
A revista traz ainda outros dois textos concebidos originalmente como conferências, de Judith Butler e de Ailton Krenak. Um das vozes mais influentes no debate sobre gênero e suas implicações políticas e filosóficas, Judith Butler (1956) professora de literatura comparada na Universidade Berkeley e autora de mais de 20 livros, caminha por um trilho pouco frequentado por ela no texto A democracia e o futuro das humanidades, apresentado em dezembro de 2024 na Coreia do Sul. Ela parte do desencanto demonstrado por jovens em relação ao futuro, visto como algo vazio de perspectivas, para defender a construção de uma imaginação coletiva que possa assegurar o estatuto e o valor igualitários de nossas vidas.
Já o ensaio Pisar suavemente na Terra, do escritor e ambientalista Ailton Krenak, uma das principais lideranças da causa indígena no país, é baseado na conferência realizada em 25 de novembro de 2024 na Fundação Casa de Rui Barbosa, que homenageou o autor de Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras) no ciclo “Memória, coração do futuro”. Ainda na questão do ambientalismo, o antropólogo e professor Fábio Zuker discorre no texto Carbofascismo sobre a ligação de regimes autoritários com a destruição sistemática do meio ambiente.
Um dos destaques desta edição é o texto Sobre gostar de mulheres, da norte-americana Andrea Long Chu, crítica da New York Magazine, em que escreve sobre literatura e política. Publicado originalmente na n+1, o ensaio autobiográfico, em que conta como ela, uma mulher trans, começou a se interessar por meninas sem identificar ainda o desejo de ser uma delas, catapultou a autora para a fama – é o segundo mais lido em 20 anos da revista. “A verdade é que eu nunca fui capaz de saber a diferença entre gostar de mulheres e querer ser uma delas. Durante anos, o primeiro desejo manteve o segundo dentro da boca, como uma cápsula perigosa demais para ser engolida", escreve a autora premiada.
A poeta, ensaísta e dramaturga canadense Anne Carson, autora de mais de 20 livros, cinco deles publicados no Brasil, participa desta edição com o ensaio Lições sobre a história da escrita celeste. Trata-se de um texto singular, uma conferência escrita pelo céu. “No começo eu escrevia só para mim, e nada mais existia. Nos milênios não computados anteriores ao big bang, quando eu não passava de um rebuliço de atmosferas e intensificações não gravitacionais inexplicáveis, antes da criação das galáxias, das cerejeiras e do pensamento racional, antes da criação da criação, eu tomava notas", escreve ela/céu, no prefácio.
Ainda nesta edição, a revista publica Primórdios de uma linguagem das bichas, em que a escritora e ativista Amara Moira analisa os primeiros registros oficiais de expressões usadas ou atribuídas a homossexuais no Brasil. Participante do Festival serrote deste ano. Moira é autora do romance Neca (Companhia das Letras), escrito em Pajubá, linguagem usada para comunicação na comunidade LGBTQIA+.
Dois críticos com vasta e consagrada produção integram o rol de autores da serrote #50. O norte-americano Alex Ross, colaborador da New Yorker na área de música clássica, apresenta o ensaio O que é ruído?. Do canadense Hugh Kenner, especialista em literatura modernista, a revista destaca o clássico Beckett, comediante do impasse, terceiro capítulo de Flaubert, Joyce and Beckett – The Stoic Comedians, inédito em português.
A capa deste número comemorativo é da ilustradora paulistana Veridiana Scarpelli, responsável pelos tradicionais anúncios da revista. Uma seleção deles abre a publicação, trazendo o símbolo da revista em contextos inusitados – pode ser a erupção de um vulcão, a haste de cogumelos ou o contorno de uma falésia.
A serrote #50 publica ainda um ensaio visual do artista carioca Osvaldo Carvalho. Aproveitando o esquadrinhamento original da tela Público alvo, com 11 cenas que remetem à violência policial em favelas, a revista exibe a obra em uma sequência de páginas. Também presentes nesta edição, trabalhos de Carmela Gross; Fernanda Gomes; Iran do Espírito Santo; do artista Yanomami Sheroanawe Hakihiiwe; do grupo Dada Fidget Toy Orchestra, criado pelos artistas visuais Cadu e Adriano Motta; da artista performática e cineasta norte-americana Vaginal Davis; e da portuguesa Cecilia Costa.
Serviço:
Lançamento da serrote #50 na Flip, com Juliana Borges, Luiz Antonio Simas e Evandro Cruz Silva
Data: 1º de agosto (sexta-feira), às 19h30
Local: Casa de Cultura de Paraty (Rua Dona Geralda 194 — Paraty / RJ)