“Muita confusão sobre a figura do livro, passada, presente e futura, resulta do novo fundo em que hoje se encontram tanto o livro quanto o leitor. O livro impresso é um pacote definitivo que pode codificar velhos tempos e ser remetido a destinações remotas. Mais que a informação eletrônica, ele se submete aos caprichos do usuário. Pode ser lido e relido em grandes ou pequenas porções, mas sempre lembra ao usuário os padrões da precisão e da atenção. Diversamente do rádio e do fonógrafo, o livro não proporciona um ambiente de informação que se funde com os cenários sociais e o diálogo.”
Troquemos ambiente de informação, cenários sociais e diálogo por redes sociais e interatividade – apenas como exercício – e estas afirmações de Marshall McLuhan, de 1972, em uma conferência intitulada “O futuro do livro”, ganham ainda mais interesse em relação às discussões e dilemas atuais sobre o futuro do livro. A leitura desta conferência permite retomar a discussão anterior às transformações que levaram à criação da internet, no começo dos anos 90, quando a direção da mudança ainda não estava clara.
“Qual deve ser a nova natureza e forma do livro em face do novo ambiente eletrônico? Qual será o efeito da biblioteca em micropontos sobre os livros passados, presentes e futuros? Quando milhões de volumes podem ser comprimidos num espaço do tamanho de uma caixa de fósforos, já não é apenas o livro, mas toda a biblioteca que se torna portátil”, indagava ele em Londres (as citações são de McLuhan por McLuhan. Entrevistas e conferências inéditas do profeta da globalização, Ediouro, 2005).
O curioso é que McLuhan estava interessado no potencial da xerografia e de outras formas de reprografia. “Tomando-se o livro no sentido mais mundano de um pacote impresso, ele pode ter tantas encarnações quantas forem as novas tecnologias concebidas para encaderná-lo”, dizia. McLuhan imaginava um serviço conjugado cérebro-telefone-copiadora que montaria livros segundo temas selecionados pelo solicitante, tornando cada leitor um editor: “Tomando apenas a xerografia, encontramos o mundo do livro confrontado com uma auto-imagem que é completamente revolucionária. A era da tecnologia elétrica é o inverso da era do processo industrial e mecânico, pois está basicamente mais preocupada com o processo do que com o produto, mais com os efeitos do que com o conteúdo”.
Nascido em 1911 no Canadá, Marshall McLuhan ficou célebre por desenvolver a teoria de que o “o meio é a mensagem”, segundo a qual o meio de comunicação define a mensagem, o “conteúdo”, e o “meio” altera a perspectiva das pessoas que o utilizam. Se antes a tecnologia era um prolongamento mecânico do corpo e das habilidades físicas, como, por exemplo, na invenção da roda, na “era eletrônica” a tecnologia passou a estabelecer uma ligação direta com o cérebro. Para ele, a imprensa e sua difusão haviam reduzido os outros sentidos humanos em favorecimento do visual, o que teria sido revertido pela televisão nos anos 50, quando o homem voltou a ser “tribal” ou pré-letrado. Por isso a ideia de que vivíamos em uma “aldeia global”, integrando as pessoas e mobilizando os seus sentidos.
A aldeia global de McLuhan era também uma utopia sem guerras, nacionalismo e preconceito, já que envolveria todos os homens de forma solidária e cooperativa. “O futuro do livro levanta a questão de saber se os homens podem programar sua vida social em coletividade de acordo com um padrão civilizado qualquer por meios outros que não o do livro impresso”, questionou ele.
Ao final da conferência, em 1972, McLuhan indagou: “Será que não podemos esperar que o livro da era eletrônica transforme essa perspectiva [investigação psicológica interior pelo autor e, ao mesmo tempo, criação de um público leitor] em padrões de energia e associação humana coletivas? O videocassete oferece ao leitor e ao autor uma oportunidade imediata de entabular uma relação totalmente nova. O leitor terá a oportunidade de compartilhar o processo criativo de um novo modo, visto que o livro está prestes a passar por desenvolvimentos inteiramente novos”.
Marshall McLuhan faleceu em 1980 sem conhecer a internet e o livro digital. Com as novas tecnologias, mais do que com a televisão, seu projeto de “aldeia global” parece ter se efetivado, mas combinando as possibilidades da utopia cooperativa com a persistência das guerras e do preconceito. Quanto ao livro, continuemos a sonhar “que o livro da era eletrônica transforme essa perspectiva em padrões de energia e associação humana coletivas”.
Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.
Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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