
Após seis edições realizadas em Paraty com programação paralela à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), a Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (FLIPEI) será realizada em São Paulo, nos dias 2, 3 e 4 de agosto, na Central 1926 (Praça da Bandeira, 137), no centro histórico. Durante os três dias de evento, o público terá acesso gratuito a uma programação com mesas, entrevistas, debates komunais, feira de livros e rádio pirata. Ainda que cause um estranhamento inicial, a vinda do evento à São Paulo é vista com otimismo por muitos representantes de editoras e reforça a aposta que a Flipei pode funcionar de maneira completamente autônoma.
A cada edição, a curadoria do evento normalmente traz nomes para opinar sobre o contexto político. Em 2024, o evento terá como focos: o debate da causa palestina, a descriminalização do aborto, a privatização das escolas e literatura utópica. Um dos destaques do evento é o jornalista palestino e correspondente de guerra Mohammed Omer. Também estão confirmadas presenças de Guilherme Boulos, Érika Hilton, Rita Segato e a pensadora trans McKenzie Wark.
Em entrevista para o PublishNews, Cauê Seignemartin Ameni e Rafael Limongeli, organizadores da Flipei, não cravam uma estimativa de pessoas para o evento: "não sabemos ao certo o número, porque é a primeira edição na cidade, mas estamos batendo 240 mil contas alcançadas nas redes, das quais 43,8% são de São Paulo".
Flipei em São Paulo
A organização se pronunciou sobre a saída da Flipei de Paraty, reforçando o objetivo de ser um evento "pirata". Além de uma publicação no blog da editora Autonomia Literária, a iniciativa detalhou cronologicamente os fatos ocorridos com as edições da festa, desde a edição de 2019, e que justificaram sua saída de Paraty em 2024.
A ida à São Paulo também sinaliza um movimento da Flipei de desviar da especulação imobiliária da cidade. Cauê Seignemartin comenta que a realização da Flipei no barco pirata, em 2018, já tinha acontecido com o intuito de fugir de aluguéis caros em Paraty. Para esse ano, ele afirma que o orçamento foi próximo da metade do necessário para realizar o evento no Rio de Janeiro.
Para Lizandra Magon de Almeida, sócia da editora Jandaíra e presidenta da Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), ainda há um clima de aposta em torno da efetividade do evento em ser provocativo: "A Flipei em Paraty tinha um caráter mais confrontador, na minha opinião, por trazer uma programação mais política em formatos que também tinham o objetivo de questionar o formato da Flip. Em São Paulo esse espírito continua, mas como é a primeira vez ainda não dá pra dizer se vai manter a mesma combatividade. De qualquer forma, a programação sempre traz discussões fortes".

Desde o ano passado, a Flip tem sido criticada pelo alto preço dos ingressos de sua programação oficial, além de problemas estruturais e insatisfação do público por conta do apagão que durou mais de 12 horas. João Varella, da Lote 42 e Banca Tatuí, participa da programação paralela da feira desde 2015 e salienta que a estrutura da cidade de Paraty foi superada pelo tamanho da Flip. "Paraty infelizmente é uma cidade despreparada para receber um evento do porte da Flip. O tempo passa e a sensação é que não há melhorias. Produzir qualquer coisa lá demanda muito mais energia. O apagão da última edição foi sintomático. A preparação da Lote 42 é facilitada, afinal São Paulo é a nossa cidade. Lamento que Paraty tenha perdido a Flipei. Torço que o poder público e a própria organização da Flip estimulem um retorno", comenta.
As editoras afirmam que a realização do evento em São Paulo representa um certo alívio logístico e financeiro, para além de também estarem mais acostumadas a atender o público paulistano: "Essa simplificação é muito positiva para nós – e, provavelmente, para outras editoras independentes em São Paulo também. Principalmente no bolso. Ajuda ser uma das feiras mais preocupadas em cobrar um preço justo na participação dos parceiros. E também ajuda não termos que nos preocupar com os custos de hospedagem, transporte, alimentação e aluguel de casa em Paraty", diz Leopoldo Cavalcante, da Aboio. O editor-chefe da editora complementa que 3/4 das despesas da Aboio na Flip de 2023 foram para estadia da equipe na cidade.
Programação e o público de São Paulo
A ida à capital paulista traz outro recorte para o evento. A Flipei acontece na Central 1926 (Praça da Bandeira, 137 – São Paulo / SP), no limite do bairro do Bixiga, historicamente marcado pela presença de proletários de fábricas no século. O edifício foi construído em 1926 e, após um processo de reforma e restauração recente, tem a capacidade de receber 1,2 mil pessoas.
Uma das presenças destaque da programação é Mohammed Omer, jornalista e correspondente de guerra. Mohammed nasceu na Faixa de Gaza e sua cobertura é especializada em "dar voz aos sem voz". Ele é vencedor de prêmios como Best Youth Voice e Press Freedom Prize, além de os textos do jornalista nascido na Faixa de Gaza já foram publicados em veículos como The New York Times, The Guardian e Al Jazeera.
Segundo os editores consultados pelo PN, um dos melhores aspectos da mudança da Flipei para São Paulo é a aproximação de um novo público, que não acessava o evento pela distância e o preço da viagem a Paraty. Daniel Lameira, sócio-fundador da Seiva, contrapõe as duas festas justamente por esse aspecto: "A Flipei em Paraty dava um ar democrático e popular a um evento elitista, mas criou forças próprias para criar algo autônomo e potente que pode atingir ainda mais pessoas".

Carol Ito é jornalista e ilustradora e tem como marcas de seu trabalho temas envolvendo direitos humanos e direitos das mulheres. Ela compõe a mesa Os silêncios que os quadrinhos narram: HQs e subversão com João Pinheiro, Sirlene Barbosa, Vitor Teixeira e Pedro Silva, no sábado às 17h. Estará presente também na Rádio pirata, com Rabiscos com, às 12h30.
Ela venceu o 44º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Arte, em 2022, por sua reportagem em quadrinhos “Três Mulheres da Craco”, publicada pela revista Piauí e foi a primeira mulher a desenhar ao vivo no programa Roda Viva, da TV Cultura.
É a primeira vez que Carol vai ao evento como participante, após conhecer o evento em 2023 como público. Ela diz que pretendia ir na Flip apenas para ir na Flipei. Ao PublishNews, ela reafirma a relevância das editoras independentes dentro do cenários do mercado editorial de quadrinhos: "As editoras independentes são a maioria do mercado de quadrinhos autorais no Brasil. Elas tem função fundamental na formação de público e na vitrine para artistas brasileiros que estão começando e que tem uma produção relevante sobre nosso país".
Ito complementa que ter espaço dentro de um evento de literatura grande é importante para que as pessoas saibam que quadrinho é uma linguagem pra adulto e que pode tratar de temas complexos. Quando comenta sobre a programação da Flipei, reforça o caráter progressista e anti-hegemônico da programação: "são produções que normalmente não chegam às pessoas dentro da dinâmica das redes sociais (...) a Flipei tem essa característica de convidar pessoas que estão trazendo temas urgentes e que estão discutindo projetos de Brasil e de mundo, que são anti-hegemônicos. Essa é uma qualidade do evento". Para ela, o evento aproxima o leitor de quem tá produzindo esse conteúdo.
Financiamento coletivo
Como forma de integrar o financiamento da programação, a Flipei realizará dois bailões com artistas do hip-hop, rap, funk, afro-beats, eletrônico, nas noites de sexta e sábado, das 23h às 5h. Na programação do bailão de sexta-feira, tocam KL Jay, BNegão Bota o Som e DJ Ray.
Já no sábado, um line-up composto inteiramente por artistas trans, como a produtora musical e multi-instrumentalista Malka, a cantora e compositora Sodomita e a DJ Bassan – Além das atrações, McKenzie Wark, especializada na confluência entre anti-capitalismo e música eletrônica, deve garantir uma performance literária na noite. Haverá também Lau e King de Xangô, representantes do coletivo Fuleragi.
"Embora tenhamos nos tornado a maior casa parceira da Flip nos últimos tempos, o “P” da FLIPEI é de Pirata. À margem esquerda do rio Perequê-Açu nascemos com nossa embarcação cheia de livros e ideais e por ali crescemos. E crescemos tanto a ponto de chamar a atenção não só do público, mas também das autoridades, que interromperam, no ano passado, 12 horas da nossa programação."
Além dos bailões, a Flipei realiza uma campanha de apoiadores, com cotas em diferentes preços, em que os inscritos recebem produtos como prêmios. De acordo com a organização da Flipei, em 2023 400 pessoas colaboraram com o projeto. Até o início da semana pré-evento, o número de pessoas que aderiram à campanha era de 118. Caue explica que o número ainda é insipiente para determinar um sucesso da campanha, já que muitas das aderências ocorrem durante o evento.
Confira a lista de editoras participantes da Flipei 2024:
- Autonomia Literária
- Jacobin Brasil
- Biblioteca Terra Livre
- Fala
- Funilaria
- Igra knigra
- Contos Livres
- Folhas de Relva
- Fósforo
- Movimento
- Revista Recorte
- Cobogó
- Boitempo
- Dandara
- Anansi lab
- Jandaíra
- Dublinense
- Editora Nós
- Instituto Conhecimento Liberta (ICL)
- Aboio
- DAAZ
- Editora34
- Elefante
- Expressão Popular
- Glac
- Hortelã
- Abarca
- Lavra palavra
- Leya
- Lote42/Banca Tatuí
- N-1
- Nigra koro
- Borboleta azul
- Peabiru
- Seiva
- Ubu
- Usina
- Veneta
- Feminas
- Inssurectas
- Andaluz
- Editora Politeia
- Sobinfluencia
- Sebo Clepsidra
- Bazar do tempo