Uma carta aberta divulgada por livreiros gaúchos no dia 15 de agosto resume a situação: “um site inteiramente novo, com a proposta de ser mais robusto e eficiente, visando a melhorar a experiência de seus usuários, livreiros e leitores. De fato, é de se celebrar o tão aguardado Pix como opção de pagamento e o aperfeiçoamento na busca individual por acervo de livreiro, bem como a navegação no site mais rápida e fluída. Porém, em larga escala, todas as outras mudanças no marketplace NÃO obtiveram o resultado esperado. As conversas que tivemos com livreiros e leitores, da mesma forma que as manifestações diversas nas redes sociais, revelam abertamente um descontentamento esmagador tanto para quem vende quanto para quem compra”.
Em entrevista ao PublishNews, a diretora da Estante Virtual, Christiane Bistaco, afirma que as mudanças foram feitas para atender necessidades colocadas pelos livreiros – como o pagamento em Pix – e modernizar a plataforma, que trabalhava com uma “tecnologia de 2005”, não permitindo melhorias, inovações e adaptações aos novos tempos digitais, como, entre outras, as regras da Lei Geral de Proteção de Dados.
“Em 15 anos que estou no mercado de e-commerce, essa virada da Estante Virtual é a mais desafiadora. Numa transformação dessa, temos que trocar o pneu com o carro andando, até porque a plataforma antiga não me permitia fazer mudanças sem, por exemplo, interromper o trabalho de todo mundo, dos livreiros que são nossos parceiros”, comentou.
Ela conta que times de tecnologia do Magalu foram mobilizados para a construção da nova plataforma. “Até como forma de garantir o bom futuro da Estante Virtual, não tem melhor caminho do que a gente utilizar a escala do Magalu e o conhecimento de tecnologia que já existe aqui”, afirmou. “A mudança envolveu cinco times diferentes de tecnologia com determinadas usabilidades. A gente fez pesquisas com livreiros individuais. A gente mostrou o layout, sendo que o foco de pesquisa foi mais para o cliente, porque no final das contas, a gente não mudou a plataforma do que o livreiro utiliza”.
A diretora reafirmou o compromisso da empresa com a Estante Virtual, comentando que as demandas estão sendo ouvidas e que o grupo trabalha para aprimorar as ferramentas.
As reclamações e quedas nas vendas
Por ora, porém, a insatisfação é praticamente unânime entre os livreiros ouvidos pelo PublishNews. Uma reunião realizada entre a EV e os livreiros na última segunda-feira (26) tentou amenizar a situação.
“Durante a reunião, as principais queixas dos livreiros foram: a total descaracterização do site, a remoção de diversas funcionalidades úteis, a piora do sistema de busca, a lógica por trás do sistema da Vitrine e bugs relacionados a sumiço de acervo e livros que não aparecem no site”, explicou ao PN o sócio da Torre de Papel Livros (Vitória / ES), Gabriel Gonzaga. “Além disso, diversos sebos tiveram grande impacto no número de pedidos. Muitos deles estavam preocupados, devido à queda drástica das vendas”.
Para o livreiro gaúcho Carlos Besen, do Sebo Balaio Digital, com mais de 150 mil títulos cadastrados à venda e na Estante Virtual, a mudança é um fracasso para clientes e para vendedores. “O site anterior tinha suas dores de cabeça, mas era um modelo de negócio já tradicional e bem estabelecido. O que o grupo Magalu fez não foi remediar as dores latentes, mas sim guilhotinar a própria cabeça. Assim, os problemas pontuais do site anterior tornaram-se sistêmicos e estruturais no atual. O site se mostra mais estável, porém o resultado das buscas virou uma babel. O que os clientes não encontram os livreiros também não vendem, é simples. As poucas e mal feitas ferramentas úteis para os livreiros foram descartadas. Vendedores e compradores foram jogados para uma indigência literária”, lamentou.
“Por óbvio, ninguém jamais esteve contrário a ideia de uma modernização (todos sabem que os softwares envelhecem diante das novas demandas e acabam ficando cheio de puxadinhos e paliativos), mas tampouco se imaginava algo tão mal sucedido”, diz.
Ele está na plataforma desde 2006. “O processo degenerativo da Estante vem de 2022”, avalia. “A demanda pelo site e a quantidade de pedidos vêm caindo gradualmente. Para mim, de 2022 a 2024, a redução na demanda já atingia a casa de 50% antes das alterações do dia 5 de agosto. Depois delas, houve uma queda brusca de 40% sobre o primeiro montante já defasado. No entanto, não é pequeno o grupo de livreiros que afirma ter reduções que chegam a 90%”, reafirma.
Outro livreiro, que opera no centro de São Paulo, foi consultado pelo PN e pediu anonimato, avaliou a mudança na plataforma como péssima. “Sinalizaram a mudança há muitos meses, mas não esperava alterações na busca e forma como os livros são visualizados. O impacto na experiência de quem compra foi gigante com a exclusão de muitas informações. Perdemos semanas de vendas, que chegaram a zero. Posso dizer que tivemos uma queda de no mínimo 40% nas vendas. Penso que deveríamos ser restituídos do prejuízo na falta de prestação do serviço”, comentou.
Yuri Pontes, da Livraria Pontes (Campinas / SP), observa que as atualizações ainda parecem estar em aplicação – fato confirmado pelo PN com a Estante Virtual. “Com a atualização, o site parece que deu mais visão aos diferentes anúncios e facilita a rolagem para verificação destes anúncios”, avalia Pontes. “O único problema que encontrei no momento foi a retirada de algumas informações no cadastro dos exemplares, como ‘assunto’, que até o momento não parece estar ativo. A informação sobre qual sebo você está comprando também ficou mais escondida. Atrapalha um pouco aqueles leitores recorrentes que têm possibilidades de comprar novamente com o mesmo vendedor pois aprovou seus serviços”, aponta.
Uma livreira de uma grande livraria da região central de São Paulo afirmou que sentiu nos últimos tempos uma mudança na gestão da Estante Virtual em relação aos vendedores. “Havia uma equipe mais presente antes da mudança. Houve também um período de problemas sistêmicos recorrentes de integração de pedidos. Mas agora em agosto, em relação ao mesmo período do ano passado, tivemos uma pequena queda de 5% nas vendas”. As vendas na Estante Virtual representam apenas 5% da receita online dessa livraria.
O que diz a Estante Virtual
Em uma conversa com o PublishNews na última sexta-feira (23), a diretora da Estante Virtual no Grupo Magalu, Christiane Bistaco, afirmou que mudanças e melhorias já estão sendo realizadas na nova plataforma, conforme as demandas e necessidades apresentadas por livreiros e clientes.
“Uma das coisas que a gente tem trabalhado bastante é na busca. A gente muda a inteligência da busca para uma inteligência artificial, e agora ela tem que aprender, porque a gente muda também a lógica de algumas coisas dentro do site. É tudo para o melhor, na teoria são coisas que foram solicitadas. Por exemplo, a gente implantou a busca por ISBN, porque havia muita reclamação de clientes sobre a edição do livro. O agrupamento de livros e edições que ocorria no site antigo era feito manualmente, para você ter uma ideia”, explicou.
A diretora também afirmou que eventuais diferenças no acervo das lojas exibidos na plataforma antiga com a nova estão sendo corrigidos rapidamente.
“O que eu queria reforçar é que a mudança representa um compromisso nosso de fazer a Estante Virtual melhor”, disse. “Nós temos um modelo de negócio único, agora suportado por uma infraestrutura de tecnologia adequada. A infraestrutura de tecnologia que usávamos anteriormente era, para mim, como tentar usar um iPhone de 19 anos atrás para resolver problemas atuais. Não conseguíamos implementar funcionalidades novas, como o pagamento por Pix e a busca por ISBN, por exemplo. Estávamos sempre fazendo pequenos ajustes e querendo evoluir, mas sem muito sucesso. Agora, estamos migrando para uma nova plataforma, que é usada por todo o Grupo. Isso significa que qualquer atualização, como a introdução de novos meios de pagamento, por exemplo, poderá ser adotada por todo o Grupo simultaneamente. Antes, não tínhamos essa capacidade, mas agora, com a nova plataforma, poderemos incorporar melhorias de maneira muito mais ágil”, concluiu.
Planos dos livreiros
Enquanto as mudanças não surtem os efeitos desejados, os livreiros começam a ventilar ideias de associação, que já apareceram no passado mas não chegaram a ser concretizadas.
“Para mim, está muito claro que não estamos falando sobre circulação de livros”, reflete o livreiro Daniel Pedrian, do Sebo Fulô, em Porto Alegre (RS). “Temos colegas mais românticos que falam em nome da cultura, outros mais endurecidos que pensam em cifras. Acredito que, como trabalhadores que somos, precisamos ter clareza do segmento que representamos, nos organizar, e nos reforçarmos num coletivo. Temos uma comunidade que discute a criação dessa entidade e que, depois da última manifestação dos gestores da plataforma [Estante Virtual], praticamente dobrou o número de adeptos. Estamos num processo interessante de tomada de consciência dos colegas, do exercício da capacidade de trabalharmos em conjunto, etc”, afirma.
Para o livreiro Mario Guerreiro, com operação na Estante Virtual desde 2007, a ideia de uma associação é boa. “Tem livreiro abandonando o ramo, tem livreiro – muitos – falando em processar a EV, tem livreiro migrando para outras plataformas (migrando tristes, porque não obstante seus muitos defeitos, a EV ainda era a melhor para venda de livros). Mas principalmente, muitos estão se organizando em torno de um projeto de associação ou cooperativa de livreiros de abrangência nacional. E, com a associação, criar uma plataforma própria para venda de livros. Acho que isso é outra boa pauta. Um pouco por ser um projeto antigo (um portal de livreiros feito por livreiros), mas principalmente por desespero, a coisa está ganhando corpo rapidamente”, comenta.