Se na segunda edição do EELDG as discussões buscaram entender como funcionaria a Lei Cortez na prática, apresentando números e pedindo para que o mercado já trabalhasse para executá-la, nesta edição o que se viu é que ainda há empecilhos e ações que devem ser coordenadas entre os elos da cadeia do livro. A percepção geral é de que a aplicação da Lei parece estar ainda mais distante.
“Temos que entender que estamos todos no mesmo barco”, disseram algumas vezes o editor e livreiro Alexandre Martins Fontes, presidente da ANL, e Guido Cervetti, gerente comercial da Big Sur (distribuidora argentina), no painel que abordou a Lei Cortez e as diferenças entre Brasil e Argentina.
Cervetti deu um panorama de como a chamada Lei de Defesa da Atividade Livreira (Lei do Livro) funciona há 23 anos. “Nunca falamos sobre um preço fixo. O preço fixo é uma mentira”, disse. “O editor define o preço. E o editor tem todo o direito de alterar o preço. Você pode vender o livro quantas vezes quiser, mais caro ou mais barato, e o que a lei faz é regulamentar que o preço de venda seja o mesmo para todos”.
Na Argentina, a regulamentação do preço se fez necessária pelos mesmos motivos que vemos no mercado brasileiro: para que as livrarias tenham os mesmos descontos que os grandes players e, assim, uma competição mais justa. “O problema não é a Amazon, não é o Mercado Livre. O problema é que é sempre cada um por si”. “Acho muito curioso que a concorrência tenha que se basear no preço. Você não compete por preço, tem que competir por qualidade, por atendimento, por curadoria”, provocou Cervetti.
Ainda segundo ele, os 23 anos da lei no país fortaleceram o setor do livro como um todo. “A lei na Argentina é defendida por todos, pelos grandes e pelos pequenos. E acho que tem a ver com essa consciência comunitária que conseguimos construir”. Ele recordou: “Se a editora quiser mudar o preço do livro e vendê-lo pela metade do preço, ela poderá fazê-lo. O que é preciso respeitar é que esse livro é vendido por esse preço em qualquer lugar, na Amazon, no Mercado Livre, na livraria do bairro, na farmácia e no supermercado".
“A situação do Brasil é lamentável”, disse Martins Fontes, ao contextualizar o cenário nacional e abordar a venda direta das editoras ao consumidor final por um preço diferente do que elas mesmas estabeleceram. “Ou seja, editora oferecem descontos que, se os livreiros oferecerem, eles fechariam as portas”, explicou. “As editoras hoje no Brasil cada vez mais atuam no sentido de atravessar o caminho das livrarias, a convidar os leitores brasileiros a não visitarem as livrarias e a comprarem diretamente nos seus sites. Eu diria que esse é a nossa grande luta”, continuou.
Um momento mais tenso no debate foi quando o livreiro respondeu ao questionamento de um editor que afirmou ter o direito de praticar descontos no site próprio. O editor também pontuou que existe uma quebra de confiança na relação entre editoras e livrarias, por motivos como falta de transparência por parte das lojas, demora nos pagamentos e os "traumas" causados pelas falências da grandes redes nos últimos anos.
Outro exemplo dado por Alexandre foi em relação às feiras universitárias e os grandes descontos praticados nesses eventos. “Eu não estou exagerando, eu realmente tenho uma enorme preocupação com o que vem acontecendo no sistema brasileiro”.
A situação na Argentina
Assim como no Brasil, as editoras argentinas também sites de vendas diretas ao público e também contam com feiras universitárias. Segundo Cervetti, os livreiros lá também não gostam desse tipo de evento, onde os editores vendem diretamente ao consumidor final, “mas tudo isso convive pacificamente porque os livros tem a mesma variação de até 10% no preço".
Guido – que trabalha na distribuidora que representa mais de 60 editoras de língua espanhola na Argentina e em toda América Latina – disse tratar a cadeia do livro com entusiasmo porque se trata de um mercado onde um precisa do outro. “Ninguém vai se salvar sozinho. Precisamos entender que fazemos parte de uma comunidade e que todos precisamos uns dos outros. Somos companheiros.”
Sobre a Lei, continuou: “Basta procurar sobre a Lei do Livro na França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Argentina, para ter muitos dados a favor. Competir apenas pelo preço não é liberalismo, não é capitalismo. A verdadeira competição e o verdadeiro capitalismo ocorrem quando há muitos jogadores jogando e o mercado é regulado. Quando há poucos jogadores, é um monopólio”. Como nem tudo são flores, Guido citou que o monopólio é o que acontece com o papel na Argentina. “Eles definem o preço que querem. Se a inflação for de 100%, a inflação do papel será de 350%”, explicou.
Além disso, a não regulamentação do papel e a questão logística e de custo para os livreiros de diferentes locais do país foram apontados por Guido como dois aspectos que ainda precisam ser resolvidos no país.
No sentido de amenizar a discussão, Guido deu ideias de estratégias e parcerias que podem funcionar no mercado brasileiro. "Uma boa estratégia é sempre coordenar todas as ações comerciais em conjunto com a livraria. Trabalhar em conjunto dá muito mais visibilidade. Se você fizer seu post no Instagram, por exemplo, colocando a promoção da sua editora, você faz em colaboração com a livraria, no fim você vai ter tudo: todo o seu público, mais todo o público da livraria".
"Quer exista ou não lei, me parece que o setor do livro tem de ser organizado", finalizou Guido.
Além de pontuarem a importância de todos os elos da cadeia trabalharem em união, o painel também abordou como as questões culturais de Brasil e Argentina e a relação das suas populações com os livros também interferem no mercado editorial como um todo.