
No meio editorial, um assunto que nunca sai de moda são os prêmios literários. Para muito além do questionamento se aumentam ou não as vendas dos exemplares, eles trazem prestígio e abrem cortinas — nesse mercado altamente competitivo pelo volume de livros publicados diariamente — para escritoras e escritores que sonham em viver do que batucam em silêncio nos seus teclados.
Há prêmios para todos os tipos de escritores: cronistas, romancistas, de fantasia, infantojuvenil, romance, poesia. É um pouco impressionante acompanhar o movimento de tanta premiação. Aqui no PublishNews, noticiamos quase toda semana sobre um concurso que prorroga as inscrições aqui, um troféu que já descobriu o nome de quem o levará para casa acolá. Ficam, então, as perguntas pairando no ar: para que serve tanto prêmio? O que ganha quem vence um prêmio literário?
O escritor Henrique Rodrigues, criador do Prêmio Caminhos da Literatura, realizado desde 2024 em parceria com a Dublinense, e curador do Prêmio Pallas de Literatura, que está caminhando para a sua terceira edição, além de jurado de alguns prêmios bojudos, prefere não dividi-los entre pequenos, médios e grandes, mas encaixá-los em faixas distintas — e até complementares — porque existe leitor para toda literatura que se faz.
“Os tipo Oscar, que revelam os melhores do ano publicados (Jabuti, São Paulo, Oceanos), os que existem para revelar livros ou autores inéditos (Kindle, Caminhos, Pallas) e o terceiro, que são esses vários que oferecem impressão do livro, dinheiro, plaquinha e outras coisas que, depois de um tempo, não mudaram em nada a carreira de quem vence", desmistifica e avisa logo que prefere aqueles que jogam luz na boa produção de autores ainda desconhecidos.
Grandiosos no que se propõem a fazer
Outra que vê grandiosidade em prêmios de todo tamanho é a curadora Bárbara Cortesi, conselheira de cultura e atuante na defesa da literatura pela sociedade civil. Bárbara é organizadora de dois prêmios no Rio de Janeiro: Rio de Contos e Carioca de Contos. O primeiro existe desde 2020 e realizou três edições nos primeiros anos. Tem a promessa de voltar em 2026, após um breve intervalo.
E o Prêmio Carioca de Contos, nascido neste 2025, ano de Rio Capital Mundial do Livro, oferece uma oportunidade específica para quem escreve e vive na cidade. “Esses prêmios são grandiosos no que se propõem a fazer: investir na formação de autores e autoras, respeitando a individualidade de cada um, mas com um caráter coletivo, voltado para o amadurecimento literário”, enumera Bárbara. O desejo é, portanto, revelar novas vozes literárias e fortalecer a cena.

“Após o lançamento de textos selecionados nas nossas antologias, muitos autores seguem produzindo e desenvolvendo projetos literários, lançando romances, crônicas e outros trabalhos muito interessantes. É bonito ver como cada trajetória se consolida de maneira própria, ainda que de forma independente”, diz Bárbara, apontando dois jovens que passaram pelo Rio de Contos, Kíssila Muzy e Rafael Simeão.
Kíssila ganhou um prêmio nacional de crônicas pela Editora Abril, com publicação na revista Placar, e Rafael publicou, em 2024, o seu livro pela Alfaguara, Quando chega a nossa vez acaba. “Ao citá-los, não queremos dar a impressão de que são casos isolados: boa parte dos mais de 70 autores selecionados até hoje segue evoluindo, lançando trabalhos de qualidade e construindo sua trajetória literária de maneira consistente", garante Bárbara.
De um lado estão os que fomentam a escrita e, de outro, os que agarram com as duas mãos a oportunidade de escrever. Vencedor de mais de 170 prêmios em 13 anos de incontáveis inscrições, o escritor paraense Airton Souza fez bem mais do que espiar por detrás das cortinas ao ganhar o Prêmio Sesc de Literatura. Ele entrou no salão principal pela porta da frente.
Airton conta que o impulso para se colocar nas disputas era um só — e assim se mantém até hoje: ter leitores. “Fui levado pela intuição unicamente de ser lido, e não propriamente de vencer os prêmios. Aos poucos, fui vendo os meus textos serem premiados, o que aumentou o interesse pelas literaturas que eu estava produzindo”, recorda. Dos seus 50 títulos impressos em gráficas, uma parte veio através dos prêmios, sobretudo os livros de poesia.
O primeiro que ele lembra ter recebido chegou em 2012 pelo livro de poemas inéditos Ser não sendo, vencedor do Prêmio Dalcídio Jurandir, um dos mais importantes do Pará. O que mais agitou o entorno ainda foi, sem dúvida, o romance Outono de carne estranha, que saiu pela Editora Record como galardão do Prêmio Sesc e, por pouco, não mordeu outro reconhecimento badalado na área: o Prêmio Oceanos, um dos mais importantes de língua portuguesa, do qual foi finalista, em 2024.
Airton revela que os prêmios despertaram nele um senso de responsabilidade único para com a escrita. “A cada prêmio vencido era como se eu rompesse lentamente com aquele jovem que começou a escrever apenas movido pela intuição e, de alguma maneira, cada um deles me encorajou a continuar”, revela. Coragem mesmo foi batalhar por um lugar ao sol com este romance, que fala sobre o amor de dois garimpeiros e já foi alvo de muita discriminação, mas soprou o nome do autor mais alto.
Finalista do Prêmio Argos, com foco na produção de literatura fantástica original em português, a autora Lis Villas Boas já havia ficado entre os finalistas do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica com o conto As sete mortes de uma sereia, e sido vencedora de outros dois prêmios modestos: um de microcontos de horror, organizado pelo evento Show de Horrores da Suma, e o Prêmio Littera, na categoria Melhor Ficção Científica, feito por votação popular em uma rede social, com o seu conto Marea infinitus. Lis começou a publicar por volta de 2020, em inglês, histórias curtas de fantasia e ficção científica em revistas estrangeiras.
"Precisei lidar com a novidade de gente que eu não conhecia me lendo e comentando minhas histórias – e em inglês, ainda por cima! E aqui no Brasil foi assim também, cada nova história foi chegando em lugares e conquistando espaços que eu não previa. Garras ser finalista do Argos é surpreendente e uma imensa alegria”, comemora Lis. Garras, publicado pela Editora Rocco em 2024, caiu nas graças da casa editorial, que lançou em 2025 a continuação da história, Feras, independente da leitura do primeiro volume.
Oceanógrafa por formação, a carioca Lis reforça o coro dos escritores que não perceberam aumento significativo de seguidores, convites para mesas literárias ou encomendas após conquistar honrarias. Ainda assim, acredita que os prêmios trazem reconhecimento entre os seus pares — muitos deles escritores vistos, com uma ou outra obra, na sua mesinha de cabeceira.
Importância de botar um troféu na estante é relativa

Outro escritor cético em relação ao universo dos prêmios é o pernambucano Walther Moreira Santos, vencedor do Prêmio Kindle de Literatura 2025 com O ano do Nirvana, publicado pela José Olympio. Avaliado por autores que admira, como Andréa Del Fuego, Cidinha da Silva e João Silvério Trevisan, o romance chega após uma longa trajetória. O primeiro prêmio despontou no horizonte quando ele tinha 15 anos, oferecido pela Academia Pernambucana de Letras. O mais recente veio agora, aos 46.
"Comecei a publicar muito cedo, no século passado. A Clarice Lispector, que viveu aqui em Recife até os 18 anos, também já aos 15 anos enviava contos para a publicação no Diário de Pernambuco. Acho que essa precocidade tem a ver com ser pernambucano, nós somos um povo inquieto", pondera ele, ufanista, que tem obra em sua 29ª edição e este recente. “Será que isso tem a ver com prêmio?”, questiona.
“Tenho muitas dúvidas. Mas veja, a Hilda Hilst, com quem troquei cartas, venceu os prestigiosos APCA e Jabuti, dentre outros, e não aconteceu nada; tenho colegas que venceram o Jabuti e não venderam sequer mil exemplares, daí se conclui que a importância dos prêmios literários no Brasil é bem relativa", analisa, mencionando uma conversa com Milton Hatoum. O imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) lhe disse: “O maior prêmio para um escritor é ter grandes leitores”.
Walther escutou o conselho na final do Prêmio São Paulo de 2009, quando estava sentado ao lado de José Saramago (1922-2010), Carola Saavedra, Maria Esther Maciel, Lívia Garcia-Rosa e Moacyr Scliar (1937-2011). Concorria, naquele ano, com o romance O ciclista (Autêntica), que veio a ganhar o Prêmio José Mindlin de 2008.
“Imagine que coisa incrível, eu fã de toda essa gente, e todo mundo estava lendo todo mundo. Dessa época eu tenho um e-mail do Scliar, que leu meu O ciclista no voo de volta para Porto Alegre. Guardo como joia. Então, no final das contas é isto: o maior prêmio é ser lido. E o que abre portas é continuar escrevendo", vaticina. Em 2017, ele ainda saiu vencedor dos prêmios Cepe Nacional de Literatura e Academia Pernambucana de Letras pelo livro Arquiteturas de vento frio.
Autoras premiadas
O romance Água de maré rendeu a tatiana nascimento (ela gosta de assinar assim, com minúsculas) dois prêmios, no período de um ano: Pallas de Literatura, em 2024, e Mix Literário / Prêmio Coelho de Prata — Livro Queer de 2025, em novembro último. O primeiro busca revelar novos escritores negros e o segundo é o maior de literatura LGBTQIAPN+ do país.
“Vencer o Prêmio Pallas ampliou a visibilidade de minha produção literária para outros públicos, uma vez que a editora está bem inserida e se comunica bastante com públicos negros", analisa a brasiliense, que em 2026 completa a primeira década como escritora publicada. Água de maré é o seu 18º livro e já foi reimpresso, pelo menos, uma vez, desde o lançamento, o que significa que está, sim, sendo levado para casa pelos leitores.
Henrique Rodrigues vibra quando fala das vencedoras dos concursos nos quais está envolvido. Após tatiana, a médica e escritora Márcia Moura ganhou a segunda edição do Prêmio Pallas e as duas edições do Caminhos da Literatura foram conquistadas por mulheres: Izabella Cristo e Paula Novais.
“Com o livro impresso, Izabella tem sido convidada para muitos eventos e a obra vem recebendo muitas críticas positivas. Só na última Flip ela participou de cinco mesas. Já a Paula esteve em Recife, na Fliporto, esse ano, e está convidada para o Flipoços 2026, quando estará com o livro nas mãos. Fiquei feliz por serem duas autoras", afirma o carioca, esbarrando em outro assunto que rendeu pano para a manga nas rodas de literatura esse ano: a quantidade de autores homens agraciados com prêmios a despeito de tantas mulheres produzindo grandes livros.
Henrique acredita na resistência que pontua o trabalho de quem promove o livro e a leitura, muitas vezes com a sensação de nadar contra a maré. “Mas se a gente que está no front desistir, a literatura vai acabar se resumindo a campanhas de marketing de empresas que fingem se importar, best-sellers internacionais, subprodutos de coaches picaretas e outras coisas. Precisamos de mais prêmios sérios e comprometidos com autores e leitores. Temos muita gente boa que precisa de oportunidade na cena literária brasileira, e continuaremos abrindo esses caminhos", promete.






