Editor e escritor português Rui Couceiro reflete sobre o passar do tempo em seu primeiro livro e comenta o mercado editorial
PublishNews, Guilherme Sobota, 10/01/2024
Romance ‘Baiôa sem data para morrer’ é publicado no Brasil pela Globo Livros; em Portugal, Couceiro se estabelece como voz destacada do setor do livro

Rui Couceiro, editor português, lança agora seu primeiro romance | © Mariana Benoliel
Rui Couceiro, editor português, lança agora seu primeiro romance | © Mariana Benoliel
Apesar da vontade constante de “olhar para o telemóvel”, o narrador de Baiôa sem data para morrer (Globo Livros), romance do escritor e editor português Rui Couceiro, consegue chegar ao vilarejo de Gorda-e-feia (localização fictícia no Alentejo), para encontrar a casa da sua família restaurada pelo personagem que dá nome ao livro.

Baiôa – o nome é incomum também em Portugal, onde o livro ganhou este apelido e foi também premiado – é um idoso que trabalha nas casas da vila a fim de atrair moradores mais jovens. É o caso do narrador, um professor de 33 anos, viciado nas redes sociais e em busca de uma paz de espírito, confiante de que a encontrará apenas no interior. Situado no interior de um país em acentuada crise demográfica, o próprio tamanho do livro – volume denso de mais de 400 páginas na edição brasileira – contrasta com a vida até então acelerada de seu narrador pelo ritmo da internet.

“Apercebi-me de que não sabia estar sozinho, ainda que, na verdade, não estivesse de outro modo”, diz no capítulo adequadamente chamado de “A busca da lentidão”. A essa exploração de duplo sentido, somam-se no romance tinturas de um realismo fantástico intensamente português e um mosaico de personagens vivos. Como Adelino Reis, barbeiro-taberneiro; Zé Patife, viúvo cuja cantora favorita é Fafá de Belém e que torce por Benfica, Porto e Sporting (em ordem alfabética); a Fadista, que canta fados à janela de casa há pelo menos sete mil noites; e a Ti Zulmira, madrinha de quase todos que nasceram no vilarejo. Os toques de humor do livro buscam disfarçar o caminho que ele toma, a partir de um segredo que Baiôa compartilha com o narrador e que tem a ver com o destino final e inevitável de todos – a morte.

Baiôa sem data para morrer é o primeiro livro de Rui Couceiro, jornalista de formação e editor por vocação. Desde 2006 inserido no mercado editorial português, atualmente ele está à frente do selo Contraponto, chancela de não ficção da Bertrand Editora, onde edita em Portugal livros de nomes como Rita Lee e da apresentadora de TV Cristina Ferreira. Ele também já editou ficção e acompanhou boa parte da carreira de Valter Hugo Mãe, entre diversos outros escritores.

Rui conta ter visitado o Brasil a trabalho dezenas de vezes – a mais recente foi na Bienal do Livro Rio, onde concedeu uma entrevista ao PublishNews, atualizada por uma conversa virtual nesta semana. Ele diz que gostaria de visitar São Paulo para apresentar o livro, mas a oportunidade ainda não se apresentou. “Terminei o meu novo romance no final de 2023 e conto que saia dentro de alguns meses aqui em Portugal. Acabei de o entregar à minha editora”, complementa.

O ofício de editor e a literatura

“Quando se trabalha numa editora, há uma percepção aguda da qualidade literária”, explica, sobre a relação entre os trabalhos de editor e escritor. “Sou editor de não ficção hoje, mas trabalho com muitos romancistas, e trabalhei antes com ficcionistas, como o Valter Hugo Mãe. De fato, tenho a noção de técnicas e ferramentas que o escritor pode ou não usar. Agora, havia duas opções para escrever meu livro: um caminho de policiamento constante, vigiando sempre o meu próprio trabalho, ou o caminho da liberdade. Acredito que a ficção só é ficção verdadeira quando o autor a encara como um território de liberdade total. Como editor, nunca teria feito um livro tão grande, mas decidi fazer porque era aquilo que eu queria de verdade fazer, e eu sabia que estava certo. Também segui a minha intuição em relação ao título”, comenta.

Editor tem quase duas décadas de atuação no setor do livro em Portugal | © Divulgação
Editor tem quase duas décadas de atuação no setor do livro em Portugal | © Divulgação
Ele conta que, para escrever o livro, largou uma tese de “doutoramento” em Estudos Culturais – sobre o impacto de festivais literários nos índices de leitura e interesse das pessoas pela literatura – e com resultados desanimadores, diz, sem se estender, porque, explica, não terminou a pesquisa.

“Eu, como editor, tenho tido ao longo dos últimos anos alguma visibilidade, da qual não fujo” – ele também é colunista e tem suas opiniões requisitadas para diferentes assuntos na mídia portuguesa. “Às vezes não gosto de dar certas entrevistas, não gosto muito de TV, mas não fujo disso porque acho importante para os livros que publico e para a editora que dirijo”. Um dos projetos que liderou com a Contraponto foi a criação de uma série de biografias de figuras de relevo em Portugal, muitas vezes escritas por romancistas.

“Quer dizer, aceito perfeitamente que um editor queira apenas estar na sombra. Eu também fico muito confortável na sombra. Mas também acho que o editor, enquanto curador do seu catálogo, deve aparecer. Se não, a gente está a desperdiçar uma oportunidade de comunicar, e nós sabemos que com tantas editoras e tantos livros a serem publicados, nós temos de fazer alguma coisa para ajudar os nossos livros e os nossos autores a chegarem onde eles querem chegar”, avalia.

Mercado editorial português

Rui explica que houve uma concentração de editoras em Portugal nos últimos 20 anos, em torno dos grandes grupos, mas há também um movimento de casas independentes. “Há uma grande diversidade de títulos, o que no meu entender é salutar. Acho ótimo que haja livros para corresponder ao gosto de todo tipo de pessoas, porque o mercado português é um mercado muito pequeno”, explica.

“Nós temos os nossos vizinhos espanhóis que, para publicarem um livro, fazem exatamente o mesmo esforço que nós fazemos, o mesmo tipo de investimento. A diferença é que nós somos só 10 milhões em Portugal e na Espanha são 50, isso sem falar do caso do Brasil. Mas publicar um livro do Rui Couceiro em Portugal, em Espanha ou no Brasil tem o mesmo custo, o retorno potencial é que é completamente diferente. Portanto, nós vivemos asfixiados por uma pressão da rentabilidade muito grande”.

Para ele, há mais espaço para o intercâmbio editorial entre Brasil e Portugal. “Em Portugal lamentavelmente há ainda por parte de certos setores um preconceito em relação ao português do Brasil, como se fosse um português de segunda categoria”, comenta. “O que não só não é verdade como é ridículo, porque o Brasil conseguiu com o português uma coisa difícil, que é uma sublimação da língua – sublimar que é uma palavra linda já por si”, comenta, mencionando o trabalho de autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa e também de artistas contemporâneos, como Raduan Nassar. “Eu não adapto nenhum livro de português do Brasil para Portugal. Diria que 95, 99% talvez do texto, é igual, e se não for igual a gente procura tirar o significado pelo sentido. Não há necessidade de fazer porque isso até empobrece o texto original”.

Ele lamenta também que os índices de leitura sejam baixos em Portugal quando comparados com o resto da Europa. “Isso é obviamente um grande problema que os governantes em Portugal têm desprezado olimpicamente. Defendo há vários anos que a leitura deveria ser um desígnio nacional e não é, não há nenhum tipo de preocupação com a leitura”.

“Mas eu sou um pessimista na análise e um otimista na ação”, conclui. “Todo editor, todo escritor, toda a gente que trabalha neste meio tem de ser romântico – pelo menos em Portugal, em que o mercado é tão mau, porque se não for romântico, se não fizermos isto por romantismo e por amor aos livros, não fazemos por mais nenhuma razão, porque isto não dá dinheiro” – conclui, num tom bem mais otimista do que faz parecer na frase escrita.

Análises e diagnósticos a parte, Rui conta que a Contraponto teve um 2023 “muito bom”, com dois livros em especial destaque: no primeiro semestre, O dever de deslumbrar, biografia de Natália Correia de autoria de Filipa Martins, “um êxito junto dos leitores e da crítica, que integra várias listas dos melhores do ano e que foi considerado o melhor livro de autor português em 2023 pelo jornal Expresso”; e, no segundo semestre, Ganhar dinheiro, de Pedro Andersson, “o livro de não ficção de autor nacional mais vendido em Portugal este ano, já em 7.ª edição”.

Baiôa sem data para morrer
Rui Couceiro
Editora: Globo Livros
Páginas: 416
Formato: 16cm x 23cm
Preço livro impresso: R$ 69,90
Preço e-book: R$ 49,90

[10/01/2024 09:10:00]