
Muitas editoras já têm selos próprios responsáveis pela edição e publicação de títulos considerados clássicos. As novas edições buscam apresentar aspectos de "novidade" a textos já consagrados – embora o tratamento dos conteúdos não sejam exatamente uniformes entre as diferentes casas editoriais. Com públicos e diretrizes diversas, selos e editoras que publicam textos clássicos utilizam diferentes estratégias para inovar editorialmente nesses casos, além de promover a difusão de autores por vezes esquecidos e a produção de outros produtos culturais em torno de obras celebradas.

Amanda Orlando, editora do selo Biblioteca Azul, da editora Globo, acredita que o conteúdo desses títulos pode ser bastante acessível, e reforça que os clássicos são livros para todos. "A comédia humana, do Balzac, por exemplo, é um grande folhetim, que apresenta, em historietas, como a sociedade francesa do início do século XIX encarava as profundas mudanças de costumes que o país atravessava", diz.
Esses aspectos acabam servindo de modelo para autores contemporâneos. "Elena Ferrante é uma autora que possui várias camadas, mas seus romances também têm uma clara influência dos folhetins. Valter Hugo Mãe fala, em uma prosa poética belíssima, de temas universais, como família, solidão, amor, velhice e morte", exemplifica a editora. "Autores como Aldous Huxley, Ray Bradbury, e George Orwell seguem como best-sellers e possuem um grande público adolescente, fenômeno que se repete com a Sylvia Plath. Ou seja, a função dos editores e de todos que trabalham com a difusão da literatura é extinguir esse rótulo errôneo de que os clássicos são inacessíveis. O que ocorre é exatamente o oposto. Eles são, em grande parte, leituras extremamente prazerosas e fluidas", comenta.
A reedição de clássicos como produção de conhecimento

Pedro Vasquez, editor da Rocco, é o responsável pela publicação da obra de Clarice Lispector: a editora vem investindo em novas edições de títulos da autora, que contam com um box com os romances A hora da estrela, Água viva e Perto de um coração selvagem, além do lançamento individual do livro de contos A bela e a fera.
Ele ressalta que a importância dessas publicações vai além do capricho estético com as edições: "Os livros são plasticamente bonitos, mas o principal, notável na obra da Clarice, é a influência que ela tem sobre outros autores". O editor ressalta a capacidade de produção de conhecimento que reeditar uma obra como essa permite a partir de sua característica "viva", como classifica, por conta da capacidade que os textos e a figura da autora têm de produzir outros produtos culturais. Exemplos disso são o filme Lispectorante, exibido recentemente na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e o filme A paixão segundo GH, lançado em 2024.

No caso da Antofágica, editora criada em 2019 voltada exclusivamente para a publicação de títulos clássicos, diferentes contribuições ao conteúdo original também fazem parte do processo editorial. "Costumamos trazer três posfácios que podem se dividir em quantas categorias o livro pedir: um pesquisador especialista, ou um escritor contemporâneo cuja obra dialoga com o clássico, um cientista de outra área de conhecimento, jornalistas que mostrem como o clássico foi (re)interpretado em outras mídias", afirma Mayra Medeiros, representante de comunicação da casa. A editora afirma que esse processo é "a nossa maneira renovar, mas sempre com o texto integral, sem cortes". A tradução feita diretamente do idioma original é outro atributo das edições.
Outra dúvida sobre o processo de edição de clássicos é justamente o que classifica uma obra nesse sentido. Amanda Orlanda responde que "a consagração como clássico é apenas uma questão de tempo", e que a a escolha do selo Biblioteca Azul, em específico, por autores contemporâneos de perfis diferentes como o cubano Marcial Gala, Jhumpa Lahiri, Valter Hugo Mãe e Emanuela Anechoum "é feita pela qualidade da escrita, a relevância universal dos temas que eles abordam — ainda que mantenham os traços de suas respectivas culturas — e o apuro narrativo".
Como tornar clássicos atrativos para estudantes e jovens adultos
Os chamados livros clássicos voltaram para o centro do debate quando o influenciador e empresário Felipe Neto, atento às questões do mercado editorial brasileiro, questionou a exigência da leitura de livros "difíceis" nas escolas, citando a obra de Machado de Assis, constantemente cobrado no currículo escolar e em listas de vestibulares. A Panda Books, por exemplo, edita a Coleção de Clássicos da Língua Portuguesa, desenvolvida há cinco anos, voltada para estudantes e pessoas que estejam pleiteando uma vaga nas universidades brasileiras. A seleção de títulos é baseada nas listas dos principais vestibulares do país.
Nos títulos da coleção voltada para livros nacionais, a editora seleciona um especialista para funcionar como uma espécie de mediador entre o leitor e a obra. Ao longo das páginas, há notas de rodapé com explicações de vocabulário e também com explicações e contextualizações relevantes para a compreensão do enredo.
"O grande diferencial da nossa coleção é a maneira como entregamos o conteúdo ao leitor. Um visual atraente, com diversidade de ilustradores (em média, cada volume traz desenhos de 10 ilustradores, que oferecem olhares variados sobre a história e os personagens), e textos informativos que acompanham a narrativa em linguagem bem humorada e rica em conteúdo. A ideia é pegar o leitor pela mão e fazê-lo mergulhar nos clássicos de maneira mais leve, reconhecendo a beleza da nossa literatura", comenta Tatiana Fulas, editora da Panda Books.
Para a coleção Clássicos Internacionais, a editora realiza sua seleção de títulos considerando a obra mais importante de cada autor, cujo conteúdo seja atraente ao público jovem adulto. "Neste caso, contamos com a curadoria de Fernando Nuno e Silvana Salerno, dois grandes editores e escritores com vasta experiência na edição de clássicos.
A Antofágica, de acordo com Mayra Medeiros, foi idealizada pensando que esses livros mereciam "edições mais cuidadas (e aqui se pode pensar em outras palavras também, como “interessantes”, “chamativas”, “sedutoras”), sobretudo para a visão do público mais jovem". Segundo ela, esse tato com o público tem surtido resultados, por meio mensagens de leitores que ressignificaram a visão que tinham dos clássicos ou que passaram a ler esses títulos por conta da editora.
O 'luxo' em torno das edições de clássicos
Como destacado por Pedro Vasquez, da Rocco, a reedição de clássicos não é feita apenas com o objetivo de vender mais livros, mas de, por meio do estudo e composição editorial, contribuir para a produção de conhecimento em torno de uma obra e colaborar para o debate em torno dela. "Nas nossas edições, convidamos pessoas que estão extremamente envolvidas com a obra clariceana. Então os ensaios são de muito valor", afirma.
"Nossa diretriz é tornar o livro mais acessível possível, sem colocar em risco o apuro editorial", garante a editora da Globo, Amanda Orlando. Nesse sentido, ela explica o procedimento de dar ao leitor a opção entre duas edições, uma em brochura, com valor mais econômico, e outra com capa-dura ou que possua um conteúdo ou acabamento mais elaborado. "É curioso ver que muitos leitores apaixonados por esses autores acabam comprando ambas as versões para completar suas coleções", comenta, fato também observado em outras editoras.