Um gigantesco salto na inclusão
PublishNews, Pedro Milliet*,15/10/2019
Em seu artigo, Pedro Milliet analisa as inovações e os avanços no aprendizado e letramento das pessoas com deficiência visual e o que ainda precisa ser feito

No Brasil, segundo dados do IBGE de 2010, são mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. No mundo, a cada cinco segundos, uma pessoa se torna cega.

O Sistema Braille foi criado em 1829 pelo francês Louis Braille e introduzido no Brasil em 1854, por José Álvares de Azevedo, com a fundação do Instituto Imperial dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamim Constant, inaugurado por Dom Pedro II.

De lá para cá, o braille como suporte para o efetivo aprendizado e letramento das pessoas com deficiência visual consolidou-se, no entanto poucas inovações ocorreram ao longo dessa história, até muito recentemente.

A coluna em verde representa a expectativa de produção para o PNLD 2020. (Fonte: MEC/Instituto Benjamim Constant)

Nesse novo cenário são notórios os ganhos em qualidade e em quantidade - veja-se o gráfico dos últimos 15 anos do número de títulos transcritos no Programa Nacional do Livro Didático, PNLD. Pela primeira vez é possível afirmar que o livro certo chegou para o aluno certo, na hora certa.

As inovações tecnológicas permitiram a introdução de formatos digitais com áudio, melhorias expressivas na impressão braille, como a utilização de dados variáveis, a viabilização da impressão em baixas tiragens e a impressão da tinta sincronizada com o braille. Esses recursos permitem maior autonomia para a pessoa com deficiência, e a impressão tinta-braille permite o acompanhamento da leitura por pessoas sem deficiência visual, além de significativa melhora na busca pela igualdade de oportunidades.

Se por um lado os recursos digitais facilitaram o contato e a obtenção da informação, por outro lado não substituíram o desenvolvimento das mesmas capacidades intelectuais que o letramento e a alfabetização em um código escrito propiciam. E se as pessoas com severas deficiências visuais não tiverem a oportunidade de desenvolver plenamente suas capacidades intelectuais, também lhes serão tolhidos os direitos de pleno exercício da cidadania.

O braille ainda é o único meio de contato com o código escrito disponível e dominar seu funcionamento por meio dos signos táteis é similar ao processo de domínio do funcionamento do sistema alfabético por um vidente, possibilitando às crianças e jovens o acesso aos conhecimentos formais e ao desenvolvimento cognitivo.

A praticidade dos formatos digitais é importante principalmente para estudantes de baixa visão, que podem utilizar sua capacidade visual e aproveitar recursos como fontes ampliadas e diferentes combinações de cores de fundo e texto. A navegabilidade de livros em formato Epub 3, assim como a possibilidade de ouvir a narração em alta velocidade, torna esse formato muito útil para alunos já alfabetizados e, preferencialmente, que dominem também o braille.

Para a produção dos livros didáticos em formatos acessíveis é importante ressaltar que a descrição de imagens é fundamental bem como a adaptação de elementos complexos como gráficos e mapas. Em muitos casos, também é preciso adequar exercícios para que atendam às necessidades dos estudantes com deficiência. A simples leitura por leitores de tela, ou outros dispositivos de leitura contemporâneos, sem o trabalho de descrição e adaptação dos conteúdos dos livros originais, é insuficiente devido ao alto grau de complexidade do conteúdo.

A complementaridade entre os formatos digitais acessíveis e os livros em tinta-braille é defendida por instituições reconhecidas internacionalmente, como a brasileira Fundação Dorina Nowill para Cegos, a norte-americana Perkins Foundation e o ICEVI - International Council for Education of People with Visual Impairment.

A oferta de livros tinta-braille integrada aos livros digitais acessíveis e também a novas tecnologias, como objetos impressos em 3D, é a melhor solução para atender ao direito à educação e informação dos estudantes com deficiência visual.

O mercado editorial continua investindo em recursos tecnológicos para atender não só as pessoas com deficiência visual, mas ampliando as formas de democratização da informação a outras necessidades, como Libras, por exemplo.

A expectativa é grande para que os livros do PNLD 2020 sigam o mesmo caminho de sucesso do PNLD 2019. Os principais produtores já atualizaram seus sistemas e pátios gráficos, e os alunos aguardam ansiosamente os livros tinta-braille para a continuidade de seu processo educativo.


* Pedro Milliet estudou Psicologia, Música e Filosofia. Especialista em computação musical, sua relação com o campo da acessibilidade vem da relação cotidiana de 10 anos com seu sócio entre 1988 e 1998, o músico Sergio Sá, que era cego. Após criar um sistema proprietário de livros digitais acessíveis em 2002, em 2006 desenvolveu um sistema online de produção de livros acessíveis em formato DAISY e o primeiro leitor de livros DAISY em idioma Português. Desde então participou dos Conselhos do Consórcio DAISY (2008-2014) e do Accessible Books Consortium - ABC (2009-2017). Desde 2019, trabalha como Consultor de Acessibilidade na ED5. Participa ainda de vários grupos de trabalho e projetos internacionais dedicados ao desenvolvimento de tecnologia acessível para produção e leitura de livros digitais.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[15/10/2019 03:30:00]