Frankfurt contra a ‘convulsão política e social’
PublishNews, Redação, 15/10/2019
Com uma deliciosa 'torta de climão', abertura da Feira do Livro de Frankfurt manteve o seu tom político

Desde a sua refundação, no pós-Segunda Guerra Mundial, a Feira do Livro de Frankfurt se consolidou como uma defensora intransigente da democracia, da liberdade de expressão e de publicação no mundo. Em 2019, claro, não está sendo diferente. Frankfurt chega a sua 71ª edição se colocando contrária à atual “convulsão política e social” do mundo.

Juergen Boos na abertura da Feira do Livro de Frankfurt | Leonardo Neto
Juergen Boos na abertura da Feira do Livro de Frankfurt | Leonardo Neto
“As indústrias do livro e da mídia têm a responsabilidade de analisar, avaliar e questionar criticamente as mudanças de paradigma que definem o século 21”, disse Juergen Boos, diretor geral da Feira, em encontro com jornalistas na manhã desta terça-feira (15). “A indústria editorial global representa múltiplas perspectivas e opiniões e a diversidade deve ser preservada”, continuou enfático. “Nós precisamos de autores que apontem injustiças, ofereçam resistência e assumam os riscos. E precisamos de editores que se envolvam com seus conteúdos e encontrem os formatos adequados para eles”, completou.

Em seu discurso na cerimônia de abertura da feira, na noite de ontem, Boos continuou a defender as principais bandeiras da Feira: “Este ano lançamos o projeto Create your Revolution. A ideia por trás disso é trazer a cultura de volta aos debates relevantes como um fator-chave”, explicou. “A cultura é a espinha dorsal das sociedades. Ela nos permite saber quem somos, de onde viemos, quais narrativas e quais desejos nos impulsionam. A cultura é nossa âncora. E é isso que nos distingue dos nacionalistas”, defendeu.

Torta de climão: escritora Erika Fatland puxa a orelha da primeira-ministra da Noruega durante a cerimônia de abertura da Feira do Livro de Frankfurt | Leonardo Neto
Torta de climão: escritora Erika Fatland puxa a orelha da primeira-ministra da Noruega durante a cerimônia de abertura da Feira do Livro de Frankfurt | Leonardo Neto
Mas o momento alto da cerimônia foi o discurso animado, bem-humorado e nem por isso pouco incisivo da escritora Erika Fatland. Ela começou dizendo que era uma criança solitária e estranha e uma adolescente ainda mais solitária e estranha. “Mas nunca me senti sozinha porque tinha livros. Eu desenvolvi uma técnica que me permitia caminhar pela minha casa enquanto lia. Pode parecer brincadeira, mas na minha família – uma típica família da Noruega, isso era como beber água ardente antes do café da manhã”, disse arrancando risadas da plateia.

Mas o tom leve foi ganhando contornos mais graves. E ela, como não poderia deixar de fazer no principal palco político do livro, resolveu ir adiante. “Ditadores temem a palavra escrita. É quase comovente o quanto eles temem os livros”, disse depois de contar a história de um turista holandês que, visitando a Coreia do Norte, deixou um livro já lido “esquecido” num banco de um microonibus e foi duramente reprimido por um policial local.

E aí, na sequência, veio o maior puxão de orelha da noite. Com membros da família real e a primeira ministra do seu próprio país sentados na primeira fileira, Erika disse: “Mesmo no meu próprio país, a Noruega, que está longe de ser uma ditadura, uma produção teatral foi recentemente criticada pela chefe de governo porque o conteúdo era aparentemente problemático para os políticos locais”.

Ela se referia à montagem da montagem de uma peça de “teatro documental” por um pequena companhia de Oslo. O espetáculo trazia cenas reais do então ministro da Justiça do país com sua esposa. Ele não gostou nada e tentou impedir que as cortinas subissem. E teve o apoio da primeira-ministra Erna Solberg, que estava ali sentada na primeira fila.

Os temas abordados na abertura estarão presentes na programação da Feira nos próximos dias. Na sexta, por exemplo, acontece o debate Freedom of expression and solidarity, que vai reunir Ine Marie Eriksen Soreide, ministra das relações exteriores da Noruega; Jeffiner Clement, do PEN International e Alexander Skupis, da Börsenverein. Outra mesa vai mostrar como livreiros podem discutir esses temas como liberdade de expressão e direitos humanos em suas lojas. O papo será conduzido por Margit Ketterle (Droemer Knaur), Dieter Dausien (Buchladen) e Philip Husemann (Die Offene Gesellschaft).

[16/10/2019 04:00:00]