles têm os melhores serviços, a maior seleção e vendem tanto impressos quanto digitais. Mas eles agora têm um novo desafio com a próxima rodada das mudanças do mercado, pois o que eles dominam vai se tornar uma porção menor do negócio geral de livros nos próximos anos. As editoras encaram o mesmo desafio, mas de uma forma diferente.

O evento que serviu de inspiração para este post acontece na noite anterior à abertura da Feira do Livro de Londres. A entrada é paga. Se você vai à Feira e quiser participar,eu recomendo! Não vou ter, como sempre, uma base de operações verdadeira na Feira, mas vou ficar nos três dias com algum tempo disponível para encontrar novos e velhos amigos. Mande um e-mail para info@idealog.com se quiser organizar algo.

(Tradução de Marcelo Barbão)

Mike Shatzkin tem mais de 40 anos de experiência no mercado editorial. É fundador e diretor-presidente da consultoria editorial The Idea Logical Co., com sede em Nova York, e acompanha e analisa diariamente os desafios e as oportunidades da indústria editorial nesta nova realidade digital. Organiza anualmente a Digital Book World, uma conferência em Nova York sobre o futuro digital do livro. Em sua coluna, o consultor novaiorquino aborda os desafios e oportunidades apresentados pela nova era tecnológica. O texto de sua coluna é publicado originalmente em seu blog, The Shatzkin Files.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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