Mario Hélio foi escolhido curador literário da próxima edição da Fliporto. Não é para menos. Mario Helio é um humanista, ligado à cultura e à literatura. À produção nordestina, brasileira, e o que ela tem de melhor. Jornalista cultural, editor de revista, antropólogo. Ainda sem convites ou programação confirmada, já se sabe que a homenagem do ano será a João Cabral de Melo Neto. Já que curador, ele responde a algumas perguntas do PublishNews sobre a literatura ibérica que a Fliporto quer encontrar.
É possível encontrar uma unidade na literatura ibérica?
A da cultura. Essa é a unidade possível. No mais, a diversidade e a heterogeneidade de autores tão diversos quanto os países, as etnias que os formam e os momentos históricos potencializam, na verdade, não propriamente uma literatura ibérica, mas literaturas ibéricas, singulares na sua pluralidade.
Além do mais, tudo dependerá do que se entende por ibérico, que, no caso de alguns autores é uma simples condição geográfica, noutros ideológica, e ainda noutros o interesse de encontrar origens e futuros comuns, para além da língua. Há aqueles autores que dirão como pessoa "minha pátria é a língua portuguesa"; outros que inventarão novas picarescas e novelas exemplares, e sem o saber, dialogarão com autores muito antigos.
Quem são os pilares?
Muitos já ouviram falar no Quaderna personagem de Ariano Suassuna, mas quantos foram à matriz da "Cuaderna via", do medievo espanhol? Muitos leram "O rio", poema narrativo e antilírico de Joao Cabral, mas quantos prestaram atenção na epígrafe - é de um certo Gonzalo de Berceo, espanhol que dá nome a cidade e era mestre na tal Cuaderna via. A península ibérica é imensa e rica. Não há somente as tais "dos españas" do conhecido verso de Antonio Machado, há pelo menos 17, e cada uma com suas cores, seus sabores, seus sons, que vão do árabe-andaluz ao galego quase português, do castelhano legítimo ao basco, ao catalão, ao riojano. Mas o ibérico vai ainda mais rico que isso, basta ver Portugal e a influência de Eça até hoje, de Cesário no nosso Augusto dos Anjos, do culto eterno a Camões, e sem falar em Pessoa que é toda uma literatura, e ibérica e não ibérica, como assim dialeticamente também os daqui destoutro lado do Atlântico.
A Fliporto costuma dar destaque à produção nordestina. Qual o lugar do autor nordestino no contexto ibérico?
O lugar que o autor nordestino brasileiro ocupa no contexto ibérico é o mais significativo. Com poetas como João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira com grande influência nos círculos cultos da Espanha, de Portugal e de nossos vizinhos de continente.
Em que medida são ibéricos? Ora, como entender o primeiro Bandeira sem o "Portugal meu avozinho" (verso de um poema seu), de Eugenio de Castro, de Antonio Nobre, de Camões, que ele tinha orgulho de saber versos de cor de que não se lembrava nem o velho Machado. O sofrimento lírico, a saudade e até uma cantiga de amigo Bandeira escreveu utilizando o português arcaico. O caso de João Cabral é ainda mais explícito. Desde o último Andando Sevilha - contraponto a Sevilha Andando - até Morte e Vida Severina, Paisagem com Figuras, Crime na Calle Relator, está aí a Espanha tanto da rima indireta até a preferência pelos termos concretos, e, claro, a temática, que vai de Miró ao flamenco, dos toureiros aos rios.