Um novo mercado editorial do Nordeste: coletivo e independente
PublishNews, Maria Luiza Machado*, 06/01/2021
Em seu artigo, Maria Luiza Machado fala sobre a reformulação e as principais barreiras do mercado editorial nordestino

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, entre as dez capitais brasileiras que mais leram em 2019, cinco delas ficam no Nordeste. Mas e quando paramos para analisar a produção literária nordestina?

Primeiramente, é importante ressaltar que foi-se o tempo em que era possível falar de uma “literatura nordestina” de forma unificada. Na verdade, isso nunca foi possível. Existe uma grande diversidade no que é publicado, como não poderia deixar de ser, considerando o tamanho e as particularidades dos estados da região e dos grupos de pessoas que a compõem: mulheres, homens, jovens adultos, LGBTQI+, independentes etc.

É fato que o mercado editorial nordestino está passando por uma espécie de reformulação. Enquanto por muito tempo, na Bahia, por exemplo, víamos apenas acadêmicos publicando seus livros por meio de editoras locais, hoje vemos o cenário independente tomando conta da cena literária do estado: escritores buscando chances de serem publicados por editoras de outros estados, sobretudo de São Paulo e Rio de Janeiro — já que ser publicado por editoras locais não é nem um pouco fácil —, e um grande e crescente número de publicações independentes. É um mercado em transformação, com mais novos e jovens escritores conseguindo ocupar mais espaços.

Os principais fatores que podemos considerar separadores da produção literária do Nordeste da feita no restante do país são a divulgação e, principalmente, a distribuição. Não há muito investimento para essas duas áreas – o que é de certa forma compreensível, considerando quanto custa um projeto de divulgação de um livro e a dificuldade em distribuir, ainda mais nesse momento em que tantas livrarias e espaços culturais estão fechando as portas –, e também, claro, por conta da pandemia. Existem editoras locais, de médio porte, mas a maioria delas parece circular somente dentro do próprio estado, quando não tem apenas circulação na capital. Poucas investem — por diversos motivos e dificuldades —, nesse caminho de tentar levar as obras para outros cantos do país.

Tendo isto em vista, muitos autores novos optam pelo caminho da publicação independente, que tem como vantagem o escritor ter todo o controle sobre sua obra, monitorando todos os detalhes, sem intervenção ou cumprimento de demandas específicas de uma editora — algo que todas têm, mesmo as independentes. É um processo trabalhoso, que exige a coordenação de vários profissionais, mas vale a pena, se existir verba financeira a ser investida, disponibilidade para tal e, sobretudo, a vontade de construir a obra de uma forma bastante específica e diferenciada.

Porém, um novo autor não precisa, necessariamente, investir na publicação independente. Existem editoras que trabalham com recebimento de originais, de forma periódica ou constante; uma forma interessante de se publicar, principalmente quando se trata de um primeiro livro. Também, em editoras classificadas como “prestadoras de serviços,” é possível ser feito financiamento total e às vezes parcial da produção, algo que depende da possibilidade financeira de cada um, mas podem ir desde investimento próprio até campanhas de financiamento coletivo, algo que tem dado muito certo nos últimos tempos.

Foi nesse contexto que criei, no ano passado, a Mormaço Editorial. Ela nasceu de uma demanda observada por mim há bastante tempo aqui na Bahia: percebi que as editoras existentes raramente publicavam novos e/ou jovens escritores, já conhecidos ou não pela cena literária, já que muitos rostos são figuras frequentes em eventos culturais e saraus da cidade. A ideia sempre foi ser um editora que oferecesse certo acolhimento aos escritores e, sobretudo, reconhecimento e identificação — “se uma pessoa consegue publicar nesta revista, eu também consigo”, “se existe uma editora idealizada por escritores em situação parecida com a minha (dificuldade de publicação, de divulgação, distribuição, muitas dúvidas quanto ao processo de construção de um livro), quem sabe eu também não consiga fazer parte do time também?”.

Por fim, é importante reiterar que, para incentivar os leitores a consumirem livros escritos por autores contemporâneos e que publicam de forma independente é preciso um trabalho constante de divulgação das obras, em todos os espaços possíveis. Buscar bibliotecas, formas de divulgação via redes sociais, realizar eventos, ocupar lugares em que apenas acadêmicos sempre ocuparam. Nota-se que é um trabalho que exige participação de muitas pessoas e bastante disponibilidade de todos para que seja realizado, mas esse é o caminho que eu enxergo na arte independente: coletividade, construção de redes e apoio mútuo de artistas.


© João Régis Novaes
© João Régis Novaes
* Maria Luiza Machado é escritora, poeta e editora responsável pela Mormaço Editorial. Tantas que aqui passaram, seu terceiro livro, é a primeira obra lançada pela editora. Nele, Maria Luiza conta, em forma de poemas narrativos, fragmentos e cenas que fazem parte da história de diferentes mulheres. A edição é da escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes e o projeto gráfico é assinado pela poeta e ilustradora Isabela Sancho. O posfácio ficou por conta da antropóloga, colagista e também escritora Monique Malcher.

[06/01/2021 08:00:00]