
O discurso político veio, mas não especificamente da Feira – que desde manhã tentou atenuar os efeitos do cancelamento da premiação para a autora palestina Adania Shibli –, mas sim do filósofo esloveno Slavoj Žižek. Ele abordou de frente a questão da guerra entre Israel e Hamas e chamou a decisão de cancelar a premiação de Shibli de “escandalosa”. “Não estou só orgulhoso de estar aqui hoje, estou também um pouco envergonhado”, disse, tirando aplausos e vaias do púbico.
Considerado um grande polemista, Slavoj iniciou seu discurso lembrando que é preciso analisar o contexto histórico do conflito entre Israel e Palestina para “localizar” o ataque do Hamas. “Não haverá paz no Oriente Médio sem resolver a questão palestina. Sim, Israel tem todo o direito de contra-atacar. Mas não se esqueça do contexto escuro e obscuro”.
O filósofo também fez questão de lembrar que somente uma vez a palavra “palestinos” foi usada nos quatro discursos anteriores ao seu. “Deve-se ir até o fim em ambas as direções. Na defesa dos direitos palestinos, bem como na luta contra o antissemitismo”.
O discurso de Zizek foi interrompido por uma pessoa que subiu ao palco para questionar a fala do filósofo dizendo que ele não poderia relativizar os ataques do Hamas. Slavoj retrucou: “Não relativizo de forma nenhuma. Só estou dizendo que falar do jeito que você falou agora, imediatamente coloca os palestinos em uma situação impossível". "Agora vocês veem o que significa na prática a questão da diversidade de vozes e inclusão”, completou.

Quando as reclamações do público começaram, Slavoj mais uma vez justificou: "Não estou elogiando os palestinos, estou apenas dizendo para vermos a situação deles na Cisjordânia, eles estão num limbo. É uma tragédia".
“Por que estou dizendo tudo isso na Feira do Livro de Frankfurt? Porque é só através da leitura que podemos tomar consciência da situação. A literatura é o meio privilegiado para tornar palpável a profunda ambiguidade e complexidade da nossa situação”, disse ao fim de seu discurso.
Após o discurso de Žižek, Juergen Boos, presidente da Feira, subiu ao palco para reiterar mais uma vez que a Feira condena todos os ataques feitos até agora e acrescentou: “Fico feliz por termos ouvirmos o discurso até o final, mesmo que não tenhamos gostado dele. Mesmo que o condenemos, é importante que nos escutemos”.
"É a liberdade da palavra. E temos que deixar essa liberdade como está, isso é importante para mim. Acho que para esta comunidade, e acho que posso falar em nome dela: nós condenamos o terrorismo. Somos humanos e pensamos em termos humanos tanto no lado israelita como no lado palestino. E é importante para mim compreender que todos concordamos em condenar a desumanidade, em condenar o terror. E acho que todos vocês estão comigo nisso", disse ainda.
Logo em seguida, Karin Schmidt-Friderichs, presidente da Associação Alemã de Editores e Livreiros, também subiu ao palco para dizer que “se sentiu confusa pelas palavras que acabou de ouvir” antes de inaugurar a 75ª edição da Feira do Livro de Frankfurt.
Antes de Žižek...
A cerimônia iniciou com um bate-papo sobre hábitos de leitura, e outros assuntos relacionados ao livro, com a participação de Juergen, Karin, Mike Josef, prefeito de Frankfurt, e Angela Dorn, ministra de Estado da Ciência e das Artes do Estado de Hesse. Depois de responderem o que gostam de ler, Boos mais uma vez reforçou que a feira é uma plataforma democrática.
Já a ministra Angela falou sobre a importância de se atentar para as fake news envolvendo o Hamas. “Nesses tempos de crise é crucial nos agarrarmos nos fatos reais e ouvirmos uns aos outros”, disse, antes de agradecer Boos por ajudar a tornar a feira “um lugar onde ideias diferentes podem ser ouvidas”.
Mike Josef, por sua vez, também condenou os ataques do Hamas. “Não devemos só apoiar os judeus. Vimos demonstrações celebrando os ataques dos Hamas, é muito desafiador ver que os israelenses estão lutando pela sua sobrevivência. Nós deveríamos nos juntar a favor dos direitos humanos”, disse.
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