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Relatos das resistências nas bibliotecas públicas de São Paulo
PublishNews, 03/05/2013
Relatos das resistências

Mais de cinquenta bibliotecas públicas e pontos de cultura iniciam hoje na cidade de São Paulo uma extensa programação, “A Luta É Contínua”, que apresenta encontros, relatos e debates com 27 militantes (da luta civil e da luta armada) e ex-presos políticos da ditadura instaurada com o golpe civil-militar de 1964.

A primeira participação será hoje, às 16h00, de Alípio Freire, jornalista, poeta e presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política, na Biblioteca Paulo Duarte, Rua Arsênio Tavollieri, 45, Jabaquara. O evento é um painel de relatos de pessoas que tiveram durante e após o regime ditatorial as trajetórias mais diversas, sendo que muitos mantêm militâncias políticas, sindicais e relacionadas à memória do período. A programação completa pode ser conferida aqui.

As bibliotecas públicas de São Paulo têm cada vez mais intensificado a programação cultural com palestras e atividades em paralelo ao trabalho de organização e aprimoramento dos seus acervos de livros e periódicos e do atendimento ao público. Manter uma rede de bibliotecas públicas com esta qualidade é uma conquista admirável frente a tantas prioridades sociais, dificuldades orçamentárias e certa desvalorização da cultura dos livros impressos. O site apresenta as bibliotecas, seus acervos e os eventos.

É muito significativo que as bibliotecas e os pontos de cultura sejam também locais onde se conte histórias como as de resistência, de sofrimento e de militância política dos que vivenciaram este período. É importante destacar a diversidade dos participantes de “A Luta É Contínua”, entre professores universitários, profissionais de várias áreas, operários e dirigentes sindicais, muitos militantes na atualidade e com posições institucionais sobre estes temas, incluindo a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, membro da Comissão Nacional da Verdade, e Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia e secretário-nacional de Justiça do Ministério da Justiça.

A partir da instauração da Comissão da Verdade, os relatos deste período se tornaram praticamente cotidianos e inúmeros livros sobre o assunto foram publicados, somando-se às dezenas de títulos que já existiam e de projetos como o Memórias Reveladas do Arquivo Nacional, no site.

As memórias publicadas vêm se tornando pequenos monumentos-lápides, que, na falta de sepultamentos devidos e da verdade fatual sobre os mortos e os desaparecidos, permitem que conheçamos os relatos e façamos o luto como sociedade. A escrita, nestes casos, ao compartilhar o sofrimento, permite elaborar essa memória, que passa também a embasar movimentos em prol dos direitos humanos no presente.

Entre os muitos livros recentemente publicados, menciono duas leituras. K. (Ed. Expressão Popular), texto autobiográfico – mas escrito como ficção – do jornalista e professor da ECA-USP Bernardo Kucinski, conta a comovente busca que seu pai, Meir, realizou em 1974 para encontrar a filha Ana Rosa Kucinski, química e professora da USP, militante da luta armada, irmã de Bernardo, presa e desaparecida. O desespero do pai, em sua destemida e dramática busca, onde quer que fosse, acabou provocando uma perversa reação do aparato da repressão, que chegou a enganá-lo com pistas falsas. Do desaparecimento de Ana Rosa seguimos nada sabendo.

As duas guerras de Vlado Herzog (Ed. Civilização Brasileira), do jornalista Audálio Dantas, conta em detalhes a vida e a morte do jornalista Vladimir Herzog, desde a fuga da família do nazismo – somando-se aos vários livros já publicados sobre ele. É impactante o relato dos detalhes cotidianos da paranoia de um pequeno setor da repressão em São Paulo que, contrário à abertura política, acreditava em uma conspiração comunista em 1975, que poderia ser chefiada pelo cardeal Arns (!). Esta paranoia anti-comunista moveu ações contra jornalistas e outros que militavam civilmente pela democratização do país. O livro de Dantas repõe o cotidiano da barbárie da tortura e faz um relato sobre a corajosa organização de pessoas e instituições, especialmente o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em prol da redemocratização do País.

Os relatos dolorosos que os trabalhos da Comissão da Verdade estão suscitando e trazendo à tona, diariamente, são condição para conhecermos, lembrarmos e elaborarmos esta história. A programação das bibliotecas e dos pontos de cultura em São Paulo, com este evento “A Luta É Contínua”, é uma oportunidade de ouvir múltiplos testemunhos e narrativas e discutir os caminhos passados e futuros da democracia.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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