#EmDefesadoLivro
PublishNews, Matheus Perez, 25/08/2020
Em artigo, Matheus Perez discorre sobre o distanciamento entre o brasileiro e a leitura

Olavo Bilac em 1904 entrou numa discussão que um tanto tem a ver com o atual debate em torno da taxação do livro. Na época, o repórter João do Rio havia publicado um artigo na Gazeta de Notícias intitulado “O Brasil lê”. O analfabetismo na época atingia cerca de 74% da população e Bilac discordou explicando que o brasileiro não lia “pela razão única e exclusiva de não saber ler”. Citando as tiragens que raramente esgotavam da Garnier, uma das principais editoras da época, retrucou: “Que o meu bom amigo João do Rio ponha a mão na consciência — se é que alguém pode pôr a mão nessa imaterial senhora — e diga com franqueza, se é ou não verdade que nós vivemos a escrever quase que exclusivamente para os oficiais do mesmo ofício”.

Esse episódio me chama a atenção por dois motivos:

  1. Bilac olhava para a realidade do país e via a leitura como um exercício da elite, visão também corroborada por defensores da taxação dos livros.
  2. Não estamos mais em 1904, mas o brasileiro continua muito distante da leitura. Em 2018 o Inaf reportou que 29% da população é analfabeta funcional, e a média nacional de leitura é de pouco mais de dois livros por ano.

Há muitas razões para o distanciamento entre o brasileiro e a leitura. Uma delas é que a relação do Brasil com o livro é muito recente. Enquanto na Europa o livro começou a se tornar popular com a introdução dos tipos móveis por Gutenberg no século XV, no Brasil a produção de livros teve início de fato somente em 1808 com a mudança da família real portuguesa para o Rio de Janeiro. Desde então educadores, escritores, editores entre outros têm arduamente batalhado por políticas que garantam o acesso à educação e à leitura para o maior número de brasileiros possível.

Foi neste contexto que em 1946 Jorge Amado, que era deputado constituinte, propôs uma emenda que concedia ao papel usado para publicar livros imunidade tributária. A imunidade foi estendida ao livro em 1967 e enfim garantida na atual constituição de 1988. Estas políticas foram úteis para popularizar o livro e torná-lo mais acessível, mas a atual proposta pode comprometer esse avanço.

Hoje temos 97% das crianças e adolescentes entre 7-14 anos matriculados nas escolas. Se o livro ainda é visto como um objeto consumido pela elite, este é justamente o momento de mudar isso e investir na educação destas crianças e na formação de leitores. Embora tenhamos avançado em alguns pontos desde a época de Bilac, a medida de taxação pode ser um passo atrás para a transformação que queremos na educação.

Na Árvore, onde trabalho, vemos todos os dias o poder de políticas públicas que incentivam a leitura. É gratificante ver alunos de escolas públicas ribeirinhas de Manaus, do interior do Rio Grande do Sul, e de escolas por todo o Brasil, terem suas vidas transformadas pelo acesso a milhares de livros digitais e conteúdos de atualidades que podem ser lidos em qualquer lugar. Por isso, apoiamos e nos unimos a editoras, escritores e entidades do livro ao pedir a manutenção da imunidade tributária do setor livreiro, e esperamos que este debate resulte em políticas ainda mais afirmativas e propulsoras do livro e da leitura.


* Matheus Perez é formado em Produção Editorial pela Universidade Anhembi Morumbi, com MBA em Marketing e Inteligência de Negócios Digitais pela FGV. Atua como gerente da área de Conteúdo Editorial da Árvore desde sua fundação, onde é responsável pela prospecção e gestão do acervo e pelo relacionamento com editoras. Tem passagem pelo PublishNews, SBS e Globo Livros, além de ter trabalhado como colaborador externo para várias editoras.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[25/08/2020 10:30:00]