Épico trans-histórico de uma das principais vozes da literatura espanhola contemporânea
PublishNews, Redação, 31/10/2024
'Nem mesmo os mortos' mistura de dinamismo literário ambicioso com comentário social e político contemporâneo

“Aqui se conta a história de como Juan persegue Juan […].” Assim se inicia a obra Nem mesmo os mortos (DBA, 480 pp, R$ 104,90 – Trad.: Silvia Massimini Felix), que traz uma busca de mais de quatrocentas léguas e mais de quatrocentos anos, em que Juan, ex-soldado da Coroa Espanhola, seguirá os rastros de um suposto profeta indígena conhecido como Pai e sua Bíblia sacrílega, o livro notório e terrível que leva consigo. A perseguição transcende territórios e séculos, em um caminho que aponta para o norte, sempre para o norte, ou seja, sempre em direção ao futuro, em uma jornada alucinada desde a Nova Espanha do século XVI até o muro de Trump de hoje. Entre antigos conquistadores a cavalo e migrantes ilegais, indígenas insubordinados e camponeses à espera de um mundo melhor, revolucionários mexicanos e mulheres assassinadas no deserto de Juárez, Juan cruza fronteiras de olho na recompensa que lhe trará o futuro que idealizou. Com referências a Meridiano de sangue, de Cormac McCarthy, e a Coração das trevas, de Joseph Conrad – claras quase ao ponto da homenagem –, e com ecos de Roberto Bolaño e dos filmes de faroeste dos anos 1960, Nem mesmo os mortos é um épico não apenas sobre o que se transforma com o tempo, mas também sobre o que permanece: a violência, a subjugação de um povo pelo outro, a religião como ferramenta de poder e última esperança. O que permanece, na narrativa, é uma inquietação em relação às noções de presente, passado e futuro, que se dobram, se repetem e se perdem umas das outras, que são e não são ao mesmo tempo, que não existem, e que, ainda, são tudo que há.

[31/10/2024 07:00:00]