Lei Cortez deve influenciar mais a questão cultural do que a econômica, sugere painel no Encontro de Atibaia
PublishNews, Guilherme Sobota, 03/08/2023
Com dados da Nielsen BookScan, Marcos da Veiga Pereira mostrou como os produtos mais desejados do mercado livreiro – os best-sellers – sofrem grande depreciação no valor com a política de descontos atualmente em voga no mercado

Mesa discutiu os possíveis impactos da Lei Cortez na prática do mercado | © Guilherme Sobota
Mesa discutiu os possíveis impactos da Lei Cortez na prática do mercado | © Guilherme Sobota
O presidente da Editora Sextante, Marcos da Veiga Pereira, encerrou o primeiro dia de palestras e conversas do 2º Encontro de Editores, Livreiros, Distribuidores e Gráficos, realizado pela Câmara Brasileira do Livro com diversos parceiros, em Atibaia, em uma mesa com Alexandre Martins Fontes, diretor-Executivo da Editora WMF Martins Fontes e da Livraria Martins Fontes Paulista. Pereira apresentou na noite de quarta-feira (2) números sobre o mercado editorial e disse acreditar que a Lei Cortez – tema central da mesa – seja mais uma questão de transformação cultural do que um mecanismo puramente econômico.

Com dados da Nielsen BookScan, Pereira mostrou como os produtos mais desejados do mercado livreiro – os best-sellers – sofrem grande depreciação no valor com a política de descontos atualmente em voga no mercado.

Segundo os dados, até junho de 2023, o desconto médio praticado pelo mercado em relação ao preço de capa era de 24%. O preço médio – número resultado da divisão do faturamento do período (R$1,1 bilhão) pelo volume de vendas (25,6 milhões) – era de R$46,46. Dos ISBNs ativos no mercado, apenas 3,4% foram lançados neste ano – um dos principais pontos comentados na apresentação.

Em um slide, ele calculou o impacto que a Lei Cortez teria no cenário atual. Dentro do faturamento total do período, o faturamento com os livros lançados desde julho de 2022 (que seriam contemplados pela Lei) é de R$143 milhões, cerca de 12% do total.

"Eu não quero que a minha fala desmotive o trabalho das entidades do livro de fazerem a Lei Cortez ser aprovada", destacou, "mas o faturamento dos livros cobertos pela Lei representaria 12% do total. Isso não vai resolver o problema de margem. Ainda não estamos falando de uma quantidade de dinheiro relevante".

A Lei Cortez prevê que novos livros tenham um desconto máximo de 10% sobre o valor de capa nos primeiros 12 meses após o lançamento. O objetivo é balancear a concorrência e com isso criar possibilidades econômicas mais diversas para livrarias e outros elos do setor do livro.

Pereira – que já foi presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) por mais de uma gestão – também apresentou estimativas suas sobre a concentração dos canais de venda do mercado do livro. Na sua leitura, a Amazon domina 50% do market share atual, seguida por Livraria Leitura (12%), Curitiba (7%), Vila (3%), Travessa (2%) e Dufry (1,5%). E-books representam 7,5% na conta.

O quadro difere radicalmente de 2014, quando o SNEL começou a defender uma regulamentação sobre o desconto máximo. Naquela época, Saraiva, Cultura e B2W ocupavam praticamente 50% do espaço de canais de venda.

O valor do best-seller foi outro ponto ao qual Pereira chamou a atenção dos presentes – cerca de 300 pessoas, lideranças no mercado editorial nacional de diversas empresas do setor. "A gente precisa valorizar os livros. Me impressiona que o best-seller seja a coisa mais descontada. Por que tem que dar desconto no livro mais vendido? Não faz sentido para mim".

Com dados da Nielsen, ele mostrou que em 2023 o desconto médio do Top 10 dos mais vendidos era de 34%. Ou seja, os 10 livros mais vendidos do ano são comercializados ao leitor final com um desconto de praticamente um terço do preço de capa.

"Faz parte da atividade de varejo fazer promoção", comentou. "Mas desconto é outro conceito. Desconto é oferecer parte da margem para o consumidor final, às vezes à toa".

Mudar essa percepção na sociedade – a médio e longo prazo – seria o principal benefício que a Lei Cortez poderia trazer, na sua leitura. Sugerindo ação mais rápida e concreta do próprio mercado e das empresas, ele mostrou dados demonstrando que a Sextante (casa editorial da qual ele é presidente) é a editora de trade que vem praticando o menor desconto médio, cerca de 21%, entre as Top 15 editoras.

"A concorrência não tem a mesma prática, parece meio que largou isso de lado", comentou. "Não quero os meus livros depreciados. Nós, como indústria, temos um dever de casa enorme. Não é do interesse nem do varejista que o livro seja descontado", afirmou.

Em um slide final, ele buscou demonstrar a evolução da relação entre o valor do livro e o salário mínimo, bem como com o valor do papel e a inflação do período nos últimos anos.

"Peguei os dados do lançamento de uma editora pequena lá em 2007, A menina que roubava livros, da Intrínseca. Na época, o preço era R$ 39,90, para um livro de cerca de 400 páginas", explicou.

A tabela mostra a evolução nominal, o preço corrigido pelo IPCA, o número de exemplares por salário mínimo (correlação que caiu pela metade, ou seja, o livro se desvalorizou) e a porcentagem do valor do papel sobre o preço do capa – que saltou de 6,7% para 11,3%.

"É dificílimo resolver isso, porque é uma percepção geral da sociedade", disse, sobre o valor do livro. "Mas repito: a Lei Cortez é uma questão de crença, de atitude, de fazer com que aquela percepção sobre o desconto valha de alguma maneira desde já. Um ano de vendas (sob a lei) não vai dar conta de resolver os problemas", concluiu.

Entidades concordam que a Lei Cortez vem em favor do mercado como um todo

Mais cedo, em outra mesa, representantes das entidades do livro reunidas no evento concordaram que a aprovação da Lei Cortez será um avanço para o setor do livro como um todo, inclusive para varejistas que hoje praticam descontos maiores.

"A Lei Cortez protege o livreiro", afirmou a presidente da Câmara Brasileira do Livro, Sevani Matos. "Mas protege também todo o trabalho intelectual envolvido na produção do livro (editor, preparador, ilustrador, etc). Nos últimos anos, as margens caíram brutalmente. Não só pelo aumento do preço do papel, mas a gráfica, por exemplo, teve aumento no preço do aço, as livrarias têm custos fixos, tudo isso são fatores que derrubaram as margens dos editores. Estamos trabalhando pela aprovação da Lei".

O presidente da Liga Brasileira de Editoras Independentes (Libre), Tomaz Adour, deu uma sugestão que foi bem recebida pelos colegas: passar a chamar a Lei Cortez também de lei do preço comum, em vez de "lei do preço fixo". "Acredito que isso faça o leitor ter uma visão mais indiferente sobre onde ele vai comprar um livro", disse. "A aprovação da Lei pode estimular o surgimento de novas livrarias. Com a lei o preço cai e vende-se mais", concluiu.

Em maio, o projeto de lei 49/2015 – a chamada Lei Cortez – foi desarquivado no Senado Federal após um requerimento da senadora Teresa Leitão (PT-PE), com o trabalho conjunto das entidades do livro.

O projeto "institui a política de incentivo ao mercado editorial e livreiro, regulamenta o preço de capa e políticas de descontos durante o primeiro ano de lançamentos editoriais comerciais". Basicamente, a Lei prevê que nos primeiros 12 meses do livro ele possa ter um desconto máximo de 10%, medida que contribuiria para a bibliodiversidade e seria um auxílio para as livrarias na competição com players internacionais, por exemplo.

*O jornalista viajou a convite da Câmara Brasileira do Livro

[03/08/2023 09:00:00]