Frankfurt: Elif Shafak faz discurso enfático sobre o poder da literatura no resgate da história
PublishNews, Talita Facchini, 15/10/2024
Em conferência para a imprensa, autora turca apresentou um discurso forte e elogiado sobre memória, coragem e poder do otimismo

Na manhã desta terça (15), a Feira do Livro de Frankfurt abriu oficialmente para jornalistas em uma sessão que contou com a participação da autora turca Elif Shafak.

Em um discurso aplaudido por minutos e elogiado logo em seguida por Juergen Boos, presidente da Feira, Shafak falou sobre os desafios do nosso tempo, do papel dos escritores e da importância da literatura. “É um tempo estranho para estar vivo. Um tempo estranho para ser escritor”, disse.

“Hoje vivemos em um mundo em que temos muita informação, mas pouco conhecimento e ainda menos sabedoria. E acho que precisamos mudar essa proporção”, provocou. “Não temos tempo para processar, não temos tempo para absorver e não temos tempo para sentir o que vemos. A hiperinformação nos dá a ilusão de conhecimento. A verdade é que esquecemos de dizer que ‘não sabemos’. Qual foi a última vez que você disse ‘eu não sei’?”, questionou.

Segundo Shafak, admitir que não sabemos das coisas foi o start para a filosofia e outras artes e que é necessário desacelerar e se informar. Para isso, precisamos dos livros. “Para o conhecimento, precisamos de empatia, precisamos de literatura. Quando escrevemos literatura, nos conectamos a algo que é maior do que nós”.

Elif também tocou no tema do ecofeminsmo, recorrente em suas falas e entrevistas. “Nossos rios estão morrendo. Agora, em todo o mundo, mulheres - geralmente mulheres jovens e crianças -, são carregadoras de água. Elas trazem água para suas comunidades. Quando os rios morrem, quando não há água por perto, a distância que uma mulher tem que andar aumenta, infelizmente, aumentando o potencial para preocupações de gênero”, exemplificou.

Ao comparar autores aos arqueólogos, que buscam em camadas profundas, as coisas escondidas e esquecidas pelo tempo, Shafak disse que a literatura tem que ser um ato de esperança e resistência, por conta da sua capacidade de compartilhar as histórias escondidas da humanidade.

Seu discurso contou ainda com outras fases de impacto: “Acho que literatura é, e deve ser, um ato de esperança e também de resistência”; “A literatura deve ser a análise depois do evento, mas também a análise durante o evento”; “No momento que paramos de escrever e falar o que acontece em Gaza, Ucrânia, Sudão, hoje, o mundo se torna cada vez mais desconhecido”; “A literatura é o antídoto para o entorpecimento”; “Sei que escritores não podem parar guerras. Não podemos nem parar ódios. Mas o que podemos fazer é manter viva a chama da paz, da coexistência, da empatia e da dignidade humana”; "A literatura traz a periferia para o centro, e tem a capacidade de reumanizar pessoas que estão profundamente enraizadas nela"; "Acho que o poder da literatura é que ela nos lembra do que somos capazes, que não é apenas destruição e divisão, mas também beleza, solidariedade, irmandade e amor".

Já as falas de Karin Schmidt-Friderichs, presidente da associação de editores e livreiros alemães, e de Juergen Boos, presente da Feira, enfatizaram o papel democrático e diverso do evento e sobre os novos espaços da programação, principalmente o dedicado ao gênero new adult. “Há muitos jovens leitores aparecendo por aí. A leitura está crescendo, não é um fenômeno mais. Aproximá-los da literatura contemporânea e outras áreas só tem a nos ajudar”, disse Boos.

Karin também fez um apelo relacionado ao assunto da inteligência artificial. Ao reconhecer que a IA generativa pode estimular e facilitar a indústria, ela lembrou o que a tecnologia não pode fazer é assumir o lugar da palavras, dos autores e tradutores. "Quando trabalhamos com essas ferramentas nossa credibilidade cai. Temos que pensar nos direitos autorais. Precisamos de regras claras. Devemos deixar claro nosso papel em relação a essa questão", enfatizou.

*A jornalista viajou com o apoio do CreativeSP, e do Publishing Perspectives, veículo de comunicação ligado à Feira de Frankfurt.

[15/10/2024 10:00:00]