Onda de ressentimentos e sugestões para os editais: a repercussão do erro da Companhia das Letras no Prêmio São Paulo
PublishNews, Guilherme Sobota, 27/07/2023
28 livros da editora ficaram de fora de uma das principais premiações literárias do país; nas redes sociais, autores, editores e leitores manifestaram suas opiniões sobre o assunto

Jarid Arraes foi uma das autoras que ficou de fora da disputa | © Grupo Companhia das Letras
Jarid Arraes foi uma das autoras que ficou de fora da disputa | © Grupo Companhia das Letras
O meio literário e editorial repercutiu o erro que deixou a Companhia das Letras de fora da disputa do Prêmio São Paulo de Literatura 2023. A notícia circulou a partir da noite de terça-feira (25), e na quarta autores, editores e leitores usaram as redes sociais para manifestar suas opiniões sobre o assunto – grande parte lamentou o ocorrido (afinal, em 2022, sete dos 10 livros finalistas eram do grupo editorial), e houve quem também defendeu que seria injusto revisar as inscrições agora, afinal outras editoras e autores também já foram desclassificadas por erros semelhantes no passado. Houve também menções a ressentimento, manifestado por parte dos "haters".

Nesta quinta-feira (27), a editora publicou um pedido público de desculpas aos autores nas redes sociais, reconhecendo o erro. "Entendemos a gravidade da situação, sentimos muito, e garantimos que estamos conduzindo uma revisão completa de nossos processos para que falhas como essa não se repitam", diz o texto.

O edital do Prêmio prevê duas fases de inscrição, uma totalmente on-line (em que são enviados versões em PDFs dos livros inscritos) e outra que exige a necessidade do envio de 10 cópias físicas de cada exemplar. Essa fase – que foi descumprida pela Companhia, segundo o Diário Oficial – não é passível de revisão ou recurso, segundo o edital.

Neste ano, também houve uma mudança no processo de inscrição: ele passou a ser realizado na plataforma própria de gerenciamento de editais da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de SP, denominada ProAC Editais.

No Facebook, o editor Eduardo Lacerda – da Patuá – sugeriu que seria positivo acrescentar uma etapa de revisão e correção de erros nos processos de editais. "Acho que todos os prêmios deveriam ter uma etapa de saneamento de falhas, estamos tratando de cultura, de literatura, de pessoas, não de prazos de banco e cartório", escreveu. "Se as falhas não são de má-fé (erro para fraudar o prêmio), dar um prazo de 5 dias para a correção não prejudica o cronograma, ne a lisura de nenhum prêmio. Pessoas cometem erros". Ele também destacou, porém, que não seria justo com outras editoras revisar neste ano apenas as inscrições feitas pela Companhia das Letras. E concluiu, lamentando: "E também ganhar prêmios é bom, mas sem alguns dos melhores concorrendo, que graça tem?"

A escritora Jarid Arraes – cujo livro Corpo desfeito foi impedido de concorrer por conta da inabilitação – também lamentou ataques e "hates" nas redes sociais. "Rindo pq tem gente falando que 'não tem pena de autor de grande editora'", escreveu no Twitter. "Eu que passei alguns anos independente e fui enganada por editora independente, só posso rir lembrando da pandemia, eu com câncer, sem trabalho e em editora grande. Dá um tempo, zé fuleragem!"

Micheliny Verunschk, vencedora do Prêmio São Paulo e de outros premiações importantes, usou as redes para falar sobre um ressentimento que identificou na repercussão da notícia. "mas, mais lamentável que isso é ver o quanto nosso território vem se tornando o país dos ressentidos. nas redes, é possível ver o quanto alguns vibram pelo pior, o quanto opiniões passivo-agressivas tentam disfarçar uma alegria perversa. e isso no cenário literário vem (e não é de hoje) me causando um mal-estar. ver gente aparentemente bacana, seguramente talentosa (tá, nem sempre), terrivelmente rancorosa destilando veneno contra seus pares me dá, a mim, uma noção desalentadora do buraco em que estamos metidos (e que não foi o fascismo que inaugurou)", escreveu.

Ao expressar solidariedade aos colegas, citou Nieztsche para lamentar quem celebrou o erro. "o ressentido se vê como bom, enquanto enxerga o outro como o mal e percebe toda suposta vitória do outro como um ataque pessoal. acompanho as redes quase sempre com um olhar perplexo. e, não raro, com asco. hoje perplexidade e asco se igualaram". Nos comentários, a escritora Maria Valéria Rezende escreveu: "Pois... bem dizia minha vó que: o cotovelo é a parte do corpo que mais influencia a vida social...".

A escritora Fabiane Guimarães – que já foi finalista do Prêmio e em 2023 lançou um novo romance pelo selo Alfaguara, da Companhia – disse ter ficado muito triste com a notícia. "Foi também com espanto que vi, no pântano que virou aquela rede social onde antes habitavam passarinhos, comentários de felicidade, escárnio e até mesmo piadinhas. Outros escritores comemorando a derrocada de seus 'adversários', celebrando a queda de um grande 'conglomerado editorial', esquecendo-se que somos todos colegas, e todos ralamos e sofremos com as incertezas criativas."

Sérgio Rodrigues, cujo A vida futura ficou de fora da premiação deste ano, escreveu no fim da noite: "Obrigado, Flamengo, pela alegria num dia triste. SRN!".

O Prêmio São Paulo de Literatura é a maior premiação em valor individual do país e tem vasta influência no mundo editorial. Mesmo escritores que cheguem aos estágios finais do Prêmio conseguem abrir portas nas suas carreiras que de outras formas seriam mais difíceis de alcançar.

Veja os últimos vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura:

Melhor romance do ano

  • 2019 – Ana Paula Maia – Enterre seus mortos (Companhia das Letras)
  • 2020 – Claudia Lage – O corpo interminável (Record)
  • 2021 – Edimilson de Almeida Pereira – Front (Nós)
  • 2022 – Antônio Xerxenesky – A tristeza infinita (Companhia das Letras)

Melhor romance de autor estreante

  • 2019 – Tiago Ferro – O pai da menina morta (Todavia)
  • 2020 – Marcelo Labes – Paraízo-Paraguay (Caiaponte)
  • 2021 – Morgana Kretzmann – Ao pó (Patuá)
  • 2022 – Rita Carelli – Terrapreta (34)

Veja a repercussão da notícia nas redes sociais:

[27/07/2023 08:20:00]