Editores olham com desconfiança para Americanas e lamentam nova crise
PublishNews, Guilherme Sobota, 27/01/2023
Confira a repercussão entre os principais grupos editoriais do país sobre a recuperação judicial da varejista

Lojas Americanas: futuro incerto | © Eduardo P/Wikimedia Commons
Lojas Americanas: futuro incerto | © Eduardo P/Wikimedia Commons
As indefinições no caso Americanas ainda preocupam diversas editoras que agora passam a ser credoras da varejista. A dívida das Americanas com as editoras chega a pelo menos R$ 85 milhões, sem contar as distribuidoras de livros. Para editoras e editores ouvidos nesta semana, a situação é desconfortável, mas ter enfrentado as crises agudas de Saraiva e Cultura também fornece ferramentas para lidar melhor com a situação.

A diferença óbvia entre as duas circunstâncias é que a atividade-fim de Saraiva e Cultura era vender livros – grande parte da dívida quando da recuperação judicial, portanto, era com as editoras. Nas Americanas, o universo é menor – porque atinge apenas as maiores editoras do mercado –, bem como o volume de negociações.

Uma questão que aparece é a seguinte: a Americanas operava em regime de compra com as editoras, e não consignação. Portanto, as editoras precisam honrar os direitos autorais dos livros mesmo que a varejista não pague sua dívida. “Se cria uma situação desconfortável se você pensar que, destes R$ 7 milhões devidos, honraremos quase R$ 1,5 milhões em direitos autorais”, explica a presidente do Grupo Editorial Record, Sônia Machado Jardim.

O diretor comercial da Editora Planeta do Brasil, Gerson Ramos, comenta que por conta dessa questão, e dependendo do volume que as editoras tinham em vendas para as Americanas, o prejuízo pode ser até maior do que foi no caso da Cultura. “O mais provável é que as editoras busquem atuar de forma conjunta para evitar uma exposição onerosa para todo mundo”, acrescenta.

O impacto nas editoras de livros didáticos chamou a atenção do sócio-diretor da Sextante, Marcos da Veiga Pereira. “Não me dava conta que a operação do didático fosse tão relevante (nas Americanas)”, comenta. “Se somar os didáticos, a dívida é de quase R$25 milhões. Acredito que algumas editoras vão passar ao largo, com dívidas menores, mas há um impacto financeiro grave”.

O momento também cria certa desconfiança para continuar a fazer negócios com a varejista. O diretor comercial e de marketing da Rocco, Bruno Zolotar, afirma que houve uma sinalização de pagamento parcial da dívida antes do pedido de recuperação judicial, que acabou invalidando a negociação. “As atividades comerciais com o cliente estão suspensas, aguardando os trâmites jurídicos”, informa. “Além de buscarmos uma devolução parcial do estoque no cliente, esperamos que os sócios de referência injetem capital para que a operação volte a funcionar minimamente e que o processo de RJ não se arraste”.

O PublishNews entrou em contato com diversas outras editoras que estão agora na lista de credores das Americanas, mas elas preferiram não se pronunciar sobre o caso.

Veja a repercussão do caso Americanas entre as editoras:

  • Sônia Machado Jardim, presidente do Grupo Editorial Record:

“O impacto do pedido de recuperação judicial da Americanas não é tão grande quanto foi o da Saraiva, pois a empresa, contando as lojas físicas e os sites, dependendo da editora, detinha entre 5% e 10% do mercado. Quando a Saraiva entrou em recuperação judicial, ela respondia por 30% do mercado.

No caso específico do Grupo Editorial Record, estamos vindo de um ano histórico em termos de faturamento, o que nos dá alguma tranquilidade para encarar mais este sobressalto, mas é claro que cria uma situação desconfortável se você pensar que, destes R$ 7 milhões devidos, honraremos quase R$ 1,5 milhões em direitos autorais.

Portanto, esperamos, de alguma forma, reaver o valor devido”.

  • Marcos da Veiga Pereira, sócio-diretor da Sextante:

"É um mega baque financeiro, para todo mundo, alguns com maior ou menor impacto. Essa RJ é mais concentrada do que foi a da Saraiva e da Cultura, pelo fato dessas estarem no cerne do negócio de todas as editoras. Aqui está muito mais localizado no universo de editoras maiores, tanto o impacto digital como das lojas físicas. Não me dava conta que a operação do didático fosse tão relevante (nas Americanas). Se somar os didáticos, dá quase R$25 milhões. Algumas editoras vão passar ao largo, com dívidas menores. Mas tem um impacto financeiro grave. A operação on-line já vinha perdendo relevância. Acredito que vai ser absorvida pelos outros players. É uma pena porque era uma aposta para criar mais acessibilidade ao livro, no sentido de algo que pode ser comprado na maioria dos municípios. No Brasil não temos a cultura por exemplo de vender e comprar livros nos supermercados, e a Americanas fazia um pouco esse papel. A Sextante sempre apostou em canais assim. No momento, não sabemos se e como vamos continuar vendendo".

  • Bruno Zolotar, diretor comercial e de marketing da Rocco:

“No curto prazo, essa situação da Americanas e do Submarino traz de imediato um impacto no caixa das editoras e uma total insegurança em fazer negócios com a varejista. Tinhamos acabado de fechar uma promessa de pagamento de parcela da dívida e poucas horas depois soubemos do pedido de recuperação judicial, invalidando tudo.

As atividades comerciais com o cliente estão suspensas, aguardando os trâmites jurídicos. Além de buscarmos uma devolução parcial do estoque no cliente, esperamos que os sócios de referência injetem capital para que a operação volte a funcionar minimamente e que o processo de RJ não se arraste e tenha desfecho prejudicial para as editoras, como os recentes da Saraiva e o da Cultura. Do lado comercial, a Rocco vai buscar novas estratégias para aumentar as vendas em outros clientes e desenvolver novos canais para recuperar o volume de vendas que seria da Americanas.”

  • Gerson Ramos, diretor comercial da Editora Planeta do Brasil:

“Eu imagino que deve acontecer algo parecido com o que aconteceu no caso da Saraiva, as editoras devem se organizar em um grupo. Ainda há algumas movimentações que os bancos estão fazendo que podem interferir no modelo da recuperação judicial. Ainda está tudo muito vago. O mais provável é que as editoras busquem atuar de forma conjunta para evitar uma exposição onerosa para todo mundo. Além dos valores comprometidos, se estabelece uma nova relação com um cliente que fica sujeito a perder crédito. A tendência é interromper (as vendas). Uma diferença é que o acervo da Saraiva era muito grande e estava consignado. Ou seja, esse valor não entrava automaticamente na dívida, e após a RJ, foram realizadas as vendas. Aí é pior nas Americanas por conta da questão dos direitos autorais. Dependendo do volume que a editora tinha, pode ser até mais oneroso do que no caso da Cultura".

[27/01/2023 09:40:00]