
A ideia para a realização da temporada começou ainda em 2023, no encontro entre os presidentes dos dois países, Emmanuel Macron e Luiz Inácio Lula da Silva. O evento celebra o bicentenário das relações bilaterais entre os dois países. Anne Louyot é a responsável pela curadoria no Brasil, que terá atividades programadas até dezembro de 2025.
Mercados dos dois países
Na última semana uma série de eventos no Centro de Pesquisa e Formação (CPF), localizado no Sesc 14 bis (Rua Dr. Plínio Barreto, 285 — São Paulo / SP), integraram o ciclo de debates literários da Temporada. Na quinta-feira (11), Sevani Matos, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), e Laurence Risson, Gerente de Projetos da France Livre, protagonizaram um bate-papo sobre os mercado editoriais na França e no Brasil. O France Livre é o novo nome do ex-BIEF (Bureau International de l'Édition Française), uma entidade profissional de editores que atua no desenvolvimento e promoção das editoras francesas no exterior, de forma parecida com que ocorre com o Brazilian Publishers, aqui no Brasil.

Em sua fala, Laurence trouxe o dado de que 20% das vendas de livros, na França, estão no mercado de livros usados. "As cadeias de livrarias, que vendem livros novos e usados, possuem um bom relacionamento com o poder público. No caso das vendas online, é mais difícil de medir essa circulação, então é provável que este número [20%] seja ainda maior", disse. Ela acrescentou também que um dos amplos debates no setor do país atualmente é o de implementar maior regulação e possível remuneração de autores por direitos autorais na venda de livros de segunda mão.
A questão do preço do livro foi um tema recorrente entre os eventos da semana realizados no Sesc, como destacou a mediadora da conversa Maria Carolina Borin. "A Lei Lang é uma lei que nos é muito cara", definiu a representante da instituição francesa. "Sem a Lei Lang, estaríamos em um nível como o americano. Esta é uma lei que nos ajuda a proteger o mercado livreiro", disse Laurence. A lei francesa funciona desde 1981 e estabelece que só é possível que um livro tenha desconto após dois anos de seu lançamento.
Os porta-vozes do país afirmam que a lei teve sucesso em proteger livrarias tradicionais. A França se destaca como país com maior densidade de livrarias no mundo, e as vendas provenientes desses estabelecimentos correspondem a aproximadamente um terço das vendas de livros no país. Em 2024, no Brasil, a Lei Cortez foi aprovada na Comissão de Educação do Senado. Resumidamente, a Lei prevê que nos primeiros 12 meses do livro ele possa ter um desconto máximo de 10%, medida que contribuiria para a bibliodiversidade.
Para o PublishNews, Risson afirmou ter conhecido mais autores de quadrinhos durante sua visita, por conta do foco da própria temporada na Bienal de Quadrinhos de Curitiba, além dos encontros editoriais com brasileiros. Ela reforçou o momento distinto vivido pelos mercados de Brasil e França.
"No momento, nós estamos vivendo uma crise econômica e política bastante dura. E, com certeza, isso nos coloca em dificuldades. E vocês, na verdade, é um pouco o oposto. Nós temos leis que nos protegem. Temos a lei Lang. Houve um boom depois da Covid, mas agora está caindo e caindo. E acho que não podemos fazer muita coisa, a não ser tentar continuar nosso trabalho... Os editores estão reduzindo o número de suas publicações, o número de exemplares que imprimem, mas não é essa a atmosfera no momento para vocês no Brasil. Aqui há um aumento, vocês vão fazer a lei [referindo-se ao projeto da Lei Cortez], estão tentando, pelo menos, aumentar ainda mais o mercado e apoiar as livrarias", complementa.
Parcerias com editoras
A editora Ercolano define a parceria com o Institut Français na Temporada França-Brasil como um divisor de águas. "Além de viabilizar novas traduções, proporcionou a vinda ao Brasil de autores franceses para eventos literários importantes. Esse tipo de apoio é essencial para que editoras independentes possam investir em catálogos ousados e diversificados", afirmam Roberto Borges e Regis Mikail, editores da Ercolano.
O livro De pé, ta pago, da editora, esteve entre os mais vendidos do evento em Paraty e recebeu aporte do edital Atlântico Negro. O chamamento para esse edital aconteceu em junho de 2024 e concedeu benefícios para tradução de autores negros de expressão francesa. Roberto afirma que, desde a abertura da editora, eles buscam participar de editais do tipo: "A gente já tinha comprado os direitos autorais de De pé, tá pago, e aí conseguimos participar do edital. É por isso que entre os agradecimentos do livro estão os nomes da Marion e da Marilou [representantes da embaixada da França]". O edital Atlântico Negro apoiou 31 livros que serão publicados até novembro de 2025.

Um dos grandes momentos literários da programação vai ocorrer durante a Festa Literária das Periferias (Flup). O evento, que em 2025 homenageará Conceição Evaristo e que já recebeu o Prêmio Jabuti de Fomento à Leitura, é atualmente um dos destaques da temporada França-Brasil. Além de receber autores francófonos, o festival também estabeleceu uma parceria com o evento francês Étonnants Voyageurs. Uma delegação de autores brasileiros com nomes como Bernardo Carvalho, Eliana Alves Cruz, Djamila Ribeiro, Geovani Martins, Marcelo Quintanilha e Jeferson Tenório foi para o festival Étonnants Voyageurs, em Saint Malo – o maior festival literário da França. O grupo ainda participará do Monde en Vues, em Guadalupe, realizado no Memorial ACTe, em Pointe-à-Pitre, em outubro.
O Brasil é o primeiro comprador de direitos das editoras francesas da América Latina, foram 353 títulos comprados em 2024, fora as traduções de clássicos. Marion Loire, da Embaixada da França, comenta que apesar de que os autores franceses dificilmente alcançam o topo das vendas, alguns autores têm um enorme sucesso como Annie Ernaux, Mohamed Mbougar Sarr, Edouard Louis e Emmanuel Carrère. "E os festivais literários Brasil afora convidam autores franceses todos os anos", diz.
A vinda de artistas e de autores tem sido um dos momentos mais interessantes da temporada. Alguns deles que já passaram pelo Brasil pareceram estar bastante a vontade com o público leitor nos eventos literários.
O autor de Jacarandá (Editora 34), nascido no Burundi, Gaël Faye é escritor, compositor, rapper e cantor franco-ruandês. Ele repercutiu bastante nas redes sociais do meio literário durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), quando protagonizou um show de rap junto com MC's de Paraty. A publicação de Jacarandá também contou com o apoio do Institut Français e o livro figurou entre os mais vendidos da Livraria Travessa no evento.
Autores Franceses ou Francófonos no Brasil durante a temporada
Feira Literária de Paraty
- Neige Sinno
- GauZ
- Gaël Faye
Flipelô (Salvador)
- Gauz
Bienal de Quadrinhos de Curitiba
- Clara Chotil
- Matthias Lehmann
- Zeina Abirached
- Laurent Houssin
Festival Artes&Vertentes (Tiradentes)
- Jean d'Amérique
- Gabriel Okoundji
- Léonora Miano
Festival Agir pelo que é vivo (SESC 14 Bis e CPF-SESC São Paulo)
- Fatima Ouassak
- Juliette Rousseau
- Maya Mihindou
FLIMUJ (São Paulo)
- Scholastique Mukasonga
- Eva Illouz
WOW
- Christiane Taubira
MixBrasil
- Anne Pauly
Festival Literário das Periferias (Flup)
- Ananda Devi
- Patrick Chamoiseau
- Yanick Lahens
- Nadia Yala Kisukidi
- Léa Mormin Chauvac
- Mireille Fanon
- Mame Fatou Niang
- Felwine Sarr
- Malcom Ferdinand
- Olivier Marboeuf
- Denetem Touam Bona
Eventos de destaque da temporada literária
- Entre as duas costas do Atlântico - Festival Artes Vertentes
- O mahj Paris no Museu Judaico de São Paulo
- Décima quinta edição da Festa Literária das Periferias (Fllup)
- A literatura periférica brasileira e feminina francófona da Guiana
- Residência literária na Flip + Villa Gillet
- Brasil e França — a HQ encontra a BD (Bienal de Quadrinhos de Curitiba)
- Sertão. Em busca da agroecologia no Brasil
- PAP (Programa de Apoio à Publicação e Tradução de obras francófonas)
- Foco França na Flipelô
- Delegação francesa na Feira do Livro de Porto Alegre
- Literatura de cordel: memória e ressonância