Segundo os organizadores, “Reis representa o mundo antigo dentro do mundo moderno, e a sua modernidade está inscrita no carácter paradoxal da sua existência”. É esse duplo movimento — o clássico e o contemporâneo — que o volume busca recuperar, oferecendo ao leitor brasileiro uma leitura integral e inédita de um dos heterônimos mais complexos do autor português.
Além das famosas odes e o prefácio aos poemas de Alberto Caeiro, a obra apresenta textos filosóficos e críticos, com paratextos explicativos e imagens dos manuscritos originais. A edição segue rigoroso trabalho de crítica textual, apresentando os versos na ortografia original de Pessoa, “um aspecto único e altamente fascinante dos textos ricardianos”, afirmam Pizarro e Uribe.
Para os editores, essa escolha é fundamental: “Pessoa, já defensor de uma ortografia etimológica, procura arcaizar ainda mais a escrita de Reis, ampliando os ecos das línguas grega e latina no repertório português”. Essa arcaização faz sentido para um autor que traduzia Safo e Aristóteles, e dialogava com Horácio e com a tradição greco-latina.
“Ler Reis nesta Obra completa é ler um Reis mais bem decifrado, mais completo e mais diacrônico”, dizem os organizadores, que ordenaram os textos cronologicamente, com atenção especial ao ritmo, à métrica e à estrutura poética.
Ricardo Reis: o heterônimo de Pessoa
Primeiro heterônimo concebido por Fernando Pessoa, Ricardo Reis teria “nascido” em 1887, um ano antes do próprio autor. Criado em 1914, surgiu como um personagem literário dotado de biografia e pensamento próprios: um médico monárquico, pagão, semi-helenista, defensor da impessoalidade lírica e da serenidade diante do destino.
Entre suas múltiplas faces estão o tradutor de Safo e Milton, o ensaísta interessado em religião e ciência e o crítico do “christismo”. Em todos, sobrevive o poeta da aceitação calma e racional da vida — aquele que, como escreveu em “Vivem em nós innumeros”, reconhece a pluralidade que habitava o próprio Pessoa.
Sobre os organizadores
Jerónimo Pizarro é professor, tradutor e crítico, responsável por grande parte das novas edições de Pessoa desde 2006. Titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Universidade dos Andes, na Colômbia, e vencedor do Prêmio Eduardo Lourenço (2013), dirige a Coleção Pessoa da Tinta-da-China e é coeditor da revista Pessoa Plural.
Jorge Uribe é professor titular da Universidade EAFIT, em Medellín, doutor em teoria da literatura pela Universidade de Lisboa e pesquisador de pós-doutorado pela UFMG e pela USP. É membro do projeto Estranhar Pessoa, sediado na Universidade Nova de Lisboa, e um dos editores da plataforma pessoadigital.pt.
A Tinta-da-China Brasil é uma editora independente, sediada em São Paulo e gerida desde 2022 pela Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos. Dedicada à difusão da cultura do livro, a casa mantém o catálogo português e promove o diálogo entre as literaturas de língua portuguesa.`
