
O que eu podia fazer com um livro inteiro concluído aos 23 anos se a reputação que eu tinha até então se resumia à minha atuação de só alguns meses como um mero estagiário? A resposta é: absolutamente nada. Ninguém ia me levar a sério, como de fato não levaram quando tentei enviar meu original para editoras.
A verdade é que eu entendo o posicionamento delas. Livro não é exatamente uma das coisas mais fáceis de se vender mesmo para quem possua alguma comunidade de leitores e os títulos que garantem alguma reputação. Mas isso gera uma espécie de círculo vicioso: se você já é visto, não conquista a reputação e nem os leitores que precisa para que te publiquem. E eu fiquei durante muitos anos preso nessa armadilha: não publico porque sou anônimo e sou anônimo porque não publico.
Mas eu fui cavando meus caminhos ao redor desse muro feito para impedir minha passagem. Na Internet publicar-se não gasta papel e nem dinheiro dos outros, então escrevi e publiquei em abundância em contos, textos e poemas principalmente pelo Medium. Desse jeito, fui aos poucos construindo alguma reputação e fui me tornando menos desconhecido. Fui ganhando confiança no que produzia inclusive para revisitar meus antigos projetos de livros e pensar em novos caminhos para publicar.
Quando fui pra Amazon, foi realmente como um último recurso. Nada mais tinha dado certo, então eu podia ir pra lá. E o livro que publiquei por ali, aquele que escrevi em 2016 quando ainda era anônimo, não só foi muito lido como se tornou um dos cinco finalistas da primeira edição do Prêmio Amazon de Literatura Jovem. Quando finalizei o livro em 2017, mal conseguia convencer meus amigos a terem a paciência de dar uma chance para a leitura. Em 2024, um júri composto por pessoas extremamente competentes do mercado literário leu e analisou minha obra durante várias etapas de análise. Recebi comentários sobre a leitura de grandes escritores conhecidos e de figuras importantes do mercado editorial, algo que seria inimaginável pro estagiário que eu fui quando escrevi aquilo.
Mas quem estava lá para ser visto e receber elogios não era o Rodrigo anônimo e estagiário de 2017. Era o Rodrigo com uma carreira ao redor da escrita, com uma presença digital consolidada em torno da escrita e, mais importante de tudo, com um portfólio de livros autopublicados a serem vistos, a serem lidos e a serem inscritos em prêmios nos quais poderiam ganhar alguma coisa, como eventualmente veio a acontecer.
Eu entendo o papel dos “guardiões do portal” do mundo da literatura. As oportunidades de publicação são escassas e é importante ser criterioso e prevenido no que se vai publicar. O volume gigantesco de livros autopublicados com liberdade nos formatos digitais mostra bem o que se perde também ao não ter uma curadoria de qualidade para talvez filtrar certas propostas.
Mas entender porque esses guardiões me barraram não muda o fato de que fui eu mesmo, de fato, um dos barrados. E sendo barrado, o que me restava tentar?
Autopublicação: um caminho que complementa a publicação tradicional
Existe uma certa fantasia simbólica ao redor do livro. Quando sonhamos, é num formato bem tradicional e sem considerar as concessões. Em 2017 eu imaginava publicar meu livro Eu só existo às terças-feiras como um livro físico, com a maior das editoras que resolvesse me aceitar – e meus sonhos de quais editoras gostaria eram bastante ambiciosos. Mas hoje eu vejo a autopublicação como mais do que só um último recurso porque a experiência me deu uma visão com mais nuances de quais são os limites e oportunidades de cada formato.
Para expandir o público, para alcançar novas pessoas, para consolidar uma certa reputação e para se posicionar direito nos ambientes digitais, a autopublicação é um bom caminho. Quando estiver inclinado a um projeto que priorize essas coisas, pretendo continuar autopublicando projetos mesmo se eventualmente começar a publicar também com editoras tradicionais. A melhor das estratégias me parece ser hoje uma que alinhe a autopublicação como uma espécie de “topo de funil”, para ganhar novos interessados que recebem um conteúdo de fácil acesso e de custo reduzido ou zerado, para depois gerar uma conversão de “fundo de funil” no leitor fidelizado que, porque já te conhece e leu de graça ou por preços módicos durante anos, vai estar mais predisposto a pagar dinheiro numa edição física do seu livro.
No único livro publicado que tenho até agora, um pequeno ensaio de tecnologia que lancei com a Editora Casatrês, o processo foi exatamente esse: publiquei o texto inicialmente no meu Medium e o Felipe Moreno, o editor da Casatrês e que já me lia digitalmente há anos, propôs lançarmos o texto como um livro. Fizemos isso e boa parte dos que compraram o livro eram aqueles meus leitores de anos que acompanhavam minha produção digital. Consigo imaginar facilmente um futuro em que outros projetos semelhantes a esse aconteçam: lançar obras publicadas com editoras que dialoguem e se aproveitem do público que eu já angariei com aquilo que lancei autopublicado.
Para além de ser um meio para uma publicação tradicional, eu acho que a autopublicação também pode existir como um fim em si mesma. Consigo imaginar uma liberdade criativa – em temas, em quantidade de páginas, em variedade e experimentalismo com formatos, em uso de links em intertextualidade com conteúdos terceiros – que vão sempre prosperar com mais facilidade na autopublicação.
Quando eu quiser escrever algo muito maluco e criativo sem ter que temer se minha ambição artística vai fazer sangrar o orçamento de uma casa de livros que precisa ser prática com a viabilidade comercial das suas obras, posso sempre autopublicar. É um caminho cheio de ambivalências, em que o excesso de oferta e os baixos retornos financeiros se equilibram com o baixo risco e a alta liberdade criativa? Certamente. Mas como uma alternativa que complementa a publicação tradicional, parece um bom caminho. Se ainda existem limitações, como todo formato sempre terá, pelo menos as limitações são outras.
Em 2024, vou autopublicar um novo livro na Amazon agora entre julho e agosto (e até essa incerteza sobre a data é uma liberdade divertida que só a autopublicação viabiliza). Esse livro em particular é um que, pelo formato e pelo que fiz dele, soube desde o começo que era um dos meus livros destinados à autopublicação. Dos meus outros projetos finalizados, dois deles estão numa situação oposta: são livros que sei que só vão funcionar numa publicação tradicional e vou construir o caminho para publicá-los dessa maneira. Gosto demais de ter com essa experiência toda alcançado o momento em que tenho essa leitura mais completa dos cenários, capaz de opinar no que me parece mais um “livro para autopublicar” ou um livro para buscar a viabilização numa publicação tradicional.
Mas o fato segue sendo que meu pontapé foi autopublicado. Eu não entrei pela porta da publicação tradicional nessa festa em que agora aprendi a dançar conforme a música. Se posso pensar em ambos os caminhos hoje, é porque foi ser autopublicado que me viabilizou inicialmente. E se eu passei por isso apesar de todos os privilégios que em pressuposto poderiam ter facilitado minha entrada, posso dizer sem medo que o melhor caminho para os que ficaram marginalizados é aproveitar essas novas rotas que ninguém pavimentou direito ainda – mas isso também quer dizer que são rotas, por enquanto, com menos pedágios para passar.

*Rodrigo Goldacker (@rodrigoldacker) vive de palavras. Trabalha como redator há sete anos e é Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Já publicou dois romances pela Amazon (com um deles, “Eu só existo às terças-feiras”, foi um dos finalistas do primeiro Prêmio Amazon de Literatura Jovem) e mantém um blog no Medium onde escreve um pouco de tudo. Tem 29 anos, mora em São Paulo e no tempo livre gosta de fofocar com sua esposa, passear com sua cachorra Sunna e de sentar na varanda para ler.
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