Em entrevista ao PublishNews, o diretor Júlio Bressane comenta que sua inspiração para a produção do filme começou com uma conversa com Haroldo de Campos, a partir de um poema que ele lhe declamou ainda na década de 1980. O trocadilho entre Capitu e capítulo foi o que perdurou com Bressane durante o tempo de maturação do filme: "Ficar lendo com uma atenção absoluta, e aquilo de repente se interrompe. Em um livro que tem aproximadamente 170 páginas e 148 capítulos; é uma sucessão, um surto de capítulos. E isso se dá de forma recorrente nas chamadas grandes obras do Machado de Assis”, comenta o diretor.
O diretor já havia trabalhado anteriormente com texto e personagens de Machado de Assis no filme Brás Cubas, de 1985, inspirado no romance Memórias póstumas de Brás Cubas. “A prosa capitular sugere a montagem cinematográfica. Os capítulos são retalhos de outros capítulos, de outras ficções, de outros recomeços, traço apagado de um perfil”, comenta, sobre Dom Casmurro.
O diretor coloca o longa, na verdade, como uma "distorção da obra" original de Machado. Em Capitu e o capítulo, o mais importante não é a narrativa convencional do texto original de Machado, mas a forma e a reflexão das inúmeras interrupções de 11 dos vários capítulos da obra. Bressane comenta que observou essas interrupções sucessivas como um "sintoma" de um signo artístico que merecia ser explorado.
A permanência do texto de Machado
Não é a primeira vez que Dom Casmurro é adaptado no audiovisual brasileiro. Em 2003, o livro foi adaptado para o cinema em Dom, pelo diretor Moacyr Góes. E em 2008, a Rede Globo transmitiu os cinco episódios da minissérie Capitu, produção dirigida por Luiz Fernando Carvalho lançada no centenário da morte do autor, e que eternizou Maria Fernanda Cândido no papel de Capitu.
Essas produções contêm particularidades como o recorte de época ou até mesmo o tom "barroco" da narrativa, mas apresentam como elemento central a famosa dinâmica envolta da dúvida e do ciúmes dos protagonistas. Já em Capitu e o capítulo, o foco de Bressane está em explorar o texto de Machado a partir daquilo que se mostra inicialmente oculto.
O ritmo do filme é lento e permite que os espectadores adentrem as cenas e contemplem as misturas de artes presentes no filme. Pinturas, músicas e sons e também os textos machadianos tornam o filme uma viagem que vai além da "dúvida" em torno da traição de Capitu. "As diferenças do tempo e da duração estão dentro da expressão do filme, e também estão dentro do texto do Dom Casmurro, são coisas que estão lá, mas passaram despercebidos pela leitura da época”, afirma Bressane.
O diretor afirma que observou a questão do capítulo como um "sintoma" de uma patologia estilística.
”Quantos artistas reproduziram com algum signo artístico a sua patologia mais profunda, que molda o estilo. Pensei que essa seria a patologia que marca o Dom Casmurro, e o capítulo seria o signo artístico da patologia e da epilepsia”, comenta. No filme há, inclusive, uma cena em que Enrique Diaz, que interpreta Casmurro, tem um ataque epilético.
Bressane reafirma que o principal fator está no poder do texto de Machado de Assis e de sua permanência clássica, o que lhe confere um caráter em que o "novo está justamente em poder fazer uma remontagem do pensamento”. Na visão dele, a pouca experiência de leitura de Machado faz com que existam ainda muitos caminhos e leituras a serem explorados dentro do texto – "que ainda precisa ser 99% decifrado”.
O filme tem sessões dentro das seguintes praças: São Paulo, Rio de Janeiro, Aracaju, Balneário Camboriú, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife e Salvador. A classificação indicativa é 14 anos.
Confira o trailer de 'Capitu e o capítulo':
*Estagiária com a supervisão de Guilherme Sobota
