Tese busca explicar os desafios de mensurar a autopublicação no Brasil
PublishNews, Talita Facchini, 10/04/2024
Segmento que tem apresentado crescimentos constantes nos últimos anos é complexo e ainda faltam dados para comprovar seu tamanho e relevância no mercado nacional, segundo trabalho do pesquisador Leandro Müller

© Unseen Studio
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A prática da autopublicação no Brasil – e no mundo – tem crescido e ganhado cada vez mais importância nos últimos anos. Seja pela facilidade em encontrar serviços que ajudem na publicação, pelos baixos custos, ou por ser uma “tendência” do mercado editorial, o fato é que cada vez mais o segmento da autopublicação tem mostrado a sua expansão. Mas de quanto, exatamente, estamos falando? Em sua tese de doutorado A autopublicação como negócio no Brasil (Uerj), Leandro Müller, pesquisador do mercado editorial e presidente do Núcleo de Estratégias e Políticas Editoriais (Nespe), foi atrás de responder essa pergunta e esbarrou em alguns problemas.

O primeiro deles foi a constatação de que mesmo que o negócio da autopublicação esteja cada vez mais integrado com o mercado tradicional e que venha se consolidando ao longo dos séculos, muitas vezes ainda é tratado como tabu ou motivo de vergonha.

O segundo problema – e talvez o mais importante – é a falta de dados oficiais. Segundo Müller, conseguir esse tipo de informação é difícil até nos EUA, e não somente pela resistência de algumas empresas em fornecerem tais dados, mas principalmente devido à pulverização e a pluralidade de formas de autopublicação.

“Para conseguirmos ter uma primeira ordem de grandeza da dimensão desse mercado, antes de tudo seria preciso definir um recorte do que pode ser considerado autopublicação”, sugere. “Autopublicação não é uma coisa só, mas um espectro de modos autorais de publicar com assistência ou não. Em seguida, seria preciso ter os números de publicações do KDP, de diversas outras plataformas (como Clube de Autores, Bibliomundi, entre muitas outras), mapear editoras prestadoras de serviços, levantar dados de ISBN etc; e conseguir cruzar e interpretar esses dados".

Segundo dados obtidos por Leandro e fornecidos pela Nielsen em um levantamento feito considerando o ano de 2022, foram 23.313 ISBNs registrados por pessoas físicas. “Trata-se de um mercado crescente. Em número de títulos e autores publicados, é maior que o mercado dito tradicional, embora em número de exemplares e volume financeiro possivelmente ainda seja muito menor”, constata Müller.

“Ter tais dados consolidados seria de grande relevância para compreendermos que a autopublicação não é um mercado paralelo, alternativo ou espaço dos enjeitados, mas um mercado de enorme potencial de expansão de negócios e contribuição à bibliodiversidade”, completa. De fato, o que surgiu séculos atrás com o objetivo de suprir a demanda cada vez mais crescente de publicação por parte dos autores, se tornou um segmento que apresenta crescimentos constantes nos últimos anos.

Segundo dados do The global e-book report de 2016 – pesquisa realizada pelo austríaco Rüdiger Wischenbart e citada na tese de Müller – estima-se que 60% do mercado brasileiro de livros digitais se concentre na Amazon, o que indica uma tendência quase obrigatória de se oferecer e-books na plataforma.

A plataforma Clube de Autores, empresa de autopublicação com 14 anos de história, conta com mais de 80 mil títulos publicados e mais de 60 mil autores em sua comunidade. Segundo seus dados, já há mais de 620 editoras utilizando o modelo de venda e distribuição pelos mais diversos marketplaces, no Brasil e na Europa, como maneira de ampliar o alcance.

Essas 620 pequenas e médias editoras que publicam via Clube de Autores são responsáveis por 15% de todas as vendas da empresa. “São números que, além de surpreender, atestam essa silenciosa – porém definitiva – mudança no mercado: a democratização editorial é, hoje, uma realidade cujo alcance ultrapassa autores e abraça todo um universo de pequenas e médias editoras, garantindo um tipo de diversidade literária que o mundo nunca havia testemunhado”, afirmou Ricardo Almeida, fundador e CEO do Clube de Autores em artigo para o PublishNews.

Voltando à história da autopublicação, como mencionado por Müller, o segmento “é um espectro de modos autorais de publicar com assistência ou não” e pode ser dividido em quatro fases:

  1. Edições do Autor: marcada pela tentativa do autor de conseguir vantagens econômicas diretas a partir da venda das próprias obras. O período também foi marcado pela inexistência de legislação de direitos autorais.
  2. Formalização oficial de empresas dedicadas a oferecer serviços de publicação de livros para escritores ou aspirantes a autores: Empresas foram vistas com “maus olhos”, pois as práticas consideravam um atalho e uma forma de driblar, por meios financeiros, o controle dos guardiões do mercado tradicional.
  3. Impressão digital: novo processo gráfico de impressão. Autores ainda deveriam arcar com os custos dos serviços de impressão. Inversão da lógica oferta-demanda pela demanda-oferta.
  4. Nova ordem editorial: surgimento dos livros digitais. Barateamento de custos, maior circulação e comercialização. Autores não precisam pagar.

Envolvidas nessa história – oferecendo serviços cada uma com sua especificação – estão empresas como KDP da Amazon, Clube de Autores, Wattpad (autopublicação “pura”); Jaguatirica, Labrador, Ibis Libris (prestação de serviço); 7Letras, Autografia, Letramento (coparticipação); Catarse, Kickante, Bookstart (financiamento coletivo).

Quando o assunto envolve audiolivros e publicação, o segmento volta alguns passos. “O que vimos com relação aos livros impressos é que a autopublicação se viabilizou comercialmente em larga escala à medida que se aprimoravam as tecnologias e reduziam-se os custos de produção. Com os audiolivros, mesmo para as editoras tradicionais, hoje ainda é caro produzi-los”, explica Leandro.

Mas, assim como aconteceu com o setor através dos anos, os autores têm encontrado alternativas para terem seus audiolivros publicados. “O que tenho observado é que muitos autores têm se autopublicado nesse formato com muita maestria e conforme melhores as tecnologias e a redução dos custos, a tendência será de crescimento ainda maior. Tenho como exemplo dois alunos nossos da pós-graduação em Escrita Criativa, o Jefferson Sarmento e o Kleiton Ferreira, que autopublicaram no Youtube audiolivros brilhantes”, compartilhou.

Há oito anos pesquisando sobre autopublicação, Leandro ainda procura maneiras de encontrar dados para saber exatamente o tamanho do segmento e sua importância como um todo. No próximo semestre, o Nespe inicia o curso Publicando seus próprios livros, que será também uma oficina para que cada autor saia com um livro publicado.

Para o próximo ano, a editora Modelo publicará um livro com a pesquisa completa sobre Autopublicação. A tese foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

[10/04/2024 09:00:00]