
As discussões sobre sustentabilidade estão tomando rumos diferentes do que apenas a preocupação com o meio ambiente (sem esquecer esse aspecto): integridade das informações e o combate contra a desinformação e a propaganda falsa apareceram como tópicos nas mesas sobre o tema, de acordo com o Publishers' Weekly.
Mary E. Glenn, da UN Publications (braço editorial da ONU), alertou em um painel que “o aumento da desinformação na mídia, especialmente nas redes sociais, é um desafio, pois a sustentabilidade depende de uma realidade compartilhada”. Ela provocou os editores a “assumirem a responsabilidade pela checagem de fatos e pela precisão” e a “manterem os mais altos padrões editoriais”, referindo-se aos Princípios Globais das Nações Unidas para a Integridade da Informação como um marco para reconstruir a verdade no discurso público.
O Sustainability Summit demonstrou como o setor editorial continua enfrentando múltiplos desafios de sustentabilidade para além das questões ambientais. Rachel Martin, da Elsevier, observou que “atualmente, o que estamos vendo é uma grande resistência política e econômica à ação climática. Governos e empresas estão abandonando seus compromissos”.
A presidente da Associação Internacional de Editores (IPA), Gvantsa Jobava, encerrou a sessão enfatizando a responsabilidade da indústria editorial em atuar como agente de mudança positiva. “O setor editorial é uma indústria muito poderosa. Só precisamos usá-la corretamente”, disse Jobava. “Não publicamos livros apenas por negócios. Nossa ambição é promover mudanças, espalhar educação, alfabetização e pensamento crítico”.
Painel “Quadrinhos Latinoamericanos Hoje” na Feira de Bolonha discute representatividade e intercâmbio entre países da região
Na terça-feira (1º), a Feira sediou um painel sobre quadrinhos na América Latina, com os editores Bebel Abreu (Bebel Books, Brasil), Juan Pablo Fajardo (Piedra Tijera Papel, Colômbia) e Javier Hildebrandt (Hotel de las Ideas, Argentina). Com mediação do jornalista Bruno Molinero, que cobre o setor de livros infantis para a Folha de S.Paulo, eles conversaram sobre os desafios de editar histórias ilustradas na região para uma plateia lotada no Content Café, um dos principais palcos do evento.
Molinero começou perguntando sobre o papel dos quadrinhos no momento político das Américas (e do mundo), com o retorno de Trump e o recente fortalecimento da extrema direita em vários países do continente americano e na Europa. Bebel Abreu lembrou a fala de Zuckerberg enaltecendo a “energia masculina”, e apontou a coletânea de quadrinhos Boy dodói, com histórias reais e ilustradas sobre masculinidade tóxica, como uma das maneiras de enfrentar essa tendência. Editada pela Bebel Books, a obra tem o objetivo de acolher as vítimas de "homens adoecidos pelo patriarcado" e convidar à reflexão sobre comportamentos machistas, sobretudo em relações afetivas. “O humor e a ironia são ferramentas potentíssimas de comunicação e engajamento. E os quadrinhos – com sua soma de arte e texto – têm um grande poder de engajamento e provocam reflexão”, explica a editora.
Juan Pablo Fajardo completou afirmando que é possível usar os quadrinhos para trabalhar os traumas da América Latina, e registrar situações difíceis que aconteceram no continente, que tem uma longa história de opressão e colonização. “Quadrinhos são uma importante mídia de registro dessas dores e trazem essas questões para a discussão”, explicou.

Uma pergunta da plateia trouxe a crise econômica para a discussão. “Qual o impacto da alta do papel e da impressão na publicação de livros em geral e quadrinhos em específico, sabendo que geralmente as HQs são publicações coloridas e de grande formato?”
Javier Hildebrandt respondeu que "a Argentina está passando por um momento muito grave na economia, um problema anterior ao Milei e que segue se agravando, mas estamos aqui tentando fazer o nosso melhor. A gente tenta fazer formatos mais econômicos para não deixar de viabilizar as publicações”.
Na Colômbia, a Piedra Tijera Papel abusa da criatividade para usar as matérias-primas de maneira alternativa, buscando resultados inusitados e irreverentes com materiais mais baratos. “É importante experimentar muito”, ressaltou.
Já Bebel Abreu explicou que no Brasil há bons resultados por meio de financiamentos coletivos. “Tem muitos quadrinistas bons em redes sociais e que formam comunidades, e com esse apoio conseguem financiar seus projetos”. A coletânea Boy dodói, por exemplo, foi viabilizada por um financiamento no Catarse que teve quase 1,5 mil apoiadores e bateu 150% da meta inicial.
A editora falou também da importância de programas de apoio à tradução, como o da Biblioteca Nacional/Itamaraty, e do programa Brasil em Quadrinhos, e como essas iniciativas ajudam a levar os quadrinhos brasileiros para fora do país. Além disso, prêmios que financiam novas edições (ainda que estejam longe de serem suficientes para a alta demanda) também ajudam muito, como o PROAC de SP e o prêmio Carolina Maria de Jesus. A graphic novel Só com a gente (Bebel Books), de Helô D’Angelo, foi o único quadrinho vencedor do Carolina Maria de Jesus 2023, que premiou obras inéditas de autoria feminina.
Outros países também têm programas parecidos, como o da Biblioteca Nacional da Colômbia, que está viabilizando a edição brasileira de Três horizontes, escrita por Lina Flórez G. e Pablo Pérez e publicada originalmente pela Cohete Cómics.
Representatividade na Itália
Promover um painel sobre quadrinhos latinoamericanos na Feira de Bolonha tem uma importância histórica, pontuou o jornalista e mediador Bruno Molinero. “Registrar essas três editoras latino-americanas falando de quadrinhos aqui é muito significativo, porque este é um espaço de destaque em uma feira de imenso prestígio e imensa história num país como a Itália. É estético. A nossa foto aqui é importante”.
Bebel Abreu destacou o quanto latino-americanos têm em comum: “Nos encontramos tanto nas nossas dores quanto na nossa força”, disse. Por exemplo, Três horizontes, que retrata a vida de três mulheres de Medellín, será publicado pela Bebel Books na Bienal de Quadrinhos de Curitiba, em setembro. Ao ler a história, Bebel percebeu o quanto “a gente, enquanto mulheres brasileiras, se reconhece nas histórias das mulheres colombianas”, com quem compartilhamos heranças de um passado colonial, escravocrata e patriarcal, cujas consequências permanecem latentes até hoje.
Juan Pablo Fajardo completou: “Apesar de estarem pensados para o mundo, esse painel faz com que nós estejamos muito mais próximos de nós mesmos. Temos a oportunidade de conversar e ver o que estamos fazendo, o que é fundamental para que aconteçam coisas novas entre nós”.
Para além da regionalidade, os painelistas mencionaram também a importância de haver um espaço dedicado aos quadrinhos nesta grande feira de livros ilustrados. “A feira é muito conhecida pela ilustração, e ter os quadrinhos aqui é uma questão de bibliodiversidade”, explicou o jornalista Bruno Molinero. “É muito bonito ver o Comics Corner, com tanta gente vendo quadrinhos, fazendo quadrinhos circularem, e ver quadrinhos sendo discutidos nos painéis. É difícil ver isso em feiras de literatura, em especial de literatura infanto-juvenil. Tá bonito!”
Os três editores participam da BCBF a convite da Italian Trade Agency (ITA).
Colaborou Lívia Aguiar, em uma parceria da Bebel Books com o PublishNews.






