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A literatura (preencha aqui com o nicho que quiser) vai muito bem, obrigadx
PublishNews, Tatiany Leite*, 08/10/2019
Diante da polêmica sobre a viabilidade ou não da literatura de gênero brasileira, Taty Leite se declara otimista

Faz um tempo que tenho trocado socos com personagens imaginários na internet. Eu, que faço parte da tal geração millennial, só soube declamar alguns insultos (confesso, pouco certeiros) em discussões sobre se Capitu traiu ou não Bentinho; se beijo gay é pornografia ou se existe a aclamada alta literatura.

Estando eu numa bolha bem confortável de informações (e tão próxima ao Google, diga-se de passagem), às vezes, também acredito que tenho uma visão muito romântica do mercado editorial brasileiro. Passei por grandes e pequenas editoras e, até hoje, em meus freelas fixos ou no conteúdo que faço para o meu canal (de literatura, diga-se), vejo números que batem no sentido contrário com a crise do mercado, o fechamento de livrarias e os quatro livros que o brasileiro lê por ano.

Analisando em um plano macro, os dados que falaremos adiante podem parecer ínfimos. Mas, ao lembrarmos que nossa literatura só começou a “existir" depois da vinda da família real ao Brasil, apesar de proibida em sua maioria com a fuga de Dom João VI de volta a Portugal, até que ponto podemos nos comparar com qualquer outro país?

Neste âmbito de contexto histórico, é muito importante lembrarmos que não só começamos muito tempo depois, mas também fomos amplamente censurados, queimados e menosprezados por nós mesmos (vide Cassandra Rios, a primeira escritora brasileira a vender um milhão de exemplares, completamente esquecida pelas universidades e editoras).

Além disso, em nível territorial, somos gigantes, o que torna nossa cultura diferente entre si e também dificulta a chegada de algumas obras fora de eixos específicos e mais tecnológicos, vulgo cheios da grana (como o sul e sudeste).

Pior, somos 11 milhões de analfabetos no Brasil. Isso sem contar com o fato de que o português é uma língua falada por apenas 2,71% da população mundial. Como, portanto, colocando tudo isso sob uma única perspectiva, comparar um escritor de fantasia brasileiro com um escritor de fantasia norte-americano? Ou, ainda, equiparar um escritor de literatura jovem adulta no Rio de Janeiro, com um dos irmãos Green que publica diversos livros por ano, sendo a maioria adaptado para o cinema com estrelas da Disney?

Tupi or not tupi, that is the question

Já que estamos citando história, vale um retorno rápido aos palcos do Theatro Municipal de São Paulo, nos três dias de vaias em 1922. “Os araras caíram”, berrava em caixa alta Mário de Andrade, em carta ao seu amigo Manuel Bandeira. Os araras eram os jornalistas que, tensos com a possível revolução futurista encabeçada por Oswald de Andrade, ficaram preocupadíssimos e acabaram dando mais atenção ao causo do que deveriam.

Em tempos internéticos, arrisco assumir o mea culpa. Nós caímos e cairemos. Cairemos toda vez que vem algum escritor egocêntrico dizendo que sabe do que está dizendo. E diz sem estudar ou sem perguntar. Cairemos quando um colega de profissão questiona se um trabalho deve ou não ser pago em prol da arte literária. Cairemos quando algum metido a especialista de escritores mortos bota a culpa nas causas sociais atuais para um livro que foi escrito em 1899.

Nós, araras, cairemos e faremos isso sem citarmos Jovem Nerd e seu podcast de RPG com três milhões de downloads ou André Vianco e Spohr que, juntos, somam mais de 1.7 milhões de livros vendidos. Cairemos por uma matéria como essa ao relembrarmos a escritora cearense Socorro Acioli que, com sua literatura fantástica guiada por Gabriel García Márquez, vai pra feira do livro na França e nos EUA, além de ter sua obra escolhida pela Biblioteca Pública de NY como uma das 50 melhores de 2016 para o público jovem e ser finalista do LA Times Book Prize em 2017. Derraparemos ao lembrarmos da Flecha de fogo, do Leonel Caldela, com estoque esgotado em um único evento em 2019 (Comic Con Experience). Aliás, tampouco citaremos as dezenas de revistas especializadas em literatura fantástica com seus milhares de assinantes.

Tentaremos, então, falar tupi quando, em um financiamento coletivo, Tormenta 20 supera a sua meta em 2.398% e apura impressionantes R$ 1,9 milhão, batendo todos os recordes do site Catarse. Ou quando Jim Anotsu, autor negro nacional, é publicado em 13 países, seis idiomas, com tiragens maiores de 20 mil na Alemanha e escrevendo roteiros para o cinema.

Polemizaremos quando um escritor de literatura fantástica, Felipe Castilho, com Ordem vermelha, vende 30 mil exemplares de seu livro físico, em menos de dois anos de existência. Ou quando o casal de escritores Raphael Draccon e Carolina Munhóz adaptam uma nova série original da Netflix, entrando pro grupo de outro escritor brasileiro, Raphael Montes, que por conta de seu sucesso literário, juntamente com Ilana Casoy, fica responsável pelo roteiro do filme do caso Richthofen.

Também esbravejaremos quando Max Mallmann teve seu Síndrome de quimera indicado ao prêmio Jabuti e ainda seu argumento usado para inspirar a série A ilha de ferro, junto com Adriana Lunardi. Ou quando acontece a PerifaCon, atraindo mais de quatro mil pessoas fãs de literatura na Fábrica de Cultura do Capão Redondo, na periferia da Zona Sul de São Paulo. Que, aliás, falando em feiras, lembra bem das vezes que “estabelecemos uma nova corrente” nas duas edições da Casa Fantástica na Flip, a festa literária de Paraty, lugar que também marcamos presença na programação oficial com nomes como Bráulio Tavares e Jarid Arraes (pularemos as três edições da Flipop e as seis edições da Odisseia de Literatura Fantástica, só para que o texto não fique grande demais).

Do lado de cá, assim como Santiago Nazarian, acompanho há tempos este mercado, mas sou diferente do autor e consigo ser otimista, meus amigos. Inclusive usufruindo do apoio audiovisual (que trouxe, por exemplo, 3%, na Netflix, o divino filme Bacurau e trará a adaptação de Ana Paula Maia na TV Globo em 2020), a literatura nacional, seja a fantástica, a young adult ou a do que a gente bem entender, vai muito bem, obrigada.


* Jornalista de formação, Tatiany Leite é criadora do projeto Vá ler um Livro (o único canal de educação voltado exclusivamente à literatura e participante do YouTube EDU). Além disso, já trabalhou em grandes empresas como MTV Brasil e YouTube Space SP, também tendo textos publicados na Revista TPM, Trip, Revista Capricho, Revista da Cultura e muitos outros veículos. Em 2018 apresentou o prêmio Jabuti nos canais digitais da CBL, foi colunista do programa Metrópolis na TV Cultura e lecionou para 10 mil pessoas na maior aula da América Latina, no ginásio Ibirapuera. Com seu projeto, ganhou o prêmio IPL - Retratos da Leitura no Brasil em 2018 e foi uma das finalistas do prêmio Jovens Talentos da Publish News. Atualmente, também apresenta o programa "Livros em Pauta" na TV Cultura (em parceria com a CBL) e é co-criadora do primeiro podcast sobre bissexualidade do Brasil (Biscoito).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Tatiany Leite é a criadora do projeto "Vá Ler um Livro". Em 2018, ela apresentou os bastidores do prêmio Jabuti nas redes sociais da Câmara Brasileira do Livro. Em 2021, além de integrar o júri na categoria Romance de Entretenimento, foi a tiktoker oficial da premiação, apresentando o Jabuti para o público jovem, bem como os seus vencedores. Ela também foi colunista do programa Metrópolis, da TV Cultura, e do Catraca Livre, foi a cerimonialista/apresentadora do Prêmio Kindle de Literatura 2023 e jurada editorial no Rio2C, o maior encontro de criatividade da América Latina. Ela ganhou o Prêmio Retratos da Leitura no Brasil na categoria de fomento à leitura e foi finalista do Jovens Talentos da Indústria do Livro por duas vezes consecutivas (2019/2020-2021). Tati também é co-criadora do primeiro podcast sobre bissexualidade do Brasil, chamado "Biscoito". O projeto foi acelerado pelo Spotify por dois anos, com exclusividade através do Spotify Podcast Academy.

Tags: Taty Leite
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