
Marcela Fassy é graduada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e recebeu, em novembro, o Prêmio Caio Fernando de Abreu de 2024, categoria que faz parte do Festival MIX Brasil, evento voltado à cultura e público LGBTQIAPN+. Marcela é autora do livro Abafada, que tem como protagonista uma mulher bissexual que lida com os desafios de suas relações familiares e do luto – o livro vai ser publicado pela editora Reformatório. Ela é também autora das coletâneas de contos Oniros (Urutau) e Animais cinzentos (Viseu), e foi finalista do 4º Prêmio Internacional Pena de Ouro na categoria Conto.
Marcela Fassy respondeu a três perguntas do PublishNews.
– Na sua visão, qual é atualmente o principal desafio para a literatura queer no Brasil?
Os desafios para a literatura queer no Brasil são muitos, a começar pelo fato óbvio de que, para existir literatura queer, precisamos de autores queer, precisamos estar vivos e ter nossa dignidade assegurada. Atravessamos um cenário de retrocessos, de avanço global da extrema direita e de ameaças aos direitos da nossa comunidade. Esses dias, a Meta anunciou que vai permitir a associação entre a homossexualidade e as doenças mentais, algo característico das experiências históricas ligadas ao fascismo.
Então, o cenário é muito preocupante. Depois, temos a questão do mercado editorial e suas inúmeras restrições, os desafios para que sejamos lidos fora do nicho, para furar a bolha. Lembrando que a literatura queer abrange uma multiplicidade de temáticas, gêneros, estilos, discursos, visões de mundo, não é um bloco monolítico. Podemos e devemos escrever sobre tudo o que a gente quiser, e aquilo que pensamos e dizemos diz respeito a todos, todas e todes.
– Como tem sido o processo de preparação para a publicação de 'Abafada' pela editora Reformatório? De que forma essa obra se relaciona com você, enquanto autora?
O processo de publicação ainda está na etapa inicial, com a leitura do original pelo Marcelo Nocelli, editor da Reformatório. Mas já estou super empolgada e tenho total confiança no trabalho da Editora, e muito honrada por fazer parte do catálogo da casa, entre tantas obras incríveis da literatura contemporânea nacional. A "abafada", personagem principal do livro, é uma mulher bissexual, que passou por uma série de traumas ligados ao luto e às relações familiares, e que lida com essas experiências e com a sua sexualidade de uma forma muito própria. Ela vive um processo de colapso nervoso que é provocado, em grande parte, pelo fato de ter a sua subjetividade abafada, sufocada pelos padrões de comportamento ditados por uma estrutura patriarcal, heteronormativa e neoliberal. Então ela se sente sufocada, não consegue respirar – real e metaforicamente.
Procurei trazer para o texto alguns dos incômodos, desconfortos e inquietações que me atravessam enquanto sujeito, enquanto um corpo que ocupa um lugar no mundo: o corpo de uma mulher bissexual, com uma subjetividade própria, com suas dores e delícias. Então, embora não seja uma narrativa autobiográfica, eu tenho um pouco da Abafada e ela tem um pouco de mim. Assim como ela, sei o que é se sentir sufocada.
– Você já tinha sido finalista do Prêmio Pena, qual foi a sensação de ter recebido o prêmio no final do ano passado? Como você enxerga o Festival Mix e sua projeção no campo da literatura?
A sensação de receber o prêmio é indescritível. Quando recebi a notícia fiquei incrédula, extasiada, ainda estou. Por mais que a gente acredite na qualidade do nosso trabalho, que é fruto de muita dedicação e esforço, o reconhecimento pelos nossos pares nos dá aquela sensação de alívio, de confirmação de que nosso trabalho é bom, de que todo o esforço vale a pena, de que estamos no caminho certo. Nos abre portas importantes num cenário que é muitas vezes excludente e hostil, como o meio literário, principalmente se estamos falando de uma literatura que aborda temas fortes, incômodos, temas que não agradam ao mercado.
A conquista do prêmio e a publicação pela Reformatório, uma editora que faz um trabalho irretocável na literatura contemporânea brasileira, é uma oportunidade única para que o livro circule e seja lido. Receber este prêmio do Festival Mix Brasil tem uma importância muito grande por ser uma premiação que atua diretamente no reconhecimento e valorização de artistas LGBT+, que possibilita que sejamos publicados, lidos, respeitados, legitimados. O fato de a nossa voz poder ser ouvida, de termos espaço para dizer aquilo que queremos e que precisa ser dito, é algo muito importante para a Cultura brasileira, que é uma cultura da diversidade. É isso que o Festival Mix faz e é muito bonito fazer parte disso.