O editor José Xavier Cortez era, antes de tudo, um amante dos livros. Vou tentar contar, de forma breve, sua trajetória peculiar e única: de agricultor no sertão do Rio Grande do Norte, virou marinheiro em Recife, foi para o Rio de Janeiro e expulso da Marinha em 1964. Veio para São Paulo e trabalhou como lavador de carros, em um estacionamento de um cursinho pré-vestibular, e os professores permitiam que ele assistisse às aulas de graça. Estudou e passou na Faculdade de Economia da PUC-SP. Mas a realidade se impôs e ele não tinha condições de comprar os livros adotados. Então, começou a recolher dinheiro dos alunos para comprar os títulos para todos e, assim, ganhar o dele. E, surpreendentemente, começaram a aparecer encomendas de outros livros. Em pouco tempo, a mesa de cavalete no corredor da PUC virou uma livraria. E o resto é história. Começou como livreiro e depois virou editor, e durante seus 53 anos de mercado editorial lutou pelo livro: na Câmara Brasileira do Livro (CBL), na Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), e na incansável defesa do livro nas livrarias e nas feiras de livros por todo o Brasil. A frase que sempre tinha na ponta da língua era: “A leitura me levou a ser quem eu sou hoje”.
Cortez começou sua história de amor com os livros em 1968, o que durou até o fim de sua vida, em setembro de 2021. Uma semana após sua passagem, o Senador Jean Paul Prates (PT/RN), que era relator no Senado da “Lei do Preço Fixo”, nos procurou para saber se aceitávamos que a lei fosse batizada com o nome de nosso pai. Ficamos extremamente honradas e felizes com a homenagem, mas também com um pouco de medo do nome do nosso pai “cair na boca do povo” tal qual a Lei Rouanet. Mas depois, refletindo com calma, achamos que seria muito bom que isso acontecesse a partir de uma lei que fala de livros. Então, eu e minhas irmãs Marcia e Miriam aceitamos a homenagem.
A Lei Cortez é de suma importância para a sobrevivência e perenidade do mercado livreiro e editorial. Essa lei, já existente em vários países da Europa e América do Sul com outros nomes, não permite descontos superiores a 10% para o leitor nos primeiros 12 meses do lançamento da obra. Isso dá à livraria competitividade para enfrentar descontos abusivos e desiguais das livrarias virtuais.
Explico: as livrarias pagam aluguel, luz, funcionários, vendedores, toda uma estrutura para receber o leitor com conforto. Se esforçam em termos de curadoria para ter acervos atualizados. O leitor chega na livraria, usufrui desse ambiente aconchegante e amigo e, na hora de fazer a compra, consulta a livraria virtual, onde o preço está 20%, 30% menor, e a livraria física perde o cliente para uma loja que não tem nenhuma preocupação com a cadeia do livro. E no fim, a livraria acaba sendo mero showroom.
Com a aprovação da Lei Cortez e a proibição de descontos superiores a 10% nos 12 primeiros meses do livro, a livraria de rua, a livraria de shopping e a livraria virtual competem em condições de igualdade. A porcentagem de livros nessa faixa beira aos 7% dos livros vendidos no país, mas garante um fôlego extra para resistir e manter suas portas abertas, com livros de cauda longa e lançamentos. Cabe ressaltar que esses lançamentos após 12 meses seguirão as regras de livre mercado.
Para as editoras, que podem achar que não terão benefícios com a lei, pois os descontos para livrarias serão os mesmos, estas também terão ganhos: com mais livrarias abertas, mais pontos e mais chances de vendas, sem estar submetida a algoritmos e mecanismos de buscas.
E o leitor? Este pode, à primeira vista, achar que está sendo prejudicado. Mas também não está. As leis semelhantes em outros países observaram até uma diminuição de preços dos livros a médio e longo prazo, com esse balizamento do mercado. Para além do preço do livro, se observou aumento do número de livrarias e de diversidade de títulos. Ganha a livraria, ganha a editora, ganha o leitor.
Nada como chegar na livraria e folhear livros. Cheirar livros. Procurar livros. Comprar livros. Falar de livros. Ler livros. O “Seu” Cortez certamente ficaria muito feliz.
*Mara Cortez é filha do editor José Xavier Cortez e atualmente diretora-presidente da Cortez Editora.
**O texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.