Novos best-sellers à vista… mas não nas livrarias
PublishNews, Talita Camargo*, 18/05/2020
Em artigo especialmente escrito para o PN, a livreira Talita Camargo celebra dois possíveis novos best-sellers, mas lamenta que - por conta da pandemia - eles não deverão refletir em vendas nas livrarias

A livreira Talita Camargo celebra dois possíveis novos best-sellers, mas lamenta que - por conta da pandemia - eles não deverão refletir em vendas nas livrarias | © Paulo Vitale
A livreira Talita Camargo celebra dois possíveis novos best-sellers, mas lamenta que - por conta da pandemia - eles não deverão refletir em vendas nas livrarias | © Paulo Vitale

Eu devia ter uns 20 anos quando acordei um dia e, ao chegar na sala, dei um berro de susto ao me deparar com o totem, em tamanho real, de Edward Cullen (daqueles que tem o espaço do rosto vazio para você preencher com o seu e fotografar, sabe?). Na época, meu pai, Ivo Camargo, estava em projetos com a editora Intrínseca, detentora dos direitos da saga Crepúsculo no Brasil e o tal vampiro galã fazia parte de alguma ação de marketing da editora e, por um acaso, foi parar na sala da nossa casa.

Obviamente que a situação me causou uma crise de riso do meu próprio ridículo, mas também aguçou minha curiosidade sobre essa trama que estava arrebatando os corações dos jovens leitores de todo mundo.

Confesso que comecei a ler o primeiro livro da série meio sem saber muito sobre a trama, que se consagrou pela disputa do amor da mortal Bella Swan entre o vampiro Edward e o lobisomem Jacob, mas devorei os livros em poucos dias: me hipnotizei pelos diálogos de Bella e Edward: consistentes, profundos, duradouros. O sofrimento dela com o rompimento brusco dos dois, o desespero pelo sumiço de repentino de Edward, a aproximação espontânea com Jacob... Eu não só gostei como me tornei uma eterna torcedora do #teamedward, afinal, amor verdadeiro é amor verdadeiro.

Mas pensem: se eu, que já era uma adulta quando me deparei com o mais bobo dos contos de fada da época, me encantei; imagina o que esses livros não fizeram com toda uma geração de jovens leitores, não é mesmo? Eu arriscaria dizer que o fenômeno Crepúsculo foi o segundo maior para a formação (ou consagração) de leitores, perdendo apenas para a chamada geração Harry Potter.

A saga Crepúsculo vendeu mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo, desde o seu lançamento, em 2005. Além disso, os livros viraram filmes e... Bom, sejamos honestos: por mais fã que você seja da série, é importante assumir que a adaptação para o cinema deixou muito a desejar em diversos pontos. Ainda assim, o poder dos livros fez com que a adaptação em cinco filmes, estrelada por Kristen Stewart e Robert Pattinson, arrecadasse US$ 3,3 bilhões em bilheteria (com a cotação da moeda norte-americana nas alturas, não me arrisquei a converter para o Real).

E quando acabou, deu um vazio imenso: não só nos leitores fanáticos, mas também nos livreiros. Porque são estes fenômenos que dão um respiro de longo prazo e enchem o caixa de muito dinheiro. E se os livreiros estão ganhando dinheiro, significa que estão prosperando e fazendo novos pedidos, e também enchendo o caixa das editoras; que por sua vez têm que reimprimir e os caixas das gráficas também ficam cheios; e os prestadores de serviços têm sempre trabalhos e a roda do livro está em movimento. E vivemos felizes para sempre.

Vocês devem estar se perguntando por que estou compartilhando meu amor secreto por Edward Cullen, mas é que há tempos venho falando que a salvação do mercado editorial está na publicação de um novo best-seller. Não qualquer best-seller: tem que ser um nível Harry Potter, Cinquenta tons de cinza, Jogos vorazes, Crepúsculo e... opa!

Adivinhem só o que vem por aí?

Pois é! Stephenie Mayer, autora da saga Crepúsculo, anunciou o lançamento de Sol da meia-noite: novo livro da série de sucesso, que reconstitui a mesma história, mas desta vez pela perspectiva de Edward Cullen (a trama original é contada pelo ponto de vista de Bella). A autora havia abandonado projeto após vazamento de trecho on-line, em 2008, pois considerou o episódio – com toda razão - uma grave violação de seus direitos autorais.

O livro já tem data para chegar às prateleiras das livrarias brasileiras. O anúncio feito pela Intrínseca informa que (rufem os tambores tu ru ru ru): 4 de agosto de 2020 é o dia em que poderemos nos reencontrar com esses vampiros e lobisomens irresistíveis!

Além disso, a saga Crepúsculo levou para a lista de mais vendidos do Brasil releituras de clássicos da literatura internacional como Romeu e Julieta (Shakespeare) e O morro dos ventos uivantes (Emily Brontë), porque eram os títulos preferidos dos protagonistas da trama.

Nesta mesma linha e com data de lançamento bem mais próxima, o novo livro da série Jogos vorazes, chega às livrarias em 19 de junho, data confirmada pela Rocco, editora que detém os direitos desta outra série de imenso sucesso mundial.

Outra série, aliás, que me fascinou: Suzanne Collins foi uma maestra ao fazer com que a molecada devorasse estes livros que trazem à tona discursos sobre luta de classes, poder político, preconceito, opressão, extrema pobreza, empoderamento feminino, concentração de renda, autoritarismo, sociedade do espetáculo... Sou uma grande fã e não vejo a hora de ler A cantiga dos pássaros e das serpentes, que se passará 64 anos antes da trama original e mostrará o passado do presidente Snow, vilão que comanda a cruel ditadura de Panem, responsável por promover os jogos vorazes.

A trilogia Jogos vorazes já vendeu mais de 85 milhões de exemplares em todo o mundo e, assim como a saga Crepúsculo, foi adaptada para os cinemas em produções fiéis e de excelente qualidade, trazendo a vencedora do Oscar Jennifer Lawrence no papel da protagonista e (anti) heroína Katniss Everdeen. Não tinha como dar errado e os filmes arrecadaram mais de U$$ 2,3 bilhões em bilheterias.

E tudo estaria lindo e o mercado estaria ansioso pela chegada destes grandes sucessos garantidos, não fosse pelo fato de que, em meio à pandemia da covid-19, que ocasionou o fechamento do comércio e, portanto, das livrarias físicas de quase todo o país; a pré-venda destes títulos já ocupam o primeiro e segundo lugar, respectivamente, dos livros mais vendidos na gigante do e-commerce: Amazon.

Vejam, não tenho nada contra a Amazon: acho ela um player saudável e importante para o nosso mercado, especialmente para os editores. E também entendo a decisão destas editoras em realizar uma ação de pré-venda com a Amazon, mas a verdade mesmo é que é injusto com o livreiro de loja física, especialmente, o livreiro independente, que está se adaptando e se virando para sobreviver e vai perder o melhor da festa.

Sol da meia-noite, verdade seja dita, também está em pré-venda em todos os outros sites de vendas on-line, como Submarino, Americanas.com, Livraria da Travessa, Livraria da Vila, Livraria Cultura, entre outros.

Ainda assim, me preocupo. Não temos data para a reabertura do comércio em diversas cidades do país, e é bastante provável que o novo livro de Jogos vorazes lance ainda em meio ao isolamento social. E honestamente, não entendo essa estratégia da editora, que já lançou versão especial de 20 anos de Harry Potter com as livrarias de portas fechadas.

As editoras também precisam sobreviver e ter a Amazon – e outros sites - como parceiros de pré-venda é uma estratégia comercial que não se pode ignorar. Tenho total ciência disso. Mas não consigo deixar de pensar no livreiro: como deixá-lo de fora de uma festa em que ele foi o anfitrião a vida toda? É um dilema complicado, reconheço.

Pois é esta a oportunidade de se ver as vitrines abarrotadas de Crepúsculo e Jogos vorazes, de se observar os outros livros das séries sumindo das prateleiras e fazendo os índices das listas de mais vendidos crescerem. É o momento de ajudar esses livreiros a encerrarem o mês sorrindo e satisfeitos com fenômenos de vendas. É quando a roda do livro pode voltar a girar.

Deixo aqui, então, a provocação para que as duas grandes editoras (e todas as outras que estão lançando neste período) pensem em ações para estes livreiros: brindes especiais? Vitrines decorativas? Descontos maiores nestes títulos por um período determinado? Ações dentro das lojas? Caros editores: cuidem dos livreiros com carinho.


* Talita Camargo é sócia-proprietária da 2BOOKS Distribuidora e gestora da Livraria do Comendador. Esteve entre os vencedores do Prêmio Jovens Talentos de 2019.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[18/05/2020 09:30:00]