
Presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) de 2018 a 2021 – o período da pandemia e do governo daquele que ele mesmo chama de "inominável" – e professor de de Literatura Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lucchesi é formado em história e ostenta uma extensa série de títulos acadêmicos. Autor de diversas obras e envolvido também em projetos sociais relacionados ao livro, leitura e escrita, chega agora à Biblioteca Nacional reconhecendo o trabalho de gerações e gerações de funcionários que dedicaram suas vidas ao espaço.
"Os funcionários são de grande competência, têm um plano e uma visão, a instituição é quase como se fosse uma verdadeira cidade, que se organiza, cria interfaces", comenta. Para ele, uma das grandes questões atuais das Bibliotecas no mundo todo é o espaço. "Na legislação, a BN tem o dever de recolher livros, conservar, criar metadados e difundir informações sobre isso. A importância é enorme".
Outra perspectiva que ele destaca é a conservação dos livros, não só no material mas também no plano digital. "São dois processos caros, exigentes. Nenhuma BN do mundo está pari passu com a produção, tem sempre um gap. Reforço a necessidade de fornecer grandes parâmetros de informação e metadados. O digital não é eterno, não é garantido. Atualmente, o bibliotecário tem uma dupla condição, de olhar para o real e para o virtual, e agregar pontos distintos", afirma.
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— Marco Lucchesi (@marcolucbr) January 13, 2023
Visivelmente animado com o desafio que tem pela frente – a animação será sentida pelo leitor na próxima edição do Podcast do PublishNews, na qual ele é o convidado –, Lucchesi reforça o "grande entusiasmo" demonstrado pela equipe do recém reformulado Ministério da Cultura. "Há uma grande paixão, uma esperança". Ele relaciona esse afeto à missão de formar leitores no Brasil e cita um trecho de um escrito de San Juan de la Cruz: "Y adonde no hay amor, ponga amor, y sacará amor".
"O amor pode ser definido como entusiasmo, que precisa ser trabalhado com grande aderência. (Formar leitores) é um trabalho sinfônico. O valor da leitura só acontecerá a partir de alguns elementos chaves, junto com o livro: justiça social, oportunidades iguais. Isso não depende só das escolas e das famílias. Mas posso dizer que a fome de leitura de livro no Brasil é enorme", diz.
História com a BN e nomeação
A história de Lucchesi com a Biblioteca Nacional começa quando ele tinha uns 15 anos, com o que ele chama, brincando, de "razão amorosa". Ele estudava história colonial e procurava livros antigos, e desde cedo mantinha vivo um interesse por diferentes línguas e idiomas, interesse facilitado pelo ambiente da BN.
Mais tarde, nos anos 1990 e 2000, participou da edição da revista Poesia Sempre, ao lado de nomes como Affonso Romano de Sant'Anna, Ivan Junqueira, Ferreira Gullar e outros. Também colaborou como editor de obras raras da instituição – como a reunião em volumes do jornal O Espelho, um dos laboratórios de criação de Machado de Assis.
Recentemente, em 2022, Lucchesi decidiu recusar a medalha de Ordem do Mérito do Livro, concedida pela Biblioteca Nacional, porque o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) também seria um dos agraciados. Silveira foi condenado a quase 9 anos de prisão por atos antidemocráticos e ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal. O ato de Lucchesi foi acompanhado pelo colega de ABL, Antônio Carlos Secchin, que também recusou a distinção na época.
"Fiquei muito indignado", comenta agora Lucchesi. "Meu temor era que a minha voz, de longe, não fosse suficientemente clara para que depois não se dissesse que eu aceitei de bom grado. O ente mais antigo da cultura brasileira não pode ser rádio difusora de perspectivas ideológicas. A Biblioteca não é sequestrável a partir de um governo, ela é um órgão de estado. Não tinha um Minc, ficava muito difícil encontrar um diálogo. Preferia não ter reagido com intensidade, mas estávamos todos indignados. Não estávamos preparados para dizer que a Terra é plana", afirma. "Entre 31/12 e 1/1, saímos do paleolítico e chegamos ao século 21", celebra.
Um dia antes dessa mudança, em 30 de dezembro de 2022, ele conta que estava na Itália, cidade de Massarosa, província de Lucca, na Toscana, e recebeu o convite. "É a cidade de origem da minha família, e ao mesmo tempo ela foi libertada pelos pracinhas da FEB na Segunda Guerra. Ela se reveste para mim de uma relação muito mítica. Então recebo o telefonema da ministra no dia 30 de dezembro e não vacilo um só instante, volto imediatamente ao Brasil".
Já em janeiro, Lucchesi fez uma visita surpresa na Biblioteca Nacional, onde conversou com os funcionários – alguns chegaram a chorar de emoção com as novas perspectivas. "Foi muito importante a visita, fiquei quase 6 horas andando na BN. Ainda não estou empossado, mas foi um encontro de abraços, passando por todos os setores. Houve lágrimas e emoções".
O novo presidente manifesta ainda o desejo de conversar com os aposentados da instituição. "A perspectiva de uma Biblioteca com mais de 200 anos é a do trabalho de muitas gerações se empenhando, uma verdadeira res pública. Precisamos ampliar a internacionalização da Biblioteca, consolidar a cooperação que já existe e ampliá-la, dentro e fora do Brasil. Ao mesmo tempo, podemos por exemplo discutir a inteligência artificial, em alguns níveis, como ela pode auxiliar ou não".
Já começamos a abrir diálogos informais com as grandes bibliotecas do mundo.
E, nesse exato capítulo, uma boa conversa com a UNESCO.
— Marco Lucchesi (@marcolucbr) January 18, 2023
Ele conclui, sobre a comunidade do livro no país: "É uma grande rede, da qual todos nós fazemos parte, de sonhos e obstinação, de uma esperança teimosa, defendendo o livro, a cultura, a leitura. Tenho esse pacto com vocês, meus queridos amigos de utopia".