Como é feito um audiolivro? Números ainda são tímidos no setor editorial brasileiro, mas sugerem crescimento
PublishNews, Guilherme Sobota, 19/07/2023
As pesquisas do setor mostram que tendências internacionais, como ​​boa presença dos serviços de assinaturas e streaming para ouvir audiolivros, podem se consolidar também no Brasil

Produção de audiolivros envolve diversas etapas, do contato com as editoras à masterização | © Tocalivros
Produção de audiolivros envolve diversas etapas, do contato com as editoras à masterização | © Tocalivros
Boa presença dos serviços de assinaturas e streaming, domínio da não ficção e crescimento contínuo: esses são alguns fatores envolvendo audiolivros apontados pelos números da última Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro, divulgada por SNEL, CBL e Nielsen Book, e pela sua primeira série histórica. Os números dizem respeito a produção e vendas das editoras – agora, o PublishNews resolveu visitar uma produtora e plataforma de audiolivros, a Tocalivros, para entender e mostrar como é feito um audiolivro.

Antes, aos números: há uma diferença interessante entre o acervo digital medido desde 2019 e os lançamentos de 2022: 6% do acervo é áudio; já em 2022, 12% de toda a produção de livros digitais foi dedicada ao áudio.

As vendas de livros em áudio chamadas à la carte (ou seja, a venda de uma unidade inteira) ainda foram tímidas, relativamente: apenas 2% do volume de vendas de livros digitais diz respeito ao áudio. Dentro dessa fatia, 75% dos audiolivros vendidos são de não ficção. Em faturamento, esses mesmos números caem para 1% e 68%, respectivamente.

Já em assinaturas (que envolvem serviços de assinatura de livros digitais, bibliotecas virtuais, plataformas de educação e outras), o áudio tem uma participação maior: 21% (de um valor de cerca de R$ 113 milhões) tem a ver com os audiolivros nesta categoria.

Dados sugerem que a tendência internacional de crescimento dos serviços de assinatura pode se instalar também no Brasil | © Nielsen, CBL e Snel
Dados sugerem que a tendência internacional de crescimento dos serviços de assinatura pode se instalar também no Brasil | © Nielsen, CBL e Snel
“A gente pode dizer que a não ficção é efetivamente onde o áudio se realiza”, disse a economista Mariana Bueno, da Nielsen Book, na apresentação da pesquisa, em maio.

“Em 10 anos de mercado, vemos a produção e o interesse dos leitores se tornarem também audio-ouvintes”, diz o diretor editorial da Tocalivros, Fabio Uehara. “Ou seja, a leitura por audiolivros se torna uma forma cada vez mais relevante de conhecer seus livros favoritos. O mercado ainda está se preparando para atingir um público maior. Mas o que percebemos é que as editoras estão produzindo cada vez mais e nos procurando para fazer parcerias. A cada ano estamos produzindo cada vez mais títulos, de acordo com a demanda vinda dos leitores, e dos mais diferentes gêneros. Estamos chegando no ponto em que, se as editoras não tiverem audiolivros de seus títulos, elas ficarão para trás na história”.

  • Como é feito um audiolivro?*

1) Contato com as editoras

O passo inicial é o contato com as editoras. A produtora de audiolivros pode oferecer um projeto para uma editora ou receber demandas, em diferentes estágios: às vezes a editora só encomenda o audiolivro, às vezes ela requer uma participação maior no processo. Tudo isso depende da negociação inicial e da feitura do contrato. Desde essa fase já podem ser decididos outros elementos centrais do desenvolvimento, como quem será o narrador, se haverá trilha sonora, e diversos outros fatores. Com o contrato assinado, quem assume é o time de pré-produção.

2) Pré-produção

Um processo demorado e que na Tocalivros foi construído de maneira sui generis, ou seja, foi sendo desenvolvido de acordo com as necessidades que a empresa sentiu. Na casa, são profissionais de texto (oriundos dos cursos de letras ou comunicação) que fazem um dedicado trabalho editorial de triagem.

É nesta fase que ocorre uma roteirização a partir do texto original (para apontar quando é um narrador e quando é um personagem, por exemplo). A equipe também pesquisa e indica elementos constituintes da obra e da biografia do autor, pronúncias de palavras específicas, faz referências para a edição, também aborda e pensa textos extras que podem ser usados em outras fases no futuro, como o marketing, enfim – realiza toda uma preparação para o texto escrito passar a ser um texto narrado.

3) Produção

Um dos aspectos centrais da produção de um audiolivro é a escolha de um narrador. Ele ou ela podem ser um ator, um jornalista, um dublador, locutor, às vezes o próprio autor – entender e balancear essa escolha faz parte do trabalho de uma produtora de audiolivros que queira ser bem sucedida.

Cada narrador tem um processo de trabalho – uma leitura antecipada, por exemplo, ou um processo para encontrar a entonação –, e na sede recentemente reformada da Tocalivros há seis cabines individuais de leitura e gravação, onde o narrador é acompanhado por um ou dois diretores/produtores. Em média, uma hora de um audiolivro requer pelo menos duas horas de narração e gravação. Há diversas variáveis: por exemplo, se o livro em questão usa a voz de apenas uma pessoa (que lê ou interpreta as diferentes vozes literárias), ou se ele precisa de mais pessoas envolvidas na narração.

Edição é praticamente artesanal; processos da indústria audiovisual são incorporados | © Tocalivros
Edição é praticamente artesanal; processos da indústria audiovisual são incorporados | © Tocalivros

4) Edição

O editor recebe os arquivos narrados e passa a acompanhar a gravação, simultaneamente, ao texto escrito e roteirizado no início do processo. Ele então faz o trabalho praticamente artesanal de ajustar o arquivo, remover falhas, respirações fora de lugar, eventuais ruídos ou qualquer tipo de erro que tenha passado despercebido no processo de produção. O editor pode inclusive ter que solicitar ao time de produção regravações de trechos ou frases se considerar necessário. No processo de edição, a conta é alta: em média, uma hora narrada e finalizada requer pelo menos um dia inteiro de trabalho.

5) Pós-produção, mixagem e masterização

É nesta fase que são revisados os processos anteriores e incorporados eventuais efeitos sonoros (que a Tocalivros produz, como produtoras audiovisuais, no conceito de foley) e trilhas musicais (às vezes também produzidas na casa). Em seguida, o áudio passa por um processo de mixagem e masterização comum nas indústrias audiovisuais, aqui voltado para “encorpar” os sons, acertar volumes e evitar perdas na compressão do arquivo – uma questão a ser pensada. Uma música de 3 minutos tem um tamanho diferente de audiolivro de 10h ou 15 horas – para se ter uma ideia: 48 mil caracteres com espaço (o que corresponde a cerca de 20 páginas, em média) resulta em cerca de uma hora de áudio. O que se busca na masterização é um som alto, que atenda diferentes necessidades: poder ouvir com qualidade, por exemplo, no carro ou na academia, é mandatário.

6) Comercialização

Após a finalização do arquivo, ele segue para divulgação e comercialização: seja no site/app da Tocalivros, seja em outras plataformas (às vezes, editoras apenas contratam o serviço de produção, e fazem a comercialização por conta própria).

  • Números da Tocalivros:
  • São 112 editoras parceiras diretas
  • 877 parceiros no total, contando parceiros de distribuição
  • +50k e-books
  • +2.5k audiolivros
  • +1200 autorais
  • Outras empresas no ecossistema dos audiolivros:
  • Bookwire
  • Audible (Amazon)
  • Storytel
  • Centauro Comunicaciones
  • Skeelo
  • Ubook/Audimo
  • Spotify
  • Apple
  • Livroh

* O processo de produção de um audiolivro pode tomar diversos caminhos e tem muitas variáveis, a depender do gênero textual, da editora em questão, do estilo, do idioma e diversos outros fatores. Para realizar este guia inicial e que não se pretende exaustivo, a reportagem visitou e acompanhou parte de um dia de trabalho na Tocalivros.

Na Tocalivros, são 18 pessoas na produção, que trabalham com cerca de 40 narradores. Coordenador de pré-produção: Victor Hugo. Coordenador de produção: Rafael de Falco. Coordenador de edição e Foley: Thiago Nalin. Projetos especiais e compositor da casa: Juscelino Filho. Produtor Artístico: Clayton Heringer. Diretor de conteúdo: Fabio Uehara.

[19/07/2023 09:40:00]