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A Literatura Brasileira no Mundo – Quem é quem?
PublishNews, 18/10/2011
A Literatura Brasileira no Mundo – Quem é quem?

Na semana passada dediquei todos os posts deste blog à Feira de Frankfurt – edição 1994 -, recuperando essa experiência, na qual tive o privilégio de trabalhar como um dos organizadores. Eventualmente voltarei a tratar da presença do Brasil em 1994, e certamente das preparações que estão sendo feitas para 2013. Desde ontem, entretanto, estou em Santigo de Compostela, na Galiza, Espanha, participando do III Encontro Internacional do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, do qual sou um dos curadores. Claudiney Ferreira, que conheço desde quando produzia o programa de rádio Certas Palavras, é o Gerente do Núcleo Diálogos do Itaú Cultural, onde está o Conexões, cuja curadoria compartilho com o professor João Cezar de Castro Rocha.

Anualmente fazemos um encontro do Conexões, reunindo pesquisadores, professores e tradutores da literatura brasileira e escritores, para conversar sobre a difusão da nossa literatura no mundo. Este ano, graças ao empenho de Carmen Villarino Pardo, professora de literatura na Universidade de Santiago de Compostela, e com o patrocínio do Consello da Cultura Galega e de outras instituições, fazemos o encontro aqui na cidade dos peregrinos.

Duas coisas já há muito entraram no meu radar. A primeira, mais antiga, é a da origem comum do galego e do português, com o galaico-português como tronco comum. A segunda, é a da importância, na Espanha pós-Franco, do renascimento do sentimento nacionalista das comunidades autônomas: catalães, valencianos, bascos, galegos (Castilha não entra nessa história porque os madrilenos se consideram, pura e simplesmente, como “donos” da hispanidade).

Depois de algumas visitas a Barcelona, já sabia da força do nacionalismo catalão. Meu amigo Vicente Gomez Roig, valenciano (que vivem em disputa com os catalães), conta a piada de que a Catalunha é a comunidade espanhola onde existem mais ateus: “é difícil para os catalães acreditarem em um ser superior a um catalão”, diz ele. O nacionalismo basco é, por sua vez, muito conhecido por conta da ETA.

Não conhecia de perto, entretanto, o nacionalismo galego. Uma boa parte dos imigrantes portugueses que emigraram ao Brasil, desde o final do século XIX, são minhotos. O Minho é a Galícia portuguesa que não se reconhece como tal. Os galegos, por sua vez, contribuíram com grandes contingentes de emigrantes para a América hispano-falante. O nacionalismo galego vive uma situação complicada, da qual certamente não pretendo dar conta aqui. Basta dizer que os dirigentes da Comunidade Autonômica são do PP – Partido Popular, da direita, que procura negar essa diversidade cultural e “nacional” espanhola. José Maria Aznar, ex-premiê espanhol, pretendeu colocar na Constituição artigos “unitaristas”, inclusive com a declaração da predominância da igreja católica na constituição da “hispanidade”. Franco era galego (Salazar também), e reprimiu ferozmente as autonomias espanholas. Assim, o nacionalismo galego se vê meio pendurado na brocha na arena política, imprensado entre alguns grupos reduzidíssimos de ultranacionalistas “de esquerda” (aspas de propósito), e o governo autonômico de direita.

Na área cultural, entretanto, existem movimentos interessantes. Um desses aspectos é, na área acadêmica, um aprofundamento das ligações do galego com o português. Os galegos consideram que seu idioma não está apenas na origem do português, mas que o idioma na verdade é o galaico-português, que têm três vertentes principais: o galego, o português de Portugal e o português do Brasil. Ou, como diriam outros, o galego, o português e o brasileiro. Tanto assim que a Comunidade Galega solicitou seu ingresso na Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, como observador.

Posso afirmar que compreendo melhor o galego falado do que o português lisboeta. É impressionante. O galego tem uma sonoridade, um tratamento das vogais, principalmente, que nos soa com maior familiaridade que o lisboeta. A ortografia sim, tem diferenças significativas. Diz Carmen Villarino que isso se deve a que a consolidação ortográfica já se deu no contexto da influência do castelhano, e daí o “estranhamento” que notamos na ortografia. Compreensível para nós, depois do choque inicial mas, ainda assim, inteligível.

O curioso é que o revés aparentemente não é verdadeiro. Os galegos, aparentemente, não sentem tanta dificuldade na leitura do português (pelo menos os galegos mais cultos). Tanto assim que está sendo lançada hoje, aqui em Santiago, uma antologia de contos brasileiros organizada pela Carmen Villarino e pelo Luiz Ruffato, com a ortografia original brasileira. Posso imaginar que isso se deva a um fenômeno paralelo ao que meu professor de linguística na Universidad de San Marcos, Alfredo Torero, usava para explicara facilidade que os brasileiros tinham para falar espanhol, e principalmente entender o espanhol (castelhano) tanto falado quanto o escrito. Dizia o Torero que isso se devia ao fato de que existiam, no português, todos os fonemas do castelhano, enquanto neste estavam ausente as nasais (ão, ões, etc.) Bem, o galego tem todos os fonemas do português (ou do galaico-português, como dizem), de modo que essas dificuldades fonéticas para a compreensão do português e do brasileiro estão ausentes. Apesar das diferenças ortográficas, os fonemas estão ali.

O presidente do Consello da Cultura Galega, em seu discurso de abertura do Conexões, usou uma expressão deliciosa: na Galiza – disse ele – está o manancial original dessa grande corrente que desceu por Portugal até o Algarve e dali atravessou os mares e foi parar no Brasil e nos países africanos de língua portuguesa. Os galegos querem ler mais literatura brasileira, na sua versão original, não em “traduções” que consideram desnecessárias. E temos que encontrar meios para resolver os problemas logísticos. Tanto quanto precisamos encontrar o modo de resolver os problemas de distribuição de livros no Brasil, onde levar livros para o interior do Amazonas talvez seja mais difícil que leva-los para a Galiza. Porque, como assinalou Carlos Quiroga, romancista galego, os livros brasileiros poderiam chegar aqui através do “print on demand”, com impressões digitais em pequenas tiragens. O que não é solução possível para ser aplicada em Manicoré, o município amazonense no rio Madeira onde meu pai nasceu, mas viável em Santiago de Compostela.

O III Encontro Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira está com transmissões ao vivo pela internet, em streaming gerado pelo site do Consello da Cultura Galega. A programação pode ser consultada ali ou no site do Conexões.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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