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Os dados sobre leitura e políticas públicas – algumas reflexões
PublishNews, 10/04/2012
Os dados sobre leitura e políticas públicas

A divulgação da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em sua terceira edição, exige ainda que os pesquisadores interessados e os gestores de políticas públicas da área se debrucem sobre os dados para que estes sirvam como parâmetros de orientação. Não pretendo aqui esgotar esse assunto, nem de longe. Até porque a imersão na pesquisa é um processo demorado. O susto decorrente da divulgação de que houve retrocesso nos índices de leitura entre 2007 e 2011 deve ser absorvido e compreendido.

As políticas públicas, em qualquer área – e a da leitura não é exceção – só amadurecem na medida em que se estendem e se consolidam no tempo e se aprofundam no conteúdo das ações.

A experiência brasileira no setor não é das melhores. As políticas públicas da área do livro e da leitura têm se caracterizado, na área do Ministério da Cultura, pela descontinuidade e pelo não aprofundamento das ações. Se considerarmos em perspectiva os últimos quinze anos, o que vimos foram ações espasmódicas durante o governo Fernando Henrique, com algumas tentativas de expansão do sistema de bibliotecas públicas, um esforço relativamente mais continuado no governo Lula e a expectativa atual de que as ações da área se consolidem e se aprofundem.

No governo FHC houve um aumento do número de bibliotecas públicas, e algumas iniciativas de aquisição de acervos para as existentes. A tensão entre a Secretaria do Livro e da Leitura, que existiu durante parte daquele governo, e a Biblioteca Nacional foi um entrave constante no desenvolvimento dos programas. Houve também uma alternância nos métodos de execução. A primeira grande aquisição de acervos para bibliotecas públicas foi feita com o repasse direto dos recursos para os municípios, que adquiriram os livros que desejavam. A avaliação da Secretaria do Livro e Leitura foi a de que os recursos foram mal gastos, com a compra de livros de qualidade inferior. A ansiedade da aquisição dos “bons livros” prevaleceu sobre a atenção às demandas locais e voltou-se ao velho sistema de definição dos acervos por comissões de especialistas, comprados centralizadamente e enviados para as bibliotecas beneficiadas. Perdeu-se a oportunidade de aprofundar os mecanismos de empoderamento local na definição dos acervos.

Essa visão centralizadora foi mantida no governo Lula. A Secretaria do Livro e da Leitura foi extinta logo nos primeiros meses da gestão Gilberto Gil. Na verdade, a secretaria só existiu enquanto o poeta Wally Salomão estava vivo. Com sua morte, poucos meses depois de empossado, a secretaria foi extinta.

Mais tarde, em função do Ano Ibero-americano da Leitura, em 2005, uma mobilização dos atores e interessados no livro e na leitura levou à constituição do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). O PNLL foi um avanço, embora com severas limitações institucionais. Foi criada uma Secretaria Executiva que deveria fazer a ponte entre o MinC e o MEC, mas com pouquíssimos instrumentos institucionais para tornar efetiva essa coordenação. Foi, entretanto, um avanço. Mais tarde foi criada uma Diretoria do Livro e Leitura no MinC, no âmbito da Secretaria de Articulação Institucional.

No governo Dilma, a balança pendeu para o fortalecimento da estrutura da Fundação Biblioteca Nacional, com a perspectiva de que esta venha a se tornar uma versão mais moderna e eficiente do antigo Instituto Nacional do Livro. Veremos.

A verdade é que a FBN tem se esforçado de modo significativo para consolidar os programas de bibliotecas públicas, e conseguiu reverter a história dos acervos centralizados, destinando os recursos diretamente para as bibliotecas cadastradas (através de um sistema de cartão operado pelo Banco do Brasil) para que estas adquiram os livros cadastrados no Portal aberto na BN para esse fim. É um processo em curso, monitorado de perto para que soluções possam ser incorporadas para os eventuais problemas surgidos na execução de um programa muito complexo, que prevê mais adiante a escolha de livros a ser feita de forma mais ampla pelas bibliotecas e seus usuários.

Por outro lado, o Ministério da Educação há anos desenvolve os programas de aquisição de livros para as escolas. O que era apenas o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) hoje se ramifica em várias vertentes, com ações para o ensino médio, EJA, educação especial, biblioteca na escola, educação indígena. O importante a destacar aqui é que, ao contrário do MinC, o programa do MEC revela uma consistência e uma continuidade notáveis, o que vem permitindo seu aperfeiçoamento, processo iniciado ainda no governo FHC e continuado e ampliado no governo Lula, e que prossegue.

Então temos esse contraste da descontinuidade e fragilidade institucional (e de recursos) dos programas do MinC, e continuidade e aperfeiçoamento (e recursos cada vez maiores) dos programas do MEC.

Isso deve ser levado em conta na análise dos dados.

Observamos nos dados da Retratos da Leitura no Brasil que a faixa etária a partir dos dezoito anos, ou seja, os que já saíram do ensino fundamental, aumenta progressivamente seus índices de compra de livros. Obviamente não se pode considerar esse dado de modo absoluto. Mas o fato de que a massa de leitores aparentemente diminuiu entre 2007 e 2011 e o número proporcional de compradores aumentou é um indicador de que as ações empreendidas dentro da escola, continuada e sistematicamente, vão tendo efeito, ainda que não seja espetacular.

O aumento dos compradores de livros e a realidade de que as bibliotecas são apenas o terceiro (bibliotecas escolares) e o sexto (bibliotecas públicas) meio de acesso aos livros é que complementa a análise. Apesar dos esforços, é evidente e conhecido por todos que trabalham na área, que a situação do conjunto das bibliotecas públicas e escolares brasileiras é catastrófica. A pesquisa feita em 2009, encomendada pelo MinC, apenas quantificou o que se sabe. As bibliotecas não têm acervo decente, vivem de doações, não abrem nos finais de semana. Da minoria que as frequenta, a maioria é de estudantes do ensino fundamental, que lá vão para as “pesquisas” em enciclopédias e outras obras de referência, e praticamente ali não encontram nada muito mais que do isso. Os adultos que entram pela primeira vez não voltam, simplesmente porque não encontram o que querem ler.

A leitura tem um papel imenso no imaginário dos brasileiros. Isso é normal em uma sociedade letrada como a nossa. Mas as questões do direito ao acesso ao livro ainda estão em aberto.

Disso tudo, resta uma lição, que é a da luta pela continuidade e aperfeiçoamento das políticas públicas relacionadas com o livro e a leitura. Não apenas o MinC e o MEC são responsáveis por isso. Mais de uma dezena de ministérios ou órgãos governamentais têm a ver com ações relacionadas com a leitura, do Ministério da Agricultura (a Embrapa difunde conhecimento através de livros) ao Itamaraty, passando por tantos outros. As ações continuam descoordenadas e para que haja uma política de Estado eficaz é imprescindível que todas as ações de governo sejam coordenadas, tanto horizontalmente, entre os diferentes órgãos, quanto verticalmente, com a participação dos Estados e dos Municípios nesse processo. O envolvimento da sociedade civil, que têm aumentado nos últimos anos, é fator importante não apenas na execução de projetos, mas também como mecanismo de pressão para a continuidade e aperfeiçoamento das ações governamentais.

Se isso for conseguido, se essa dinâmica de continuidade e aperfeiçoamento for aprofundada, acredito que os próximos Retratos da Leitura irão apresentar uma imagem cada vez melhor do Brasil.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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