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Leis e legisladores – o que interessa ao livro
PublishNews, 06/03/2012
Leis e legisladores – o que interessa ao livro

Semana passada a coluna tratou do projeto de lei do deputado Eliene Lima (PP-MT), que pretende resolver os problemas do meio ambiente com o passe de mágica de imprimir os livros didáticos com papel reciclado. E tentei mostrar como alguns projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional ou são inúteis ou estão destinados a “não pegar”.

Entretanto, a quantidade de projetos e iniciativas parlamentares em tramitação no Congresso Nacional vai além disso. Época houve em que profissionalmente eu acompanhava o que era apresentado nas duas casas do Congresso, procurando detectar eventuais problemas para a liberdade de expressão, e particularmente a liberdade de publicação. Isso quando trabalhava na Câmara Brasileira do Livro (CBL), até o começo do ano 2003. De lá para cá, apenas ocasionalmente vou ao site da Câmara e do Senado para ver o que há de novo, mas não acompanho com regularidade o assunto. Isso é tarefa para as associações profissionais.

Na época, o que mais me impressionava era as recorrentes tentativas de modificação dos artigos 150 e 220 da Constituição Federal. O art. 150 é o que trata da imunidade fiscal para o livro e para o papel usado em sua fabricação. O art. 220 é o que trata da liberdade de expressão. Impressionante como volta e meia apareciam tentativas de restringir de alguma maneira os efeitos desses dois artigos.

A imunidade fiscal, por exemplo, era alvo contumaz de parlamentares da chamada “bancada evangélica”, querendo que a imunidade fiscal ficasse restrita aos “bons livros”, aos que defendessem os “bons costumes” e não atentassem contra este ou aquele ponto de moralismo que ofendia a pudicícia dos nobres deputados ou de seus constituintes. Felizmente, a totalidade desses projetos era decapitada na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça precisamente por conta do art. 220 da CF, o que garante a livre manifestação do pensamento. Caso fossem aceitas restrições a certos tipos de livros, modificando-se o art. 150, essa ação infringiria precisamente o art. 220.

A imunidade fiscal aos livros e ao papel tem uma longa história vinculada à liberdade de expressão. Na verdade, o dispositivo se baseia em duas perspectivas. A primeira é precisamente a de evitar que o Executivo, por medidas administrativas ou legais, impusesse restrições à confecção e circulação dos livros. Durante o Estado Novo, a exigência de mecanismos para-fiscais foi extensa e intensamente usada para controlar a importação e aquisição de papel por parte de editoras – de livros, de jornais e de revistas – que não rezassem pela cartilha varguista. Jorge Amado, o autor da emenda à Constituição de 1946 que estabeleceu a imunidade, baseou-se nessa experiência, então muito recente.

A segunda perspectiva por trás da imunidade fiscal é, efetivamente, a de estimular a circulação de livros e periódicos, imunizando-os contra a imposição de tributos por parte do Estado.

Como a memória é curta, sempre é bom lembrar: tivemos a imposição de mecanismos fiscais de restrição para a circulação de livros e periódicos há pouco mais de 70 anos.

Quanto ao artigo 220, as últimas tentativas de cerceá-lo vêm por conta de várias “pontas de lança”: o politicamente correto, o preconceito ideológico, a confusão entre manifestação de opinião e racismo e a confusão acerca do conceito de privacidade. Este último é o dispositivo do Código Civil que vem impedindo a circulação de biografias, seja pelo interesse de biografados (como é o caso do Roberto Carlos), como de herdeiros, muitas vezes em busca de absurdas gratificações pecuniárias para “autorizar” que se trate da vida do papai, titio ou vovô.

Para evitar isso foi apresentado o projeto de lei, pelo então deputado Palocci (relatado pelo hoje Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso), que modifica o art. 20 do Código Civil.

Mas os projetos continuam proliferando. Sem ter feito pesquisa muito extensa, e indo apenas ao site da Câmara dos Deputados, detectei alguns projetos que mereceriam a atenção de editores, autores e também de outros segmentos da indústria cultural.

São projetos que variam do inútil e que “não pegam” aos que trazem um potencial de perigo para a liberdade de expressão.

Entre os inúteis, por exemplo, está o projeto do deputado Romero Rodrigues (PSDB/PR), que estabelece, genericamente, o direito dos professores ao acesso “a livros, materiais e eventos relevantes para o exercício profissional”. O nobre parlamentar, evidentemente, parece não ter ouvido falar em sistema de bibliotecas e expressa apenas uma declaração de vontade (boa vontade, admito). A deputada Janete Pietá (PT/SP) propõe emenda ao Plano Nacional de Educação para “garantir que as questões de gênero, étnico-raciais e relativas à orientação sexual estejam incluídas nos critérios utilizados pelo PNLD, PNLEM, Biblioteca da Escola, tanto para seleção como para a eliminação dos livros didáticos utilizados”. Coisa que já está estabelecida desde a aprovação das linhas gerais dos Parâmetros Curriculares Nacionais...

O ilustre deputado Antonio Roberto (PV/MG) apresenta projeto de lei no qual sugere (o verbo usado foi esse mesmo) que o MinC crie o Prêmio Nacional Jovem Escritor no âmbito do PNLL. O deputado José Airton (PT/CE) sai do livro para sugerir ao Ministério da Cultura a “inscrição da rapadura e sua técnica de fabricação” no livro de registro como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. O deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB) apresenta projeto para modificar a Lei do Livro para instituir “concursos regionais em todo território nacional visando a descoberta e incentivo de novos autores”. O que um parlamentar queria que fosse único, o outro quer que sejam vários. E viva os novos autores.

A deputada Sandra Rosado (PSB/RN) apresentou extenso projeto sobre os procedimentos para execução dos programas de aquisição de livros por parte do MEC, já objeto de extensas resoluções do FNDE e obviamente de competência do Executivo. O projeto da deputada foi apensado ao projeto do Senador Paulo Bauer (PSDB/SC), que trata marginalmente do mesmo assunto (mas já passou pelo Senado) e que pretende obrigar a impressão do Hino Nacional na contracapa dos livros.

Esses são os inúteis ou que “não pegam”.

Mas o deputado Carlos Souza (PP/AM) também “sugere” que o Ministério da Educação recolha o livro Por uma vida melhor, que é aquele acusado de “ensinar errado”, e que foi uma das mais recentes palhaçadas envolvendo imprensa e palpiteiros de calibre variado sobre o conteúdo pedagógico de um livro destinado ao EJA – Educação de Jovens Adultos. Ainda bem que Sua Excelência se limitou a “sugerir”...

Temos, entretanto, projetos que podem ser perigosos. O senador Augusto Botelho (sem partido/RR), apresentou projeto consolidando toda a legislação federal sobre a cultura, incluindo a Lei do Livro, a Lei Rouanet, as leis referentes ao cinema e ao audiovisual. Esse é um projeto que merece atenção detalhada, pois facilmente podem-se introduzir modificações muito substanciais em uma consolidação desse tipo. Eu li, mas não vou falar nada aqui sobre o projeto. As entidades da cultura que se mexam.

Vale uma última palavra sobre a tramitação da “Lei das Biografias”. O projeto do Palocci havia sido arquivado por não ter sido apreciado na legislatura em que foi apresentado. Foi reapresentado pelo deputado Newton Lima Neto, ex-reitor da UFSC e ex-prefeito de São Carlos, reconhecido como amigo do livro. Regimentalmente foi encaminhado às Comissões de Educação e Constituição, Justiça e Cidadania. Na primeira comissão já recebeu parecer favorável do deputado Emiliano José, que apresentou um substitutivo que, na minha consideração, melhora sua redação e seu alcance. O projeto aguarda o parecer na CCJC, que deve ser feito pelo deputado Alessandro Molon (PT/RJ).

Ora, esse projeto, caso receba parecer que não divirja do anterior, tem sua tramitação terminativa nas comissões, delas seguindo diretamente para o Senado. Ou seja, basta que o deputado Molon emita seu parecer concordando com o substitutivo do deputado Emiliano José para que o projeto seja aprovado na Câmara dos Deputados e siga para o Senado.

Se as entidades do livro e dos escritores tivessem um mínimo de bom senso estariam trabalhando junto ao deputado Molon para convencê-lo a proferir esse parecer. Em vez disso, numa espantosa demonstração de incapacidade de articulação entre as entidades, o Snel resolve fundar outra entidade com o objetivo de ingressar em uma ação junto ao STF, com a justificativa de que “seria mais rápido”.

Qualquer uma das várias outras entidades de editores e livreiros poderia, cooperativamente, ingressar com tal ação. Mas a incapacidade de articulação para ações conjuntas impede isso. Como, obviamente, está impedindo uma atuação positiva e eficaz para que o projeto de lei seja rapidamente aprovado na Câmara e tramite no Senado.

As entidades do livro, em suma, não acompanham – ao que se saiba – o que acontece no Legislativo, não atuam de modo a defender seus interesses, que são os da liberdade de expressão no seu sentido mais amplo, e depois acabam se lamentando por aí.

Durma-se com um barulho desses.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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