
Na noite da última quarta-feira (03) a entrevista com Gurnah aconteceu em um grande salão da feira que caprichou no ar-condicionado – se lá fora fazia 30º, dentro da grande sala a temperatura não devia passar os 18º.
No dia seguinte, tive a chance de ter sete minutos para uma conversa particular com o Nobel.
A entrevista não estava nos meus planos. Era o meu último dia em Sharjah e a ideia era cumprir o papel de turista. Acordei procurando informações sobre meu teste de PCR para a viagem de volta ao Brasil e recebo como resposta que, enquanto o teste não vem, terei a oportunidade de conversar com Gurnah.
Minutos depois, estou com outros jornalistas de diversos países. Cada um com cinco minutos (contados!) para conversar com Abdulrazak.
Menos nervosa do que achei que estaria, nossa conversa foi leve, simpática e um pouco mais demorada do que o permitido: sete minutos. “Ela será multada por isso?”, brincou Gurnah ao final do nosso bate-papo – sinal de que foi agradável. Já somos praticamente amigos.
Como o tempo era curto, não queria desperdiçar com perguntas que demandassem respostas longas, mesmo assim, senti que precisava saber mais sobre o início da sua carreira.

Não é todo mundo que tem a oportunidade de ganhar um Prêmio Nobel. Para Gurnah – além da surpresa inicial que ele relatou na noite anterior –, há também a sensação “incrível” – segundo ele – de experimentar algo novo e ver suas obras alcançando cada vez mais pessoas. “Não é como se eu não tivesse leitores antes, mas essa transição é tremenda, não vejo como algo pequeno, tem muita gente interessada em saber ‘quem é essa pessoa? Como é o trabalho dela’ e eu sinto essa empolgação. É maravilhoso”, confessou.
Sobre a responsabilidade que vem com um Prêmio Nobel, Gurnah disse que não tem esse sentimento já que sempre teve muito claro para si, quais são suas responsabilidades primeiramente como ser humano e escritor. Em tom de desabafo, ele contou que às vezes as pessoas dizem que ele agora precisa de uma plataforma para se comunicar com as pessoas. “Plataforma para que? Eu não preciso de uma plataforma. Eu venho dizendo o que eu acredito, o que eu penso e o que eu entendo em qualquer lugar, sem nenhuma plataforma”, argumentou.
Trazendo o tema da noite anterior, quando Gurnah disse que quase desistiu de escrever depois de receber vários “não” de editoras, quis saber o que ele diria para um autor que passa pela mesma situação, que pode estar sentindo que “não é bom o suficiente” e ele foi categórico em sua resposta: “Você precisa continuar fazendo, tentando. Cada pessoa é o seu melhor juiz. Se acaba te desapontando e machucando, você tem que tomar a decisão que quiser. Mas eu encorajo dizendo: apenas continue escrevendo, continue fazendo”, aconselhou.
Mas o que um livro precisa para ser notado? “Muitas coisas!”, responde Aldulrazak. Segundo ele, pode ser o tema ou até mesmo “a voz que narra e que penetra na mente e coração” – os livros possuem muitos elementos que podem engajar o leitor e fazer o livro ser prazeroso.
Com dez romances publicados e diversos contos tratando de temas atuais, angústias e perseveranças, perguntei à Gurnah, já no fim da nossa breve conversa, o que ele espera que os leitores sintam quando leem suas obras. Mais uma vez, a resposta veio como se estivesse na ponta da língua: “Felizes”, disse. “E quando eu digo feliz, não quero dizer que a pessoa tenha que ficar sorrindo ao ler, eu quero que ela sinta prazer. Isso é o que eu espero”, concluiu.
O encontro do Nobel com os leitores
Na conversa que teve com o público da feira, na grande tenda refrigerada, Gurnah começou o bate-papo contando como recebeu a notícia de que havia ganhado o Nobel: para ele, receber ligação de um número desconhecido só poderia ser alguém tentando vender ou cobrar algo. Por isso, quando avisaram que ele era o Nobel de Literatura de 2021, a notícia soou como uma piada. Logo foi aceita de bom grado.

Durante a conversa, ele falou ainda sobre a dificuldade de publicar sua primeira obra. Demorou 12 anos até receber um sim de uma editora. “Se você não tem um agente, seu original vai para uma fila com várias outras obras e três meses depois eles entregam esses escritos para alguém dar uma rápida olhada num fim de semana. Normalmente depois eles só enviam uma pequena carta dizendo 'Obrigado, mas não iremos publicar’, o que pode fazer você pensar que talvez não seja tão bom”, contou confessando logo depois que quase pensou em desistir por conta de tantas respostas negativas.
Os temas tratados em suas obras – os efeitos do colonialismo, racismo, a vida dos refugiados e ainda o abismo entre culturas e continentes – também foram temas da conversa. O Nobel comentou como vê o tratamento que os refugiados recebem e como usa o que vê ao seu redor como mote para suas obras. “Fico o mais próximo possível da experiência que quero escrever. É preciso sempre manter a mente e olhos abertos e prestar atenção no que acontece ao redor para passar isso para a escrita”, declarou.