
Quando me formei em Psicologia, já entendia que a escrita era uma ferramenta terapêutica poderosa para regular emoções. Mas foi somente anos depois, ao fundar a Editora Toma Aí Um Poema, que compreendi algo ainda mais profundo: as palavras não apenas libertam pensamentos — elas libertam futuros.
Escrever é dialogar com nossas próprias inquietações. Refletimos sobre um dia difícil, um amor que machuca ou uma injustiça que nos consome. Embora a escrita seja um ato solitário, nunca estamos sozinhos. Estamos na companhia de nossas palavras, que se tornam palpites sobre o que sentimos e desejamos. Ainda assim, o papel não faz perguntas, não oferece um olhar analítico nem uma nova perspectiva. É por isso que, às vezes, precisamos de um olhar externo para transformar o que escrevemos que não é a gente mesmo. O leitor talvez seja, afinal, uma metáfora para o analista: alguém que empresta sua escuta e interpretação, ajudando-nos a enxergar além do que conseguimos sozinhos — e que, ao fazê-lo, também se transforma.
Nos cinco anos em que venho editando livros, aprendi que a maioria das pessoas escreve movida por um desejo de cura. Seja para processar a dor de um amor perdido, refletir sobre as injustiças do mundo ou lidar com as complexidades do próprio ser, a escrita oferece acolhimento e transformação. A literatura não é apenas um caminho para entender a nós mesmos; é também uma ferramenta para nos compreender no mundo, como parte de uma sociedade e de um coletivo.
Mas, se há algo que a Psicologia me ensinou, é que a cura, no sentido absoluto, é uma utopia. O sofrimento não desaparece — ele se desloca, muda de forma, encontra novos espaços. Talvez seja exatamente por isso que precisamos escrever: para nos mover junto com ele, para transformar a dor em potência criativa — e não destrutiva. Escrever não precisa ser sobre encontrar respostas definitivas. Pode ser sobre abrir caminhos, dar o primeiro passo, enxergar qualquer possibilidade, ainda que remota — um sopro de esperança.
Um livro carrega, em suas páginas, a capacidade de abrir mentes e libertar o que está aprisionado: os sonhos individuais e coletivos. Quando damos voz a palavras antes silenciadas, criamos espaços de pertencimento e transformamos o imaginário coletivo. Livros são ferramentas de emancipação social porque permitem que pessoas marginalizadas não apenas existam, mas também sejam ouvidas e reconhecidas. E, quando alguém se enxerga no mundo, torna-se capaz de transformá-lo.
A mobilidade social, muitas vezes vista como algo distante e inalcançável, encontra nas palavras um catalisador poderoso. Publicar um livro é uma declaração de existência. Para muitas autoras e autores da editora, o ato de escrever e ser publicado representa uma ruptura com ciclos de exclusão. Uma mulher negra, um jovem periférico, uma pessoa LGBTQIA+: quando suas vozes encontram espaço, elas abrem caminhos para que outros também possam se imaginar nesse futuro.
Na Toma Aí Um Poema, tenho a alegria de ver isso acontecer com frequência. Publicamos autores que estão estreando na literatura, muitas vezes rompendo barreiras que pareciam intransponíveis. Já vi autores negros e periféricos escreverem um livro e ganharem destaque na mídia, como no Fantástico (parabéns, Lucas Luciano!). O impacto, no entanto, não é apenas para quem escreve, mas também para quem lê. Poesias, contos, memórias: tudo isso nos transforma porque nos faz sentir, pensar e sonhar.
Por isso, quando digo que palavras liberam futuros, não estou falando apenas de utopias. Estou falando de transformações concretas que abrem possibilidades e de vidas que florescem, mesmo quando lhes disseram que não floresceriam.
Enquanto refletimos sobre saúde mental, pense no poder das palavras. Quando escrevemos, criamos futuros possíveis e, ao mesmo tempo, nos libertamos. Porque, no fim, é isso que as palavras fazem: elas libertam futuros. Precisamos continuar acreditando nelas, publicando, lendo, escrevendo e compartilhando. É assim que criamos um futuro onde todos possam existir mais perto da cura.
