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Sebos e saldos – biscoito fino
PublishNews, 03/09/2013
Sebos e saldos – biscoito fino

Um dos segmentos menos conhecidos do mercado editorial e livreiro é o de sebos, e o de venda de saldos e pontas de estoque. O segmento que desfruta de um certo prestígio é o dos sebos de livros raros ou antiquários. Neles se vendem exemplares que podem chegar a centenas de milhares de dólares. O Dr. José Mindlin era um grande conhecedor dos melhores sebos de raros do mundo – ele mesmo chegou a possuir um – pois eram uma das fontes de sua fantástica biblioteca.

O menos prestigiado é o de livros de saldos, ou ponta de estoques. E há um grande equívoco quanto a isso. As pessoas geralmente associam saldos a “encalhes”. O livro não vendeu, encalhou, portanto foi acabar nas pontas de estoque. Ledo engano.

A formação dos saldos é um processo normal no mercado editorial. Se uma edição de 3.000 exemplares vendeu, por exemplo, 2.500 exemplares, isso não justifica uma reedição, tampouco é sinal de fracasso. Mas sobram 500 cópias no depósito das editoras. Da mesma maneira, um livro que mais tarde pode vir até ser considerado “cult”, ou um livro de leitura difícil, pode ter uma edição de apenas mil exemplares e deixar quinhentos no depósito. E também acontece o caso do editor errar a mão: um livro está vendendo bem e ele manda rodar uma nova tiragem alta, e o título para de vender. Aí podem sobrar no depósito milhares de exemplares. E é o que acontece.

A expansão das vendas com direito à devolução nos EUA e das consignações no Brasil intensificou a produção desses estoques não vendidos. Nos EUA o panorama é claro. As devoluções geram um retorno de aproximadamente 30% do vendido, na média. Quando a editora investe em uma grande tiragem e as vendas fracassam, isso vira um problema enorme. Aqui também, a difusão das consignações leva a uma situação de penumbra: os livros saem do estoque das editoras, mas saber com certeza o quanto foi vendido é bem complicado.

Na raiz disso está o aumento em progressão geométrica do número de títulos publicados. Esses livros não encontram espaço de exposição nas livrarias, ou então permanecem expostos (no jargão do mercado, não apenas arrumados em espinha nas estantes, mas com a capa visível em vitrines ou locais de exposição privilegiados) por muito pouco tempo. O que gerou, inclusive, guerra de descontos, quando as livrarias – particularmente as com maior poder de fogo – exigiam condições melhores para expor os lançamentos em lugar de destaque. É praticamente uma venda de espaço, e o livreiro perde o papel de curador de seu estoque, virando um “agente imobiliário” dos lugares privilegiados da loja.

O fato é que se gera, continuadamente, uma quantidade de livros não vendidos que passa a existir em um limbo: estão no catálogo das editoras, mas não são encontrados nas livrarias.

As vendas online permitiram uma extensão da “vida útil” dos livros. Essa, entretanto, é prejudicada pelo desprezo com que editores e livreiros brasileiros tratam os metadados. O resultado é que só se acha o que já se conhece. A discoverability (ainda não achei uma boa palavra para esse termo) é algo totalmente desconhecido por aqui.

Esses estoques são progressivamente desvalorizados. A Lei do Livro já prevê inclusive mecanismos contábeis para isso. Os livros têm um preço de custo e esperava-se que fossem vendidos a um preço “x”, o que se frustrou, e isso gera a possibilidade de venda a preços menores.

A consequência final disso tudo é a existência de uma grande quantidade de livros, de todos os tipos, adormecidos nos depósitos das editoras. Menosprezar esse conjunto, taxando-o simplesmente como “encalhe” revela simplesmente um desconhecimento de como funciona o mercado livreiro e editorial, aqui e alhures.

O Programa do Livro Popular da FBN foi uma tentativa de recolocar esses livros de volta à circulação, mas acabou frustrada e interrompida sem avaliação completa (pelo menos publicada). Mas não vou falar disso aqui. Ficará para outro momento.

Agora, a percepção de que existe esse tesouro escondido (que, como toda mina de minérios preciosos, certamente tem sua ganga) aparece por outra via em uma iniciativa que se prepara. Trata-se da “Livraria Coletiva”, uma iniciativa de Lorran Feital.

Nas palavras do próprio idealizador:

“A ideia surgiu enquanto eu passeava por uma das feirinhas de livros usados que têm aqui no Rio. Sou frequentador assíduo dessas feiras, e é frequente encontrar livros novos (embalados, muitas vezes) por preços bem baixos (R$5,00 é bem comum).

Como estudei muito essa questão do encalhe de livros, e também sou admirador e defensor da Teoria da Cauda Longa, tive certeza de que era esse o ponto em que eu deveria focar. Afinal, o "mundo" de encalhes é praticamente um nicho a parte no mercado editorial.

Sendo assim, resolvi encontrar uma forma de trazer a tona esses encalhes, com preços no nível desses praticados nas feirinhas. Não só para tentar desafogar as editoras, mas para, quem sabe, criar mercado para esses livros também.

E essa ideia convergiu com outra que já rondava meus pensamentos também: a de criar uma livraria no formato de vendas coletivas.

Quanto ao uso de TI, vale citar novamente a Teoria da Cauda Longa.

Temos várias livrarias online no Brasil, mas ouso afirmar que nenhuma delas utiliza com maestria as possibilidades que a Cauda Longa oferece. São, na verdade, uma reprodução online das livrarias físicas, com os espaços nobres loteados a quem vende mais. Mas aí vem a grande pergunta: vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?

Minha ideia com a Livraria Coletiva é explorar a Cauda Longa à exaustão. A venda coletiva é apenas o pontapé inicial, e chamariz da plataforma (seja para editoras, seja para leitores). Quero ir, aos poucos, me tornando uma livraria virtual, abraçando toda a gama de livros possível e trabalhar as preferências e gostos do usuário. Da mesma forma, quero criar uma base de inteligência onde se possa localizar um livro por características aleatórias, como por exemplo um livro de capa azul que falava de amizades, ou que tinha uma personagem chamada Alice, que você leu faz tempo.

Quanto à negociação com as editoras, esse é sempre um passo complicado... Cheguei a negociar com editoras que no final me disseram "infelizmente não podemos arcar com problemas de envio e logística reversa". Peraí! Se é custo, tem que estar no preço. E não adianta conversar. Algumas são cabeças duríssimas. Outras nem respondem. Mas sou persistente. Acho que tenho uma ferramenta muito boa nas mãos e que, com um pouquinho de força de vontade e alguns ajustes, pode ser bom para as editoras também. Estou no jogo pelos leitores”

Questionei o Lorran especificamente sobre dois aspectos: a tal da “descobribilidade” e a questão do frete. A primeira decorre da minha preocupação com a questão dos metadados e o desleixo com que isso é tratado pelas editoras. A segunda, por haver feito pesquisa sobre a questão dos fretes cobrados pelo correio, por ocasião do Programa do Livro Popular. Levar livros para os cafundós do Brasil não é fácil.

A resposta:

“Tenho mecanismo de cálculo de frete pelo CEP, mas pode encarecer bastante. Preciso fazer alguns testes. O sistema da Amazon (clientes Prime tem isenção de frete – FL) é interessante. Poderia cair bem, preciso conhecer melhor. Acho que seria necessário ter uma base grande de compradores para obter alguma média. Acho que a solução, por enquanto, seria cobrar o frete.

Quanto aos metadados, entendo a dificuldade de se realizar um trabalho deste porte. O que pretendo fazer é criar um mecanismo do tipo wiki. Coletivo. Por exemplo: um usuário compra um livro e é instigado a responder “Qual o nome do personagem principal?” ou “Qual o assunto principal?”. De acordo com essa inteligência coletiva, creio que conseguiríamos catalogar de forma mais eficiente e mais rápida”.

As dimensões continentais do país, as dificuldades de infraestrutura e da própria incompreensão do que gera os tais “encalhes” são enormes. Um exemplo bem sucedido de uso de ferramentas de TI para ofertar livros – no caso, em sebos – foi o desenvolvido pela Estante Virtual. Os mecanismos de busca ali não são sofisticados, mas funcionam bem e rapidamente.

Essas duas iniciativas – a Estante Virtual, já consolidada – e a da Livraria Coletiva do Lorran Feital são exemplos de iniciativas que pretendem romper com a barreira da inércia e abrir caminhos para que os nossos “biscoitos finos” não mofem nos depósitos e possam completar o “encontro feliz” – como diz Gabriel Zaid – entre o livro e seu leitor.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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