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Criador, autor e titular
PublishNews, 08/02/2012
Criador, autor e titular

O conceito de autor de uma obra literária, artística ou científica é o seguinte, segundo o artigo 11 da lei de direito autoral brasileira (lei 9.610/98):

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.

Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.

O parágrafo único desse artigo esclarece que a proteção concedida ao autor (a pessoa física que cria a obra) poderá aplicar-se às pessoas jurídicas, ou seja, mesmo que elas não tenham criado uma obra literária, artística ou científica, poderão ter a proteção da lei.

O conceito de autor pessoa física persiste na lei, mas o fato é que, mais e mais se veem criações coletivas, impessoais, no mercado artístico, inclusive no setor literário.

Existem na lei de direito autoral brasileira outras figuras jurídicas clássicas, como a das “obras coletivas”, das quais é exemplo simples e tradicional o jornal. Vários profissionais são contratados, agrupados e coordenados para produzir obra literária diária, que hoje se transformou em obra horária, ou em permanente construção. Aliás, a recente iniciativa do jornal O Globo, de publicar uma edição de fim de dia, reedita o jornal de edição vespertina, tão comum num passado recente.

A lei 9.610/98 assim trata as obras coletivas:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

VIII - obra:

h) coletiva - a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma;

...

Art. 17. É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas.

...

§ 2º Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.

§ 3º O contrato com o organizador especificará a contribuição do participante, o prazo para entrega ou realização, a remuneração e demais condições para sua execução.

Por ora, interessa o conceito de “titularidade” sobre o conjunto de obra coletiva, isto é, o parágrafo 2º do artigo 17 atribui ao organizador a titularidade dos direitos sobre a obra, muito embora não tenha sido ele o autor (pessoa física) do jornal. As contribuições individuais de vários profissionais, alguns identificados – colunistas, cartunistas, fotógrafos –, outros não, formam a obra coletiva, da qual é titular (embora não criador) o organizador.

Note-se que vários artistas transferem a titularidade dos direitos patrimoniais (os direitos morais não podem ser transferidos) para pessoas jurídicas, que mais facilmente podem exercer as atividades de gerenciamento e controle de suas obras. Assim, Gilberto Gil tem a Gegê Edições, os herdeiros de Tom Jobim têm a Jobim Music etc.

Transpondo-se o fenômeno para o meio literário, temos as tradicionais coletâneas de artigos, coleções de obras médicas, enciclopédias e outras.

Mas um fenômeno recente chama a atenção, por sua curiosa composição e público-alvo.

Constata-se que figuras de destaque no cenário nacional têm sido objeto de livros... sem autor, mas com organizador. O modo é mais ou menos o seguinte: a editora percebe o interesse de determinado grupo social por personagem notório (empresário de súbito sucesso, religioso de grande carisma, por exemplo), e produz uma obra em quatro etapas básicas.

Uma pessoa pesquisa a vida do “biografado”; outra pessoa, com base na pesquisa feita, entrevista o biografado; um terceiro concatena dados da pesquisa e entrevista, e um último alinhava e revê a obra com o biografado, produzindo texto final, geralmente de leitura fácil, visando a atingir público iniciante na leitura, embora bem posicionado na pirâmide econômica.

A editora acaba contratando curadores, que selecionam personagens, agrupam pessoas de interesses comuns, e ela se torna na verdade uma organizadora de obras coletivas.

Os títulos e as vendas mostram que esse tipo de obra tem mercado, geralmente não familiarizado com clássicos, mas que, num país com as notórias deficiências no hábito de leitura, já constitui um avanço.

Quando a TV Globo exibiu a bela minissérie “Os Maias” a editora do grupo republicou o livro, já em domínio público, que vendeu muitíssimo. Pelo teor da obra creio que os exemplares foram comprados mais pelo impulso dos capítulos televisivos, de elenco estelar, mas parecem ter ficado na prateleira dos lares, com a lombada impecável, já que a linguagem rebuscada de Eça (ainda) não é familiar ao grande público.

Já os novos livros, pelas revelações cotidianas de personagens contemporâneos, com destaque na mídia, têm repercutido, com discussões freqüente sobre seu conteúdo, nos mais variados segmentos sociais.

Seja movido pela curiosidade, seja pela notoriedade efêmera do biografado, ou do tema, o fenômeno agora constatado mostra que a indústria editorial está consolidando uma prática jurídica existente na lei, mas pouco utilizada, competindo com o “autor pessoa física”. Há quem torça o nariz para o conteúdo desses livros, mas o modelo está funcionado e ter livros lidos na estante já é um grande começo.

Se quiser comentar, escreva para gmapublish@gmail.com

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem pós-doutorado pela USP. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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