Diário de Londres: mesmo trocando gato por vaca, no fim, dá certo
PublishNews, Leonardo Garzaro*, 08/04/2022
Encerrando seu diário de Londres, Leo conta como enfrentou o evento mesmo com um pé machucado e ainda conseguiu fechar negócio

Feira de Londres 2022 | © Divulgação
Feira de Londres 2022 | © Divulgação
Após a publicação das primeiras matérias no PublishNews, recebi algumas mensagens de editores e autores brasileiros. A pergunta mais comum era sobre o tamanho da feira, quantos editores, metros quadrados, expositores. Essas informações estão no site. Mais importante é explicar assim: a London Book Fair é maior do que a de Sharjah, mas menor que a de Frankfurt. Para os Emirados Árabes, vão os pequenos e médios editores, então é um bom lugar para vender literatura. Para Londres, vem os pesos pesados, então, é um bom lugar para comprar direitos e fazer contatos. Quanto a Frankfurt, para lá vai todo mundo.

Porém, se é para falar das dimensões físicas da feira, o melhor modo é dizer que meu pé não deu conta. Já no final do primeiro dia da feira, meu pé direito indicou que não ia me acompanhar. Eu estava interessado em caminhar por cada estande e ver cada livro de cada editor. Meu pé, pelo visto, queria se esticar numa rede. Se ele pudesse falar, teria dito “vai indo que eu te encontro lá”, como costumo dizer quando vou fugir de um compromisso. Como não posso trocar meu pé machucado por um novo numa loja de acessórios para celular, como quando a tela racha ou a câmera deixa de funcionar, vou me virar com o pé que tenho mesmo.

Ao final do primeiro dia, ele já estava ruim, mas acreditei que um banho quente ia resolver. Lavou, tá novo! Depois de uma noite inteira de sono então, estava certo de que poderia correr uma maratona. Claro, eu estava errado. No segundo dia, meu pé estava um pouco pior. Do Brasil, vinha toda sorte de conselhos. “Filho, volte, não vale a pena.” “Coloque no gelo.” “Passe pomada de arnica.” “Faça um escalda pé.” Para o desespero geral, escolhi a pior opção: caminhava pela feira por no máximo 20 minutos, mancando, e então descansar por outros 20. Quando estava andando, pegava cartões e cumprimentava. Quando sentava, enviava e-mails para os recém-contatados. Assim, fui me virando e estragando ainda mais meu pé. Tenho receio que digam, num pub, à noite, como supostamente fazem esses ingleses: “Vocês viram aquele editor brasileiro mancando pela feira com cara de sofrimento?” Se assim disserem, estarão falando sobre mim.

Outra pergunta comum foi sobre o idioma. Sim, obviamente a comunicação toda é em inglês. Mas vale dizer que para cada inglês nativo com o melhor sotaque de Oxford, encontram-se outros dez italianos, eslovenos, franceses e mexicanos falando com um sotaque tão carregado quanto o nosso. No fim, todo mundo se entende. Uns fazem gestos, outros desenham, e os negócios acontecem. E há quem arrisque um português! Na reunião com os holandeses que agenciam a Hanna Bervoets, um editor soltou um bem decorado “tudo bem, meu chapa, eu sou 'kerioca'”. Eu disse que estava perfeito. Pior são os que perguntam se vamos traduzir o livro para o brasileiro. Esses me dão desespero.

No terceiro dia, apesar da feira terminar oficialmente às 17h, duas horas antes a maioria já tinha ido embora. Para todo lado, estandes vazios e sendo desmontados. Os trabalhadores se adiantavam. As reuniões desapareceram. E eu ainda queria conversar com um agente, alemão, que quer representar autores brasileiros.

Encontrei-o e ele estava de saída, enfiando livros na mala. Estava com medo de perder o voo, que saia às 18h. Como não havia mais tempo para sentar e conversar, combinamos que eu caminharia com ele até a estação, e essa seria nossa reunião. Pobre do meu pé: ele arrastava a mala e acelerava os passos pelas ruas ao redor do Olympia, com medo de perder o voo. Eu disfarçava a dor e tentava acompanhar o ritmo. “Você está bem?” “Estou ótimo!” Seguimos caminhando e falando de autores.

Pior mesmo foi quando ele se ofereceu para falar em português, certo de que era fluente no nosso idioma. Insisti algumas vezes para irmos em inglês mesmo, mas, não: ele estava decidida a falar português, mesmo falando muito mal. Autores aqui, contratos ali, números para lá. O destino não chegava nunca, e meu pé só piorava. Uma hora, atravessamos uma rua. Ele se lembrou de uma história, e se empolgou. Decidiu contar em português: “Uma vez, eu estava passando por essa rua… e vi… um fox… como se fala em português, um fox?” “Uma raposa.” “Isso, um raposo. Vi um raposo aqui.” “Certo.” “Eu achei primeiro que era um vaca, mas depois vi que era um raposo.” Acho que ele quis dizer gato, e saiu vaca. O importante foi que, ao final da conversa, o negócio saiu: fechamos a representação. Contei a história para os amigos editores brasileiros, e os convidei para vir à próxima edição, em 2023: se mancando, e trocando gato por vaca, conseguimos fechar um negócio, recomendo com toda certeza que todos participem da feira. No fim, dá certo!

É hora de fazer as malas, voar para casa e visitar o ortopedista.


* Leonardo Garzaro é jornalista, escritor e editor da Rua do Sabão. À parte isso, tem em si todos os sonhos do mundo.

[08/04/2022 08:40:00]