Foram divulgados ontem, dia 14, os nomes dos vinte autores que estarão presentes no segundo número da Machado de Assis Magazine – Literatura Brasileira em Tradução, co-edição da Fundação Biblioteca Nacional e do Instituto Itaú Cultural, e da qual sou o editor.
Foram 147 inscrições, dentre as quais o Conselho Editorial teve que selecionar vinte textos. Ou seja, apenas 13,6% dos inscritos podiam entrar.
Não é tarefa fácil, até porque, na abundância, o risco das escolhas é sempre maior. Ainda bem que a responsabilidade é dividida por todo o Conselho Editorial, que vota, com total liberdade, em quem deseja que participe da revista.
O trabalho prévio de análise do material a ser enviado aos conselheiros deve ser bem detalhado. Procura-se, principalmente, verificar se o livro tem existência legal – ou seja, se está registrado no ISBN, conforme o exigido pela Lei do Livro. E se o texto enviado faz parte de algum livro já publicado no exterior, principalmente em inglês, espanhol ou francês. No caso deste ano, também em alemão.
A questão é que a revista se destina a promover novas edições de autores brasileiros no exterior. Quem já está traduzido em algum desses idiomas já dispõe de um instrumento de trabalho para que agentes, editores e o próprio autor procurem novas traduções, em outros países. Não seria justo retirar a oportunidade de um autor não traduzido, privilegiando autores que já circulam no exterior.
É importante destacar essa função da Machado de Assis Magazine. Não é uma “revista literária”, no sentido tradicional, na qual se publicam trechos de livros, resenhas e críticas como um objetivo da própria revista. A Machado de Assis Magazine tem como missão abrir novos espaços, e não reafirmar as posições e eventual importância de quem já circula no mercado internacional.
Queremos ser ainda mais estritos nessa missão. No número dois usamos o fato do livro já haver sido publicado como critério de desempate entre os votos dos conselheiros. Nos próximos números usaremos também como critério para desempatar a publicação do excerto nas páginas dos agentes literários ou nos materiais que as próprias editoras oferecem nas feiras internacionais.
Dessa maneira estaremos somando esforços. A ação de agentes e editoras mais estruturadas – que já tomam a iniciativa de oferecer excertos de tradução - deve se somar à publicação de outros autores na Machado de Assis Magazine, justamente os que não encontraram esse espaço.
Este número da revista será exclusivamente digital, como previsto no projeto. O próximo número, dedicado à literatura para crianças e jovens, a ser lançado durante a Feira de Bolonha, será temático, além de digital, com textos focados nesse segmento editorial.
O projeto de edição da Machado de Assis Magazine pressupõe uma escala de aprendizado e aperfeiçoamento. No primeiro número foram publicados alguns textos do programa de incentivo à tradução da FBN, assim como os de alguns livros já contratados, embora ainda não publicados. Era importante colocar a Machado de Assis Magazine no contexto das demais ações da FBN de promoção da nossa literatura no exterior, especificamente o programa de incentivo e apoio às traduções e de presença nas principais feiras internacionais de livro.
A Machado de Assis Magazine está integrada também ao esforço do Instituto Itaú Cultural de promover o mapeamento internacional da presença da literatura brasileira no exterior. O projeto Conexões, do Itaú Cultural, é um banco de dados com informações de quase trezentos professores, pesquisadores e tradutores da literatura brasileira no exterior. Esse grupo é um importante meio de difusão, não apenas da literatura, como também da cultura brasileira de modo mais amplo, e o material já sistematizado no Conexões permite uma maior interação entre os componentes desse grupo.
Quero ainda chamar atenção para dois aspectos da Machado de Assis Magazine.
O primeiro é alertar para ilusões que porventura os autores tenham de que a simples publicação do excerto de tradução abre as portas para o mercado internacional. Isso não é certo.
A publicação de excertos de tradução, e das informações sobre o autor e seu livro, é um instrumento de trabalho. A contratação de publicação no exterior é tarefa extremamente complexa e árdua. Exige perseverança e trabalho sistemático nas feiras internacionais, o desenvolvimento de contatos que só são úteis se for conhecido o perfil da editora para a qual se envia o material. As negociações são lentas, e quem pensa em resultados imediatos é forte candidato a acumular frustrações. Remeto às observações que me foram feitas pela Míriam Gabbai, da Callis, sobre seu persistente trabalho de busca de mercados internacionais, que publiquei em um post. O fato é que oito dos autores selecionados se colocam como seus próprios representantes para as negociações. Ora, se as dificuldades são grandes para que editoras e agentes desenvolvam o mercado internacional, essas se multiplicam no caso do autor tentar fazer isso por conta própria. Fica o aviso.
Um segundo ponto sobre o qual gostaria de chamar atenção é o caráter da tradução dos excertos publicados na Machado de Assis Magazine.
Essas traduções são encomendadas pelos próprios autores e seus agentes. Não são editadas. Ou seja, não passam pelo crivo de revisões e preparações editoriais. Por isso mesmo dizemos que não são “traduções definitivas”. Evidentemente cuidamos para que as traduções apresentadas sejam corretas, e reflitam adequadamente o conteúdo da obra “representada” pelo excerto.
As traduções não são também “definitivas” por duas outras razões.
A primeira é que o editor que adquirir os direitos autorais de publicação de um romance é quem determina, em princípio, quem a traduzirá. Poderá ou não optar pelo tradutor(a) do excerto. Essa é parte da tarefa editorial de quem adquire os direitos de tradução e edição.
A segunda, ainda mais prosaica, é que os excertos estão em algum dos idiomas de maior acesso para análise no mercado internacional. A saber, inglês e espanhol. Mas o livro pode ser adquirido por editoras de qualquer outro país. E, de fato, isso acontece com bastante frequência. Nos últimos anos, vimos traduções diretas de autores brasileiros do português para o romeno, o croata, o russo, o italiano, o francês e vários outros idiomas. Ou seja, e mais uma vez, o excerto é um instrumento de trabalho para agentes, editores e autores. Nada mais que isso.
As notícias que tenho ouvido sobre os resultados do primeiro número da Machado de Assis Magazine são animadoras. Consultas e pedidos de mais informações por editoras de vários países. Os alemães têm demonstrado muito interesse, inclusive em função do Brasil ser, este ano, o país homenageado na Feira de Frankfurt.
Sabemos todos, e repito mais uma vez, que esse processo é demorado, e que a análise de um livro por parte de uma editora não significa necessariamente a aquisição dos direitos de edição. Mas a Machado de Assis Magazine é, sem nenhuma dúvida, um instrumento para que haja uma maior presença da voz brasileira nesse diálogo infindável que constitui a República Mundial das Letras.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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