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Existe um editor de literatura para crianças e jovens? (Parte final)
PublishNews, 04/07/2011
Existe um editor de literatura para crianças e jovens? (Parte final)

Tenho a sensação que ainda há muita gente que talvez se espante com tanta argumentação em torno de uma edição específica para a produção de livros de literatura para crianças e jovens. E esse espanto não seria, de modo algum, marca de um possível atraso em relação a países com uma história muito maior do que a nossa.

Explico: há poucas semanas recebi uma carta aberta de um dos mais representativos editores franceses de literatura para crianças e jovens, Alain Serres, dono e responsável pelo incrível catálogo da Rue Du Monde. Dirigindo-se “aos críticos literários e a todos aqueles que ainda não tiveram a sorte de encontrar um bom livro infantil”, Serres argumenta contra aqueles que “ainda consideram os livros para crianças belos envelopes sedutoramente coloridos mas sem nenhum conteúdo”. Com este lúcido exemplo, bastante chocante vindo de onde vem, em pleno século 21, fica claro que muitas das questões por trás da edição de livros para crianças e jovens – e por que não da literatura infantil e juvenil? – ainda são tabus que exigem trabalho perseverante para se instaurarem plenamente.

Entretanto, é muito interessante perceber que paralelamente a essa resistência por parte de alguns setores em reconhecer um estatuto próprio para a literatura para crianças e jovens, ela tem não só se profissionalizado cada vez mais, e o Brasil é um exemplo disso, como tem se destacado no mercado nacional e internacional. As razões são muitas e diversas e não vem ao caso apontá-las, mas certamente são terreno fértil para futuras colunas.

A questão aqui é se existe ou não um editor de literatura para crianças e jovens. Falei disso nas duas últimas colunas e agora podemos fechar o círculo. O que existe de fato é um universo próprio, como existe o universo da edição de obras científicas, de livros de autoajuda, de colecionáveis, de ensaística, de didáticos etc. Um bom editor pode transitar por todas essas áreas? Em princípio poderia, porém com a segmentação e crescimento do mercado, uma especialização e submersão em uma área especifica profissionaliza e aprimora o desempenho. Aliás, o que não é nenhuma vantagem específica do mundo editorial.

Nesse sentido, um editor de literatura para crianças e jovens tem um universo próprio de referências e preocupações, que devem estar por trás de suas decisões e orientá-las. Concepção da infância, concepção de leitura, reflexão sobre a criança e o jovem, conhecimento sobre os gêneros mais próximos dos leitores e das temáticas em evidência são alguns pontos a serem levados em consideração.

Uma das chaves fundamentais do trabalho é precisamente perceber as implicações do fato de não existir uma via direta entre quem faz o livro e o leitor. Essa relação, até uma determinada idade, pressupõe sempre um intermediário, seja ele um membro da família, um professor ou outro mediador. Essa distância entre os envolvidos (autor, ilustrador, editor etc) e o leitor final implica cuidados redobrados e demarca a fronteira, muitas vezes tênue, entre a literatura para crianças e jovens e a sua mera instrumentalização.

O mercado abre para um vasto leque de possibilidades, onde nem sempre a melhor aposta é a de maior sucesso, e onde a concessão de muitos editores é um meio de sobrevivência. Isto é fato. A possibilidade de ter autonomia para decidir e implementar um projeto pautado antes de tudo na qualidade e no cuidado editoriais pressupõe condições cada vez mais estreitas na atual configuração dos grandes grupos . Todavia, a progressiva profissionalização, aliada à existência de editoras de ponta, competitivas internacionalmente, assim como o reconhecimento pela crítica dos projetos mais ousados e criteriosos, tem elevado o patamar de referência da produção da literatura para crianças e jovens nacional nos últimos anos.

Nesse cenário, alguns pré-requisitos e critérios tendem a se generalizar e a se constituir no pano de fundo que orienta este segmento editorial. Esses procedimentos, esse fazer editorial construído ao longo de várias décadas, tem sim as suas características e os seus segredos. Um dos aspectos que salta aos olhos é sem dúvida o cuidado e a seriedade do trabalho com a literatura infantil e juvenil a que se chegou no Brasil. A percepção desta qualidade, em comparação com a produção de outros países, me fez levantar a hipótese de que de certa maneira as exigências governamentais acabaram se estendendo também para a literatura, daí o cuidado redobrado que tem caracterizado uma parcela cada vez mais significativa da produção.

Tratar o texto e a imagem literariamente, isto é, artisticamente, pensar cada livro como um produto específico, cuidar das etapas editoriais com os mesmos critérios e rigor que orientam as melhores edições adultas, apostar na inteligência do leitor usando linguagens desafiadoras sem restrições a priori, estabelecer um pacto permanente com o leitor, promover ações que formem os mediadores responsáveis pela ponte do livro com o leitor e ganhar mercado são os grandes desafios do editor. Principalmente por não podemos perder de vista que, enquanto mediadores, escolhem o que vai ser publicado ou não. Nós editores julgamos, escolhemos, censuramos de acordo com a nossa visão estética e de mundo e convertendo com muita facilidade nossos preconceitos e juízos em critérios objetivos de seleção.

Equilibrar e articular subjetividade e objetividade me parece ser a via mais eficiente para fugir de uma visão banalizadora e ingênua do produto e do leitor. Mas, para além desses desafios mais filosóficos, alguns mais concretos preenchem o dia a dia de editores de literatura para crianças e jovens. Alguém já definiu o editor como aquele fazedor invisível que fica atrás da orquestra, nos bastidores, gerenciando conflitos e tensões, amarrando todas as pontas para que todo o resto funcione. Pensando no livro infantil e juvenil, são muitos os fios soltos: texto, projeto gráfico, ilustrações, adequação etc. Tempos e focos diferentes sobre o trabalho carregam essas relações de tensão, o velho e eterno problema, por exemplo, entre texto e arte. Quem nunca passou por ele? Quem tem razão? Na maioria das vezes todos têm razão. E é por isso que cabe ao editor planejar, administrar e acompanhar tempos e fluxos de modo a evitar conflitos maiores entre os dois pólos. Dar o peso correspondente a cada um no devido momento e reger a orquestra.

Mas o papel de gerenciador não se limita à esfera editorial, sem dúvida a mais amena. Cabe a ele também estabelecer a ponte entre cultura e mercado, direcionar as ações de marketing e do comercial, pois ninguém melhor que o editor para pensar na melhor forma de se promover cada livro. Levar em conta as possibilidades que o mercado oferece pressupõe um editor com visão global do seu negócio. A inversão de papéis que se impôs em nome do mercado esvaziou o papel do editor e reduziu seu papel ao de mero gerenciador de processos.

Recuperar a centralidade do editor no negócio do livro é não apenas uma tendência, mas a garantia da qualidade no mundo da edição. Recuperá-la no negócio da literatura para crianças e jovens é a condição de chegar mais perto dos jovens leitores para surpreendê-los, aproximarmos de suas expectativas, de suas ilusões, de seus dilemas e de seus dramas. É nessa identificação que reside o sucesso de um bom livro. Não há fórmula, nem modelo; talvez sensibilidade, gosto pessoal, equipe de primeira e uma grande dose de oportunidade possam explicar a formação de alguns catálogos primorosos.

E os catálogos espelham a cara do editor. Neles, na sua construção, o editor mostra seu gosto, sua coerência, suas concepções, suas apostas e os leitores que tem em mente. Nisso reside a marca de toda editora. E na mesma proporção é possível dimensionar e avaliar o verdadeiro compromisso com a qualidade e a efetiva vocação literária de cada casa editorial, de acordo com o peso, relevância e papel atribuídos às equipes editoriais e ao trabalho de edição.

O segredo do sucesso está nas mãos dos editores, não se enganem. Então, além de cuidar de todo o processo de produção, ainda tenho que pensar em tudo mais? E ter muito argumento para tudo? Claro. E para isso, só uma formação de primeira e a certeza de que o leitor merece um produto de ponta. E não só mais um livro na prateleira.

Em tempo: a francesa Michele Petit, um dos maiores nomes da reflexão sobre a leitura dos dias de hoje, vem para o Conversas ao Pé da Página de amanhã, dia 5 de julho. O tema é “Leituras em tempo de crise” e o encontro acontece no SESC Pinheiros. De lá, segue para a Flip, onde participará da mesa Zé Kleber: A escrita e o território no dia 7 de julho. Imperdível!

Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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