
Na América Latina, um dos eventos mais tradicionais é o Prêmio Literário Casa de las Américas. A 64ª edição, cujo resultado saiu no final de abril, reconheceu a novela Buenos Aires, fin de otoño, de Guillermo Adrián Paniaga, a peça de teatro La piel de la tierra, de Marina Jurberg, o ensaio Hace tiempo que caminas. El testimonio andino de la violencia política em el Perú, de Betina Sandra Campuzano e o livro para crianças e jovens El latido de los días, de Mario Carrasco. As obras serão publicadas pela editora da Casa.
Este ano, tive a satisfação de fazer parte do corpo de jurados, como representante da União Brasileira de Escritores (UBE). A instituição tem um longo vínculo com o Brasil. Em 2025, assim como em 2023, haverá uma categoria para autores brasileiros. Será a chance de fazer parte da exclusiva lista de vencedores. Mas a relação com nosso país vai além dos prêmios. Na biblioteca da Casa, é possível ter contato com dezenas de milhares de exemplares de literatura de cordel, além de traduções de autores como Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, entre outros.
As palavras inaugurais do prêmio couberam a Arturo Árias, escritor guatemalteco laureado em 1979 e 1981 e presidente do júri. Em frente à Árvore da Vida, escultura feita pelo artista mexicano Alfonso Soteno, com seis metros de altura e mais de duas toneladas, Árias destacou a importância de avaliar obras literárias não apenas por sua qualidade artística, mas que considerem também a luta dos povos pela preservação de sua cultura: “Devemos ter esses gestos em conta ao analisar as obras no seu duplo registro: como realização artística e como perspectiva descolonizadora para confrontar criticamente o mundo eurocêntrico.”
A frase é atual. Ameaças à cultura e à liberdade são uma constante para os cubanos, acostumados com o embargo imposto pelos Estados Unidos. A situação de momento, entretanto, é uma das mais graves enfrentadas pelos caribenhos nas últimas décadas. Não bastasse a epidemia de covid e a recente passagem do furacão Ian, uma das últimas ações tomadas por Donald Trump foi a aplicação de 243 medidas que estrangularam ainda mais a economia do país insular. Uma delas impede a qualquer embarcação aportar no país norte-americano nos seis meses subsequentes à passagem por Cuba. Tudo controlado por satélites. E tudo, certamente, será registrado em futuras obras literárias.
Quem sabe a sereia coroada, no centro da Árvore da Vida, conhecedora dos mares e dos caminhos das embarcações, sirva de inspiração aos habitantes da ilha para superar mais esse desafio.
No discurso de encerramento, Jorge Fornet, diretor do centro de pesquisas literárias e estudioso de Machado de Assis, destacou ainda a importância de intelectuais brasileiros como Paulo Freire e Darcy Ribeiro para a construção e preservação do acervo cultural da instituição.
O mês de abril também marcou os 65 anos da Casa de las Américas. Fundada em 1959 pela camponesa, guerrilheira e intelectual Haydee Santamaría, a Casa teve o início das comemorações do seu aniversário marcado por um evento realizado no imponente salão Che Guevara, no terceiro piso do edifício onde fica a sede, em Havana. Os principais veículos de imprensa cubanos cobriram a cerimônia.
No livro Hay que defender la vida (Fondo Editorial Casa de las Américas, 2023), sobre Haydee Santamaría, falecida em 1980, os autores Jayme Gómez Triana e Ana Níria Albi Díaz citam a importância das ideias da fundadora da Casa de las Américas para a promoção da cultura e da solidariedade a causas progressistas em todo mundo – em Cuba, no Brasil e nos Estados Unidos, onde estudantes da Universidade de Columbia são reprimidos por defender a vida e a liberdade de um povo.
