As escolas públicas do País vão receber em breve livros de referência e material didático sobre a história e a cultura da África e dos afrobrasileiros, preparados a partir da coleção História Geral da África, oito volumes organizados pela Unesco (obra que tem versão integral pela Editora Cortez em parceria com o órgão da ONU).
A iniciativa é do Ministério da Educação e o material está sendo preparado por professores da Universidade Federal de São Carlos, a partir da coleção da Unesco e tendo como referência uma lei de 2003, segundo a qual o conteúdo programático das escolas incluirá o “estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil”. Além dos livros de referência, o Ministério distribuirá também material específico para a educação infantil, de quatro a seis anos, e depois para o ensino fundamental e o médio.
Uma reportagem de Antonio Gonçalves Filho, no Caderno “Sabático” de O Estado de S.Paulo, trouxe há pouco uma ótima reportagem sobre este tema, junto à crítica de outros livros que também estão sendo lançados, entre os quais: Literatura e Afrodescendência no Brasil – Antologia Crítica (com 100 escritores a partir do século 18), quatro volumes organizados por Eduardo de Assis Duarte (Editora da UFMG); Com a Palavra, Luiz Gama, organizado por Ligia Fonseca Ferreira (Imesp); Dicionário Yorubá-Português, de José Beniste (Bertrand Brasil) – língua falada por 30 milhões de africanos – e Mão Afro-Brasileira (Imesp), de Emanoel Araújo.
São exemplos, entre muitos outros, da vitalidade da produção intelectual e editorial no campo dos estudos afrobrasileiros e de uma bem sucedida política do atual Ministério da Educação. A trajetória de Luiz Gama, escravo, depois advogado (libertou mais de 1.000 cativos) e abolicionista, é particularmente interessante; nas palavras da historiadora Lilia Moritz Schwarcz, “o exemplo de Gama já serviria de modelo. No entanto, a continuação da história é ainda mais comovente; exemplo não de passividade, mas de agência e protagonismo. O cativo aprende a ler no espaço da casa-grande, e se transforma com o tempo em advogado dos escravos. A trajetória e o destino se juntam para fazer desse personagem um exemplo, e desse exemplo uma alegoria” (“Sabático”, 15-10-2011).
Na mesma semana em que o “Sabático” publicou a reportagem, uma escola pública na cidade de São Paulo – a Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Guia Lopes, no bairro do Limão – teve seu muro pichado com dizeres nazistas e uma suástica, em reação a um projeto, implementado entre os alunos de quatro a seis anos, que valoriza a igualdade étnica e a cultura afrobrasileira.
A Emei Guia Lopes merece ser conhecida e reconhecida como exemplo pelo seu projeto educacional e não pela pichação intolerante. Agressões deste tipo – da mesma forma que a violência recorrente contra casais gays –, crimes de racismo e de intolerância, são reação ao avanço no campo dos valores e do comportamento na cidade de São Paulo.
Estes temas estavam em pauta em uma semana na qual voltei a visitar o Museu AfroBrasil, no Parque do Ibirapuera, meu museu preferido em São Paulo, pela exuberância do acervo e pela proposta museográfica que integra história, documentos e arte. O museu não faz nenhuma concessão ao modismo de espalhar engenhocas tecnológicas e procurar atrair o olhar dos visitantes, como se vivêssemos em um eterno shopping-center de apelos de consumo de objetos ou cultura.
O Museu AfroBrasil, criado e dirigido por Emanoel Araújo, é uma proposta ousada de apresentar a história e a cultura africana e afro-brasileira e, mais do que isso, uma proposta sobre como olhar a própria cultura brasileira. Araújo propõe uma chave de leitura do Brasil como nação, sugerindo que todas as etnias, culturas, religiões presentes no País, dos índios aos negros e europeus, são fundadores (e não estrangeiros) de uma cultura e um país chamado Brasil.
Longe do discurso do cadinho étnico singular e recusando toda ideia de essência ou pureza, Araújo propõe que olhemos para a cultura, para o Outro, e reconheçamos que somos um País de múltiplas identidades cheias de tradições e fissuras, de alegrias e dores, de tolerâncias e violências, de completudes e fragmentos, originais e cópias, de misturas, de índios-brasileiros, de ítalo-brasileiros, de afro-brasileiros, de boliviano-brasileiros e assim por diante. Uma identidade sempre hifenizada, na expressão do historiador Jeff Lesser, autor, entre outros, de A negociação da identidade nacional (Editora da Unesp).
A publicação de História Geral da África e de muitos outros títulos neste campo do conhecimento, a atividade pedagógica e a ação editorial do Ministério da Educação e a imperdível programação do Museu AfroBrasil, entre muitas outras, constituem iniciativas duradouras por meio das quais podemos esperar que as próximas notícias da Emei Guia Lopes sejam sempre as continuidades e as conquistas em seu projeto educacional.Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.
Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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