Mariama Furtado problematiza o assunto e reflete sobre a medicalização destituir o próprio sujeito daquilo que diz respeito à sua singularidade
A sensação de cansaço persistente, a ansiedade diante das situações mais corriqueiras, a evitação do contato social são algumas das agruras cotidianas relatadas em consultórios e a saúde mental nunca foi tão patologizada. Diante desse quadro, o uso de antidepressivos está entre os processos de medicalização mais praticados como forma de lidar com o sofrimento. Esses e outros argumentos motivaram a pesquisa apresentada no livro
O lugar do sofrimento na cultura contemporânea – Reflexões sobre a medicalização da existência (Summus Editorial, 144 pp, R$ 58,90). Nele, a análise dos diagnósticos psiquiátricos nos dias atuais é assunto tratado com profundidade pela psicóloga Mariama Furtado, numa leitura indicada não somente para profissionais da área de saúde, convidando o leitor a reflexões e questionamentos. A obra aborda
o crescente interesse pelos processos de medicalizaçã
o da existência.
O sofrimento, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta no bem-estar como meta. Num contexto que exalta os valores ligados à eficiência, à produtividade, ao bem-estar e à felicidade,
o sofrimento passa a ser visto como uma patologia que precisa ser corrigida. Assim, um processo de contínua expansã
o dos diagnósticos vem trazendo para
o campo da psicopatologia comportamentos, emoções e estados subjetivos anteriormente experimentados e concebidos como parte da condiçã
o humana, de modo que cada vez mais pessoas se tornam potencialmente portadoras de algum transtorno. Constatando esses fenômenos tanto na clínica quanto no campo da pesquisa, Mariama Furtado problematiza
o assunto e mostra que, ao tentar suprimir
o sofrimento da experiência da vida, a medicalizaçã
o acaba destituindo
o próprio sujeito daquilo que diz respeito à sua singularidade e da possibilidade de instituir formas autênticas e criativas de viver.